GDF quer OSs, mas não tem dinheiro para manter serviços terceirizados

Atrasos no pagamento de empresas que prestam serviços de home care e de hemodiálise, além das que cuidam de leitos em UTIs, são constantes

Suzano Almeida
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Enquanto o governo tenta abrir as porteiras da saúde pública para a entrada de organizações sociais (OSs), serviços terceirizados sofrem com a falta de recursos para a manutenção dos contratos, colocando em risco a vida de pacientes. Hospitais particulares não recebem regularmente para manter os leitos de unidades de terapia intensiva (UTI), reagentes para a terapia de pacientes que precisam de hemodiálise volta e meia estão em falta, e quem recebe tratamento em casa sofre mês a mês com a ameaça de suspensão dos serviços de home care, porque as empresas precisam escolher entre pagar os funcionários ou manter os aparelhos ligados.

Questionamentos sobre os gastos com a contratação de OSs para administrar as unidades de saúde – as primeiras anunciadas pelo governo são as seis unidades de pronto-atendimento (UPAs) e unidades básicas de saúde (UBS) em Ceilândia – têm sido feitos, especialmente pelo fato de o Executivo frequentemente apontar a falta de recursos como motivo para não pagar fornecedores.

Com a transferência da administração para as organizações sociais, o governo vai desembolsar R$ 258 milhões no primeiro ano, para mantê-las. O projeto de lei que prevê a entrada dessas organizações no sistema de saúde pública do DF foi enviado à Câmara Legislativa em 28 de junho – dois dias antes do fim do semestre legislativo – e passará a ser debatido a partir de agosto.

Os valores a serem repassados futuramente para as organizações sociais sairão de duas das principais fontes da Secretaria de Saúde, a 100 e a 138 – respectivamente, custeio e atenção primária. Elas são as mesmas que mantêm o funcionamento de tratamentos terceirizados de hemodiálise (138), home care, Hospital da Criança e UTIs privadas.

Apesar de as fontes orçamentárias serem as mesmas, a secretaria afirma que há diferenças entre os tipos de contratação. Na hemodiálise, UTI e home care, a contratação de empresa especializada complementaria um serviço prestado pelo Estado para ampliar a assistência à população. As organizações sociais, por sua vez, têm de ser instituições sem fins lucrativos. As parcerias de gestão com o governo teriam o objetivo de melhorar a administração e aumentar a eficiência no atendimento ao cidadão.

Falta?
O recurso, que parece volumoso para as OSs que poderão administrar as unidades de saúde, no entanto, não tem entrado na conta das clínicas de hemodiálise prestadoras de serviço para a Secretaria de Saúde. O gestor de uma dessas unidades, que preferiu não se identificar, explica sempre ter de negociar a protelação dos prazos de pagamento com os fornecedores, para que o serviço aos pacientes não seja suspenso. Ao todo, a clínica atende 120 pacientes, sendo 60 sessões de hemodiálises por dia.

“Todos os meses, precisamos conversar com os fornecedores e explicar que não temos como pagar, porque não recebemos. Nós avisamos e pedimos para que joguem para frente, daí temos de dar um jeito, continuar a adquirir insumos e pagar os nossos empregados”, conta o gestor, que completa: “Nós prezamos pela vida dos pacientes, por isso nunca deixamos de atender, mesmo sem os recursos. Negociamos com os fornecedores e vamos pessoalmente à Secretaria de Saúde cobrar os responsáveis pelo repasse.”

De acordo com a Secretaria de Saúde, atualmente, 203 pessoas fazem hemodiálise em hospitais públicos, e outras 864 tratam-se em oito unidades particulares contratadas pela pasta. Cada paciente custa, por sessão, para os cofres públicos, R$ 249,03 – R$ 179,03 repassados pelo Ministério da Saúde e R$ 70 de complemento pago pelo GDF.

Segundo o gestor, o governo deveria pagar até, no máximo, 60 dias após a prestação do serviço de hemodiálise, mas esse prazo não tem sido cumprido.

A continuidade da prestação dos serviços, mesmo sem o pagamento do governo, faz diferença para os pacientes. Há um ano, a auxiliar administrativa Edvânia Araújo Silva, 31 anos, faz tratamento em razão de problemas renais.

No início, ela era atendida em uma clínica de hemodiálise em Ceilândia, mas, há seis meses, usa o home care para fazer a diálise. Sempre à noite, Edvânia fica 10 horas ligada ao aparelho. A máquina ajuda na limpeza do sangue, que deveria ser feita pelos rins.

“Nunca tive problema em relação ao serviço de home care. O material sempre chega corretamente, e, quando minha máquina quebrou, o problema foi rapidamente resolvido. Eles vieram aqui, trouxeram outra e depois voltaram com a minha, consertada”, conta a auxiliar administrativa, que realiza o tratamento em casa, com acompanhamento de médicos do Hospital de Base.

A Secretaria de Saúde diz que, em média, o serviço de home care atende 40 pacientes, com custo entre R$ 27 mil e R$ 30 mil ao mês, de acordo com a complexidade. O serviço inclui todos os equipamentos, técnicos de enfermagem 24 horas, médico e enfermeiro uma vez por semana e fisioterapeuta uma vez por dia.

UTIs
Os casos de pacientes que precisam de UTIs e não conseguem vagas se multiplicam. Um dos que mais chamaram atenção foi o do técnico de gesso do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) Adalberto Manoel da Silva Passos, 49 anos. Ele deu entrada na unidade em 2 de abril, com um quadro de hemorragia digestiva, e acabou morrendo antes de ser transferido para uma UTI.

Estudo divulgado em maio pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostrou que, em cinco anos – de 2010 a 2015 –, o Distrito Federal perdeu 817 vagas de UTIs, a maior parte em hospitais públicos.

De acordo com a pasta, atualmente, há 406 leitos, sendo 357 próprios, 38 contratados e 11 na rede conveniada. Uma vaga de terapia intensiva para adulto, na rede, custa em média R$ 4,2 mil ao dia. A UTI pediátrica, por sua vez, custa em torno de R$ 3,9 mil, e o leito de terapia intensiva neonatal, R$ 4,7 mil.

MP é contra
O promotor de Saúde do Distrito Federal Jairo Bisol também acredita que a contratação de organizações sociais é diferente da prestação de serviço. Ele ressalta, no entanto, que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é contrário à implementação da administração compartilhada.

“Todas as experiências que tivemos em relação a organizações sociais no Distrito Federal resultaram em desvios de recursos e dificuldades de fiscalização. O GDF diz que vai recuperar a saúde com as OSs, mas, enquanto não investir de forma correta os recursos, não se justifica a contratação delas”, afirma Bisol, que continua: “Em um país como o nosso, os desvios de recursos são para encher a máquina partidária.”

O promotor conta haver “diversas ações contra OSs que tiveram de devolver recursos”. Bisol destaca que o mais importante não foram ações processuais, mas a fiscalização que resultou na recuperação de recursos.

Apesar de não ser a favor das organizações sociais, ele avisa que não tomará atitudes contra a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). “O governo está buscando o que acha ser correto. É uma opção com a qual não simpatizamos.”

Experiência desastrosa, rombo milionário
A “terceirização” da saúde via OSs não é novidade no DF. Aliás, uma das últimas experiências foi desastrosa e causou prejuízo milionário aos cofres públicos. Em janeiro de 2009, uma entidade que supostamente não tinha interesses financeiros firmou contrato – que deveria durar dois anos – com o governo de José Roberto Arruda, pelo valor estimado de R$ 220 milhões. Depois de uma série de questionamentos na Justiça, a Real Sociedade Espanhola geriu a unidade de saúde até setembro de 2010.

Ao longo do período, a organização recebeu repasses mensais de aproximadamente R$ 11 milhões. Era obrigação da Real Sociedade encaminhar, até o quinto dia útil do mês, um relatório detalhando os gastos. Nesse levantamento, havia mensalmente a rubrica INSS, supostamente destinada a garantir o pagamento dos benefícios sociais dos funcionários. Detalhe: a entidade tinha isenção fiscal federal, o que a havia liberado de fazer esse pagamento.

A partir disso, em 2012, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) entrou com um processo cobrando explicações sobre a destinação desse dinheiro, mas nunca recebeu resposta. O prejuízo aos cofres públicos, em valores atualizados, é de R$ 34,7 milhões, mais de 10% do valor total do contrato.

Sem dinheiro para pagar o valor devido, uma solução foi tomada no último dia 8, para tentar garantir que o governo não tenha de arcar com esse prejuízo. O juiz Jansen Fialho de Almeida, da 3ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, determinou a penhora do Hospital Espanhol, sediado em Salvador e pertencente ao grupo que administrou a unidade de Santa Maria. Uma medida extrema oriunda da falta de compromisso que uma OS mostrou ao assumir os serviços de saúde no DF.

Essa decisão, no entanto, não encerra a pendência. Ainda há o prazo para a defesa da Real Sociedade Espanhola, que pode pedir a impugnação da decisão. Caso a sentença seja mantida, será feita uma avaliação do valor do hospital, para sua venda.

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