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Terceirizada alega dívida do GDF e fecha leitos de UTI pediátrica

Familiares de pacientes do Hospital Regional de Santa Maria foram pegos de surpresa nesta terça (7), com transferências para unidades comuns

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Hospital Regional de Santa Maria (HRSM)
1 de 1 Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Dez dos 21 leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) pediátrica do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) foram fechados na manhã desta terça-feira (7/8). Crianças que recebiam cuidados ininterruptamente foram transferidas até mesmo para enfermarias. O motivo seria a devolução de leitos até então administrados pela Intensicare, empresa terceirizada responsável pelos serviços, para a secretaria de Saúde, que pretende utilizar o próprio quadro de servidores para os cuidados intensivos dos pequenos.

A empresa também cobra uma dívida que equivale a nove meses de prestação de serviços. Os valores devidos, no entanto, não foram informados pela terceirizada, nem pela secretaria de Saúde. A Intensicare, que tem sede em Goiânia e opera desde 2010 sem licitação, foi uma das investigadas na CPI da Saúde e na Operação Drácon.

O aviso de que a tutela sobre os leitos seria repassada à Secretaria de Saúde (SES) foi dado no dia 19 de julho, durante reunião com subsecretário da pasta. Na ocasião, a Intensicare alegou que a equipe lotada na UTI pediátrica cumpria aviso prévio até o dia 6 de agosto – a última segunda-feira.

 

O ofício encaminhado pela Intensicare para a SES foi dado como recebido em 25 de julho, e nele consta que ficou acordado a apresentação, por parte da Subsecretaria de Atenção Integral à Saúde, de um cronograma para a retomada dos serviços, bem como um planejamento financeiro pelo Fundo de Saúde do DF. Nenhuma dessas solicitações definidas no acordo foram apresentadas.

 

Ofício encaminhado à SES antecipa fechamento de leitos por dívida by Metropoles on Scribd

 

Equipamentos desligados e religados
Um médico que pediu para não ser identificado denunciou ao Sindicato dos Empregados dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde) que, às 14h desta terça (7), recebeu a ordem de religar os aparelhos das crianças internadas na UTI, os quais haviam sido desativados.

Porém, os pacientes removidos para enfermarias continuarão sem o devido atendimento. Ele não soube informar o motivo da decisão. Além disso, afirmou ser necessário um estudo de cada caso para saber sobre a necessidade do funcionamento dos equipamentos.

Nove meses de dívida
A Intensicare acusa o DF de sucessivos atrasos nos pagamentos, que já equivalem a nove meses de serviços prestados e não pagos. O Metrópoles questionou quanto isso representava em valores, mas a empresa não respondeu.

“Tal inércia, somada ao descaso demonstrado pela Secretaria de Saúde em relação aos profissionais que durante anos prestaram valioso serviço à população de Santa Maria, culminaram com o pedido de afastamento da equipe médica, que optou por não continuar trabalhando no HRSM devido à falta de garantias de segurança para os pacientes e de salvaguarda dos seus direitos trabalhistas”, diz nota divulgada pela Intensicare.

Mãe reclama
A mãe de um menino internado há dois anos no HRSM questiona a retirada de monitores de frequência cardíaca. Segundo ela, os responsáveis pelas crianças não foram comunicados sobre a transferência desses pacientes de UTIs para enfermarias comuns.

“Não tem uma sonda para aspirar meu filho e, agora, tiraram o restinho de perspectiva de vida que ele tinha: um monitor no qual eu o via respirando e o coraçãozinho dele batendo”, lamentou.

Com a filha internada há seis anos em um leito de UTI do hospital, outra mãe questionou a retirada de equipamentos. Segundo ela, profissionais de saúde da unidade teriam informado que não havia necessidade dos aparelhos.

Empresa pede pagamentos atrasados para continuar prestando o serviço by Metropoles on Scribd

 

Outro lado
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde não comentou a dívida com a Intensicare e informou que “as mudanças em andamento no Hospital Regional de Santa Maria fazem parte do plano de reestruturação dos leitos intensivos da rede”.

Segundo a pasta, a UTI pediátrica do HRSM funcionará, temporariamente, como Unidade de Cuidados Intermediários (Ucin), com 15 leitos. Os demais pacientes com perfil crônico estão sendo transferidos para leitos intensivos em outras unidades hospitalares, como o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) e o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), além da enfermaria de cuidados prolongados em pediatria do Hospital Regional de Ceilândia (HRC).

“Dos pacientes atualmente internados na UTI pediátrica do HRSM, 19 atendem o perfil de leitos intermediários pediátricos. Com a decisão da empresa de demitir os médicos que prestavam serviço terceirizado na unidade antes do prazo estabelecido pela secretaria, foi necessário adaptar e adiantar etapas do plano que já estava em processo de implementação”, reforçou a SES.

Ainda de acordo com a pasta, a chegada de intensivistas pediátricos em setembro deve restaurar o perfil de cuidados intensivos pediátricos da unidade. “O HRSM também irá receber leitos de cuidado prolongado, conforme previsto no plano de reestruturação”, afirmou.

A empresa defendeu-se alegando nunca ter fechado qualquer leito no hospital ao longo dos 9 anos em que opera na unidade de Santa Maria. Confira a nota:

Reprodução

Após a divulgação da nota pela Intensicare, a SES reafirmou o seu posicionamento de que as mudanças em andamento no Hospital Regional de Santa Maria fazem parte do plano de reestruturação dos leitos intensivos da rede que prevê, dentre outras coisas, a assunção de todos os leitos intensivos daquela unidade por parte da pasta. “Todas as ações foram realizadas com planejamento, respaldo em documentos e a apuração de responsabilidades ocorrerá por meios judiciais”, reforçou.

CPI da Saúde
A prestação de serviços de cuidados intensivos prestados pela Intensicare à Secretaria de Saúde é cheia de idas e vindas. Em novembro de 2016, a Justiça acolheu integralmente pedido do Minstério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e determinou que a secretaria assumisse a gestão da terceirizada.

A interrupção foi motivada após análise realizada pelo Ministério Público de Contas (MPC), mostrando que o GDF pagou por 100 leitos de UTI quando, desse total, dois estavam bloqueados na unidade neonatal e 18 não estavam em operação na parte destinada a adultos.

Durante as investigações da Operação Drácon – que, entre outras irregularidades, apura suposta quebra da ordem cronológica de pagamentos a prestadores de serviço em UTIs, como a Intensicare –, dados importantes que serviriam como provas desapareceram dos arquivos da empresa.

Segundo informaram os dirigentes, um vírus de computador teria apagado todos os arquivos com informações a respeito de despesas da terceirizada entre 2014 e 2015. Com isso, os gastos referentes a R$ 5 milhões pagos pelo GDF à terceirizada ficaram sem o detalhamento da destinação.

Devido ao problema de informática, relatado por uma funcionária do HRSM ao Ministério Público, não é possível saber, por exemplo, quais tipos de atendimento foram prestados nos leitos de UTI. Tampouco há como determinar se foi usado um remédio de R$ 2 mil ou de R$ 15 mil, ou quantos pacientes receberam os medicamentos.

“Emenda batizada”
Em uma das gravações feitas pela distrital Liliane Roriz (Pros) que embasaram a Operação Drácon, a deputada Celina Leão (PP) cita um “projeto” no qual seriam destinados R$ 30 milhões para a “UTI”. Uma delas é justamente a de Santa Maria, gerida pela Intensicare.

A emenda aditiva que garantiu crédito suplementar para as UTIs partiu do gabinete da então vice-presidente da Câmara Legislativa, Liliane Roriz. Ela renunciou ao cargo na Mesa Diretora momentos antes da divulgação, na imprensa, dos grampos em que é mencionado o suposto esquema de pagamento de propinas para distritais em troca da liberação de recursos para empresas com contrato na saúde pública local.

Os valores repassados pela Câmara Legislativa à gestão das UTIs seguem um rito particular por se tratarem de sobras orçamentárias. Nesse caso específico, apenas a Mesa Diretora da Casa pode elaborar o texto que pede a transferência de recursos. E são justamente os integrantes da Mesa — incluindo Liliane à época — que estariam envolvidos no escândalo, segundo os grampos da própria distrital.

Nesta terça (7), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu trancar a ação penal que corre contra o deputado Raimundo Ribeiro (MDB) no âmbito da Operação Drácon. Já a distrital Celina Leão (PP) não conseguiu sustar o seu processo, o qual continua tramitando. Os demais investigados são Cristiano Araújo (PSD), Julio Cesar (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR). Eles negam as acusações.

Além da Intensicare, outras cinco empresas que prestaram serviço de UTI para a rede pública de saúde do DF foram alvo das denúncias: Fundação Universitária de Cardiologia, Hospital Santa Marta, Oxtal, Hospital São Francisco e a Home Hospital Ortopédico. Todas negam irregularidades.

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