Enquanto pacientes sofrem, secretaria gasta R$ 10 milhões em móveis

O pregão eletrônico está marcado para as 10h desta quinta-feira (31/8). Mobiliário vai para unidades de saúde básicas ainda em construção

Manoela Alcântara
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Falta de tudo na saúde pública do Distrito Federal. A cada dia, um medicamento diferente acaba nas prateleiras das farmácias de alto custo. Profissionais ressentem a carência de materiais básicos, como luvas e reagentes para exames, além de poucos leitos para tratamento intensivo e equipamentos quebrados sem manutenção. E, um dia após a Controladoria-Geral da União (CGU) revelar que a capital perdeu 6.135 remédios por má gestão, a Secretaria de Saúde local definiu nova prioridade: móveis. O órgão reservou R$ 10,6 milhões para ir às compras nesta quinta-feira (31/8).

O pregão eletrônico destinado à aquisição de armários, cadeiras, estações de trabalho e mesas está previsto para as 10h de hoje, na internet. As empresas interessadas poderão fazer as propostas virtualmente para o Processo nº 060-001.57/2017. Na justificativa da concorrência pública, a secretaria explica que as aquisições são para “reorganizar a atenção primária da saúde” no DF a partir da “expansão e qualificação da estratégia Saúde da Família”.

“O mobiliário será usado na implantação de serviços das novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Pôr do Sol, Sol Nascente e Samambaia, que serão entregues até o fim do ano”, alega a pasta. Os recursos, ainda de acordo com o governo local, foram transferidos pelo Ministério de Saúde.

Ainda de acordo com a Secretaria de Saúde, todas as compras são para atender melhor a população nas unidades de atenção primária. Dessa forma, o pregão, segundo a pasta, não englobará grandes centros, como o Hospital de Base.

O problema é que tanto as instituições onde são feitos procedimentos de alta complexidade quanto as destinadas ao atendimento básico são niveladas pela precariedade dos serviços oferecidos à população. A falta de meios adequados é agravada pela gestão deficitária dos recursos disponíveis.

Problemas nas UTIs
As conclusões encontram amparo em auditorias de órgãos de controle divulgadas na quarta-feira (30). O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), por exemplo, constatou que a situação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) da rede pública do DF piorou, e muito, nos últimos três anos. Durante a fiscalização, os auditores verificaram que, de 2014 a 2017, houve diminuição da quantidade de leitos em operação. O número caiu de 432 para 310, ou seja, uma redução de quase 30%.

Outro ponto é ainda mais preocupante: essa queda foi acompanhada de um crescimento significativo do percentual de leitos bloqueados. Em 2014, das 467 vagas em UTIs existentes, 35 estavam inutilizadas. Neste ano, de um total de 400, 90 encontravam-se indisponíveis para os pacientes em estado grave.

Descaso semelhante foi verificado pela Controladoria-Geral da União. O órgão revelou que um dos motivos para não ter remédios, principalmente na Farmácia de Alto Custo brasiliense, é a falta de controle dos estoques. 

Em 2014, por exemplo, a Saúde do DF perdeu 6.135 medicamentos vencidos ou mal-acondicionados. Os auditores detectaram que sete remessas de medicamentos enviados pelo Ministério da Saúde ao DF não chegaram ao seu destino, ou seja, não foram localizadas. Elas representam 41.361 unidades de olanzapina, mesilato de imatinibe e Imunoglobulina anti-hepatite B.

De acordo com o relatório da CGU, os problemas vão além. Os auditores entrevistaram 152 pacientes que deveriam ser atendidos pela Farmácia de Alto Custo. Deles, 46 informaram que não conseguiram receber o medicamento.

Outra irregularidade apontada é que, num universo de 10 medicamentos analisados, 40% foram comprados com preços acima dos definidos pelo governo federal.

Falta até papel higiênico
Em julho deste ano, os servidores da saúde questionaram a medida do GDF que suspendeu o estado de emergência na rede pública da capital e denunciaram falhas no abastecimento de diversos setores do Hospital de Base, por exemplo. Na maior unidade de saúde do DF, chegou a faltar até papel higiênico em julho.

Médicos, enfermeiros e técnicos reclamaram da ausência de insumos básicos, materiais para exames e problemas com telefones e internet. Hoje, o GDF deve R$ 9 milhões para o operadora Oi e analisa como pagar. Os serviços estão suspensos há mais de um ano. Nesta semana, foi lançado um edital de contratação emergencial dos serviços de telefonia e internet ao custo de R$ 780.686,58.

A percepção de que o estado de emergência — a sua recente suspensão — não serviu para minimizar os problemas locais é defendida por sindicalistas, que estão em “pé de guerra” com o GDF. “A situação não melhorou em relação aos últimos anos. Na verdade, piorou”, afirma o presidente do Sindicato dos Médicos do DF (Sindmédico-DF), Gutemberg Fialho.

Para Fialho, “a expectativa é de que os indicadores continuem piorando e que a população continue morrendo sem assistência, pois ainda faltam insumos, antibióticos e manutenção de equipamentos”.

Já a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde), Marli Rodrigues, teme uma possível piora do sistema público após o fim do estado de emergência. “Se já estava difícil antes, agora deve ficar ainda mais complicado. A Secretaria de Saúde não tem um planejamento, um projeto real para atender a população do DF.”

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