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Mulher fica cega após ser operada por médico preso na Mr. Hyde

A cabeleireira Luzia Bernardes perdeu a visão após ser operada pelo neurologista Rogério Damasceno. Hoje ela está aposentada por invalidez

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Michael Melo/Metrópoles
1 de 1 - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Uma dor lancinante atormenta Luzia Bernardes Barbosa há cincos anos e dois meses. A sensação, segundo a dona de casa de 49 anos, se assemelha a agulhas invisíveis perfurando a região próxima ao seu olho direito. O problema começou após ela ser atingida por uma lata no rosto, em abril de 2012. A tragédia veio pouco depois, quando o caminho de Luzia se cruzou com o do neurologista Rogério Damasceno. Seis meses após o acidente, o médico fez uma cirurgia que deixou a mulher cega do olho direito e praticamente sem visão no esquerdo.

Damasceno é um dos médicos presos em 1º de setembro de 2016, na Operação Mr. Hyde. Ao longo dos primeiros meses de investigação, a Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) identificou pelo menos 150 pessoas no Distrito Federal prejudicadas pela organização criminosa que visava o lucro à custa da saúde de pacientes. Agora, em outra etapa de apurações, a Polícia Civil chegou a outras 134 vítimas. Luzia Barbosa é uma delas. Desde que se tornou alvo da Máfia das Próteses, a cabeleireira e esteticista não pôde mais trabalhar e teve que se aposentar por invalidez.

Segundo as investigações, Rogério Damasceno recebia propina da empresa TM Medical, fornecedora de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs). O pagamento era uma contrapartida para que o médico usasse equipamentos da TM, muitas vezes indicando procedimentos desnecessários e superfaturando as OPMEs. Em alguns casos, a Máfia das Próteses chegava a lesionar pacientes propositadamente para justificar o uso de produtos da TM. Foi o que ocorreu com Luzia Barbosa.

Fui usada como cobaia por um médico que sequer sabia o que estava fazendo

Luzia Barbosa, vítima da Máfia das Próteses

O Metrópoles teve acesso ao termo de declaração prestado pela mulher à Polícia Civil. A história é digna de um roteiro de filme de terror. As declarações prestadas aos investigadores foram detalhadas na semana passada, quando Luzia recebeu a reportagem em sua casa, um sobrado de dois pavimentos no Riacho Fundo I.

Andando com dificuldade e tateando as paredes, a ex-cabeleireira demorou para encontrar a fechadura e abrir o portão. Espalhadas pela mesa da sala, estavam 27 caixas de remédios diferentes. Entre elas, doses de morfina. “Tomo pelo menos 30 cápsulas de medicamentos por dia e a dor não cessa. Fiquei imprestável para o trabalho”, resigna-se.

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Agressão em festa
O martírio de Luzia começou de forma casual. Em abril de 2012, ela estava em uma festa de aniversário quando uma discussão entre convidados acabou em confusão. Uma lata de cerveja foi arremessada e, por acidente, acertou o rosto de Luzia, embora a mulher não estivesse envolvida na briga. “Depois disso comecei a sentir muitas dores no rosto, próximo ao olho direito”, contou.

Em busca da cura, a dona de casa se consultou com o neurologista Rogério Damasceno e passou por um tratamento de seis meses, sem qualquer resultado. O médico a diagnosticou com neuralgia do trigêmeo, tipo de patologia causada pela inflamação de um nervo que provoca uma dor intensa na face, semelhantes a choques elétricos na região atingida.

De acordo com Luzia, o médico indicou como solução uma cirurgia que seria “simples” e duraria cerca de 30 minutos. Durante a conversa, o neurologista afirmou que a intervenção costumava ser realizada com muito sucesso nos Estados Unidos. O procedimento ocorreu no Hospital Daher, no Lago Sul e a paciente deveria ter alta no mesmo dia.

No entanto, a operação durou cerca de cinco horas. “Entrei no centro cirúrgico por volta das 9h30 e só fui levada para o quarto às 16h30. Quando acordei, já não tinha a visão do olho direito”, contou.

 

“Culpa da anestesia”
Assustada por não enxergar, Luzia perguntou ao neurologista o motivo pelo qual havia perdido a visão do olho direito. Ele informou que o efeito era provocado pela anestesia geral que havia aplicado. “Ele chegou a me dizer que até o fim do dia eu estaria enxergando novamente. Estou esperando há quase cinco anos”, desabafou.

Após receber alta do hospital e chegar em casa, a dona de casa contou que a mesma dor de antes voltou, só que ainda mais intensa. Desesperada e com a visão comprometida, Luzia voltou a procurar o médico. Até hoje, a paciente se recorda das palavras do neurologista. “Ele me disse: ‘Nossa, dona Luzia, não era para acontecer nada disso. Meu Deus, o que aconteceu? A senhora não toma remédio para nada, não tem diabetes, como isso aconteceu? Fique tranquila que vou aposentar a senhora'”, relatou.

Depois do atendimento feito por Rogério Damasceno, a dona se casa se desesperou ainda mais e resolveu procurar um oftalmologista. “Os médicos que me atenderam ficaram horrorizados com a minha avaliação, mas não quiseram cuidar do meu caso justamente por causa da cirurgia que havia sido feita antes”, disse.

Como alternativa para o tratamento, um dos médicos que examinou Luzia sugeriu a aplicação de injeções contendo medicamentos que poderiam restaurar sua visão. O procedimento custaria R$ 1,5 mil. Sem recursos para fazer o tratamento, a dona de casa procurou Rogério Damasceno, que se dispôs a bancar o tratamento. Mais uma vez, a paciente lembrou das frases ditas pelo neurologista. “Coitadinha da senhora! Eu fico com muita pena da senhora! Me informa o número da conta do seu esposo para eu depositar a quantia. Eu gosto muito de ajudar as pessoas”, disse o médico à paciente, segundo depoimento prestado à Polícia Civil.

 

Relembro o caso
A Polícia Civil e o Ministério Público investigam, desde setembro do ano passado, a atuação da Máfia das Próteses no DF. As apurações revelaram de que médicos forjavam a necessidade de cirurgias em pacientes para dar golpes em planos de saúde. Além disso, usariam próteses e órteses mais baratas do que as descritas nos laudos para lucrar com o esquema.

Na primeira fase da operação, foram presas 13 pessoas envolvidas com a prática criminosa. Também foram apreendidos mais de R$ 500 mil na ação. De acordo com a polícia, o esquema envolvendo cirurgias desnecessárias, superfaturamento de equipamentos, troca fraudulenta de próteses e uso de material vencido em pacientes é milionário. Na Justiça, 17 acusados de integrar a máfia já são réus em uma ação que os acusa de organização criminosa. Damasceno é um deles.

A denúncia, assinada pelos promotores Maurício Miranda e Luiz Henrique Ishihara, é apenas a primeira etapa da apresentação de uma série de crimes que o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) fará à Justiça. “Serão oferecidas ainda muitas denúncias pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, lesão corporal e crime contra a saúde. Mas os fatos serão individualizados, de acordo com a atuação de cada um”, afirma o promotor Maurício Miranda.

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Novas fases
Em outubro de 2016, o alvo da segunda fase da Mr. Hyde foi o Hospital Daher. Segundo as investigações, o dono da unidade de saúde, José Carlos Daher, teria participação ativa no esquema. O MPDFT chegou a pedir a prisão temporária dele por suspeita de destruição de provas, mas a solicitação foi negada pela Justiça. No entanto, o empresário de 71 anos chegou a ser detido por posse ilegal de uma pistola de uso restrito do Exército e das polícias Federal e Militar.

Na terceira fase da Mr. Hyde, a polícia prendeu o médico Fabiano Duarte Dutra por suspeita de atear fogo em documentos que poderiam servir como provas. Após a prisão, ele foi exonerado do cargo de Coordenador de Ortopedia da Secretaria de Saúde do DF. Na época, a pasta informou não haver indícios de que as práticas ilegais também ocorressem na rede pública.

O outro lado
O Metrópoles procurou os advogados de defesa do médico Rogério Damasceno. Em um primeiro contato, a advogada Jaeni Azevedo solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Ao receber os questionamentos na última quinta-feira (8/6), ela informou que não teria tempo hábil para respondê-los. Todos os demais citados nesta reportagem negaram, na época das denúncias, quaisquer irregularidades.

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