Cannes: leia crítica de Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino

Auteur americano volta ao que faz de melhor em uma homenagem a Los Angeles e à década de 1960

Luiz Oliveira
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Eu sei que você está esperando que essa fábula comece no verão de 1969, afinal, é quando a conhecida história sobre o assassinato da atriz Sharon Tate e seus amigos pela alucinada “família Manson” acontece. Mas as coisas começaram a dar errado antes e quando nos encontramos pela primeira vez com o ator de TV Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê/assistente/melhor amigo, Cliff Booth (Brad Pitt), ainda é 8 de fevereiro. Faz sol, estamos na Califórnia e o mundo ainda vive em pleno suingue.

A decadência está no ar e Dalton sabe disso. Ele é um famoso ator de TV que tentou fazer carreira no cinema, mas fracassou. Então, ele retorna às telinhas, sem o mesmo prestígio, e passa a interpretar vilões que terminam espancados por jovens vaqueiros ou mortos a tiros em um piloto de programa.

1/7
Brad Pitt no papel do dublê Cliff Booth: tentando se dar bem indústria de cinema
DiCaprio, Pitt e Pacino: parte do elenco do filme
Pôster do filme
DiCaprio interpreta Rick Dalton, ator de TV que tenta emplacar carreira no cinema
Tarantino nas filmagens de Era uma Vez em Hollywood

Cliff, por outro lado, está sempre bem. Ele sabe que seu melhor vive no passado, mas não se importa. O homem ama seu cachorro, trailer, emprego e colega. Sente-se tão feliz começando uma briga no set com Bruce Lee quanto consertando uma velha antena no telhado de Dalton.

Lá estão eles, Tarantino parece dizer, vivendo os bons e maus bocados de uma existência digna de Hollywood. A câmera os segue de cima, uma visão divina iluminando uma Los Angeles dos anos 1960 muito autêntica – não dá nem para imaginar como ele conseguiu filmar planos de época tão abertos. Os detalhes de set e dos objetos de cena são um fetiche aqui, pois o diretor já fazia esse tipo de coisa antes que alguém sonhasse com Mad Men.

Este é, afinal, um sonho de Tarantino, com muitos pés, música, nomes, referências, cenários e gravações de western, além velhos amigos fazendo pequenos papéis. Vemos diversas cenas de filmes antigos e programas de TV aparecerem em todo tipo de tela.

Eventualmente, no entanto, os anos 1960 deram errado, e morando na casa ao lado de Dalton estão Sharon Tate (Margot Robbie) e Roman Polanski. Eles estão por aí, parte da high society, dançando de festa em festa e entretendo amigos, mais surdos do que todo mundo para a Guerra do Vietnã no rádio e ignorando aqueles hippies estranhos em cada esquina.

Os mais familiarizados com o que aconteceu no verão seguinte perceberão facilmente quem é todo mundo. Na era do podcast, por que não entrar em You Must Remember Manson? Duas das sequências centrais (uma filmagem de TV no oeste e outra no Rancho Spahn, lar do famoso culto) são os melhores momentos do filme.

Pitt e DiCaprio desempenham seus melhores papéis, assim como Robbie, que mesmo com pouco a fazer, nunca esteve tão linda em cena. Margaret Qualley é um destaque especial atuando como membro da família Manson.

No momento no qual The Mamas & The Papas toca na trilha sonora, no entanto, é hora de o sonho da Califórnia virar um pesadelo; e, neste ponto, Tarantino entra em um campo minado. Talvez ele consiga sair dessa, talvez não, e a internet se divertirá bastante nos próximos meses debatendo tudo isso.

Desde a infeliz morte de sua verdadeira musa, a montadora Sally Menke, o cineasta tem sido puro id, sem ninguém para lhe dizer quando pisar no freio. Ele sabe que tudo isso é material sensível, mas ao final desta belíssima e imperfeita homenagem à cidade dos sonhos, você verá que ele já passou por aqui antes.

Avaliação: Ótimo

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