“Catarse coletiva”, diz diretor de filme sobre crise argentina

Com Ricardo Darín e o filho do astro, Chino, no elenco, A Odisseia dos Tontos usa humor e aventura para narrar tragédia econômica

Felipe Moraes
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O filme A Odisseia dos Tontos, grande sucesso do cinema argentino em 2019, com quase dois milhões de ingressos vendidos, é definido pelo diretor Sebastián Borensztein como um “exercício coletivo de catarse”. Conhecido por Um Conto Chinês (2011) e Kóblic (2016), nos quais também trabalhou com o astro Ricardo Darín, o cineasta deu entrevista ao Metrópoles durante sua passagem ao Brasil para participar da Mostra de Cinema de São Paulo. O longa é o candidato do país para disputar vaga entre as produções estrangeiras que concorrerão ao Oscar 2020.

Em cartaz no Brasil, o longa usa comédia e aventura para narrar uma história de sucesso em meio à trágica crise econômica de 2001, quando o chamado corralito impôs aos cidadãos a impossibilidade de sacar dinheiro em dólar de contas bancárias – pesos ficaram limitados a algumas centenas por semana. À época, a economia encolheu quase 30% e cerca de 3/4 da população ficou em sérias dificuldades ou na miséria.

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Classe trabalhadora contra ricaço trambiqueiro: comédia volta ao ano de 2001, quando a Argentina "quebrou"
Assaltantes amadores tentam arrombar cofre de advogado que aproveitou a crise para se apossar de milhares de dólares do povo
Darín, à direita, trabalhou com o diretor Sebastián Borensztein em Um Conto Chinês (2011) e Kóblic (2016)
Longa foi sucesso de bilheteria no cinema argentino
Pôster de A Odisseia dos Tontos: candidato da Argentina para disputar vaga no Oscar 2020

Na trama, o produtor e ator Darín, contracenando pela primeira vez ao lado do filho, Chino, interpreta um morador de Alsina que articula a criação de uma cooperativa na pequena cidade. O investimento custa US$ 300 mil. O grupo consegue juntar parte da quantia, mas precisa recorrer a um empréstimo. Abate-se o desastre econômico sobre o país e o sonho vira pesadelo. Para completar a maré de azar, um advogado trambiqueiro e ricaço se aproveita da boa relação com o gerente para zerar os dólares da agência, deixando milhares de cidadão sem nada.

Borensztein falou sobre como foi adaptar o livro de Eduardo Sacheri, famoso pelo romance que deu origem ao vencedor do Oscar O Segredos dos Seus Olhos (2009), e a força do cinema argentino na atualidade. Com experiência na televisão antes de dirigir seu primeiro filme, La Suerte está Echada (2005), também revelou ter vontade de trabalhar em produções para streaming.

Leia entrevista com Sebastián Borensztein, diretor de A Odisseia dos Tontos:

Ricardo e Chino atuaram juntos pela primeira vez neste filme. Como foi a dinâmica dos dois no set?
Bom, foi um grande prazer trabalhar com eles juntos, como pai e filho. Além do mais, também foram produtores. Tenho amizade de muito tempo com Ricardo. Vi Chino nascer, praticamente. Para mim, foi muito confortável, agradável. Todos sabiam que desejavam fazer isso há muito tempo. Conseguir foi uma festa.

Chino e Ricardo Darín ao lado de Sebastián Borensztein: longa quer vaga no Oscar 2020. Argentina já ganhou com A História Oficial (1985) e O Segredo dos Seus Olhos (2009), estrelado por Ricardo

A Odisseia dos Tontos é o filme argentino mais assistido de 2019. O que você acha que atraiu as pessoas aos cinemas? De que maneira a crise de 2001 ainda afeta a população?
O filme foi uma catarse para o público por causa da tragédia que vivemos em 2001. Já com um tempo que ela aconteceu, pode ser contada com um pouco de humor, misturando isso a drama e aventura. Foi um exercício coletivo de catarse. A identificação do público com a história foi imediata.

Na Argentina todos temos algum ponto de contato com aquilo que aconteceu. Muitos perderam tudo. Alguns perderam pouco. Tive amigos e familiares que perderam demais. O filme é uma fábula onde os perdedores de sempre conseguiram ganhar dos filhos da puta de sempre.

A Odisseia gerou comparações com outros filmes de assalto, os chamados heist movies, como Onze Homens e um Segredo. Só que no seu longa, os ladrões não são criminosos. Apenas querem justiça. Como foi trabalhar esse gênero dentro de uma perspectiva autenticamente argentina?
O filme naturalmente tem muito a ver com a ideia do heist, do gênero. Mas a gente misturou muita coisa. Esse heist ganha um contexto histórico e social, como foi em 2001. E também de drama, humor, tragédia e aventura. Foi um trabalho bem misturado. Que bom que deu certo.

Antes de fazer filmes para cinema, você trabalhou bastante na televisão. Tem interesse em retornar e aderir à cultura de TV por streaming tão em voga atualmente?
Sim, é um universo atraente. Não tem nada a ver com a TV com a qual trabalhei há 25 anos. Muita coisa que não se pode fazer no cinema é possível nas séries. Exemplo: Breaking Bad. Uma história dessa, se você faz em duas horas, não consegue tanta profundidade com arcos dramáticos e desenvolver os personagens do jeito que a série consegue. É um universo interessante para se explorar.

A Odisseia é mais um exemplar do cinema argentino que consegue equilibrar bilheteria parruda e elogios da crítica. O que move os argentinos a contar histórias e de que maneira o modo de produção ajuda a impulsionar a produção do país e torná-la internacionalmente tão presente?
Acho que nosso cinema tem uma riqueza cultural bem interessante e diversa. Todos os filmes conseguem falar para o mundo. Bom, nem todos. Mas normalmente alguns conseguem isso. Nosso cinema cresce a partir da audiência da Argentina, que vai se aproximando mais dos filmes. E vai ganhando espaço além das fronteiras, participa de festivais, consegue repercussão lá fora. Isso vai formando uma bola de neve.

O peronista Alberto Fernandez superou Mauricio Macri e venceu as eleições na Argentina. Como fica o terreno para a cultura no país a partir dessa mudança no poder?
Não me sinto muito confortável falando de política. Não sou analista político. Mas só posso dizer que o mundo todo está se movendo. A sociedade reclama de coisas que muita gente luta para conseguir, privilégios que poucos têm. Em algum momento, algum tipo de resposta tem que chegar.

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