Auditoria em contratos de UTIs aponta exames e diárias em excesso

Ministério Público de Contas esmiuçou faturas, prontuários e laudos de pacientes internados nas unidades pagas com recursos do GDF

Suzano Almeida ,
Mirelle Pinheiro
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Cobranças elevadas e serviços duvidosos. Essa é a conclusão a que o Ministério Público de Contas (MPC-DF) chegou após analisar documentos de seis empresas de unidades de Terapia Intensiva (UTIs) contratadas pelo Governo do Distrito Federal. Citadas na Operação Drácon por suspeita de pagarem propina a deputados distritais e servidores da Secretaria de Saúde em troca de emendas parlamentares e favorecimento, elas foram alvo de uma auditoria.

O resultado choca. Foram detectados exames em excesso, diárias exorbitantes e até a contratação de médicos sem especialização para cuidar dos doentes internados em estado gravíssimo. Entre as irregularidades apontadas pelos auditores do MPC-DF, está o caso de uma paciente que teria passado por 80 eletrocardiogramas em apenas dois dias.

Outro paciente, que ficou oito dias na UTI, passou por 103 gasometrias (procedimento para determinar se há desequilíbrio nas quantidades de oxigênio e dióxido de carbono no sangue) – quase 13 por dia, quando o aceitável seriam até três.

Chamou atenção, ainda, o caso de um homem que em oito dias de internação passou por 41 dosagens de creatinina e 21 culturas de bactéria. Segundo os auditores, normalmente, é realizada uma vez ao dia, inclusive em pacientes críticos. “Em regra, são feitas três a quatro culturas, por período de internação hospitalar. Logo, a presunção de que foram realizadas, em média, quatro culturas por dia de internação é, sem dúvida, incomum no cotidiano de qualquer UTI”, destaca o relatório.

Falta de especialização
Os problemas não param aí. De acordo com o MPC-DF, foram contratados médicos sem especialização em terapia intensiva para atuar nas UTIs. Talvez, por esse motivo, o número de mortes nas unidades tenha superado, em muito, o percentual aceitável (33%). No Hospital Santa Marta, por exemplo, 80% dos pacientes que foram internados, de acordo com a análise, vieram a óbito.

Com base nessas taxas, é possível a construção de um raciocínio realmente perturbador: é como se, no período em análise, a cada quatro pacientes da SES/DF que foram internados nessa UTI, três morreram!

Trecho de uma das representações do MPC-DF

Além disso, a devassa apontou que médicos da Secretaria de Saúde estariam trabalhando como funcionários das prestadoras de serviço em UTI, com carga de trabalho muito superior ao que deveria ocorrer e em horários coincidentes com o do expediente. Pelo menos cinco servidores nessa situação foram apontados no relatório.

Emendas parlamentares
Seis empresas foram beneficiadas pelas emendas parlamentares aprovadas no fim de 2015: Home Hospital Ortopédico e Medicina Especializada; Fundação Universitária de Cardiologia; Hospital São Francisco; Oxtal — Medicina Interna e Terapia Intensiva; Hospital Santa Marta; e Intensicare Gestão em Saúde.

Elas dividiram os R$ 30 milhões liberados por meio das emendas parlamentares que deixaram sob suspeição cinco distritais: Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato Andrade (PR), Julio Cesar (PRB) e Cristiano Araújo. Todos são réus por corrupção passiva no Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e foram denunciados há 10 dias por improbidade administrativa, justamente com base nas análises do MPC-DF.

O órgão fiscalizador esmiuçou a prestação de contas, prontuários e laudos de pacientes internados nas unidades que possuem convênio com o Governo do Distrito Federal e elaborou seis representações que foram enviadas para análise do Tribunal de Contas do DF (TCDF).

Outras irregularidades elencadas são a falta de sala de higienização e preparo de materiais, fazendo com que os procedimentos fossem realizados nos leitos dos pacientes; quadro insuficiente de enfermeiros e fisioterapeutas e descumprimento das normas de prevenção e controle de infecções.

A pergunta que não quer calar é: por qual motivo a Secretaria de Saúde encontra recursos públicos e arma-se de agilidade para terceirizar, ao invés de se equipar para bem prestar o serviço público necessário? É notório que a contratação de serviços em questão é ilegal porque se configura em atividade-fim, não sendo passível de terceirização

procuradora Claudia Fernanda de Oliveira Pereira

Em uma das representações enviadas ao TCDF, também há discrepância entre o valor das diárias cobradas. Um exemplo levantado no documento, assinado pela procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira, é de um paciente internado na UTI que ficou apenas um dia, com diária de R$ 2.830,13. Enquanto outro teve 40 dias de internação a um custo total de R$ 215.892,62, ou seja, uma diária de cerca de R$ 5,4 mil.

O outro lado
A Secretaria de Saúde disse em nota que recebeu o processo do MPC e que vai responder aos questionamentos dentro do prazo estipulado, que vence em 24 de julho. A nota diz ainda que o Fundo de Saúde tem respondido a todas as questões referentes ao pagamento das empresas, desde a deflagração da Operação Drácon.

O levantamento também motivou denúncia do ex-secretário de Saúde Fábio Gondim, do ex-diretor do Fundo de Saúde Ricardo Cardoso – responsável pelo repasse às instituições que fornecem vagas de UTIs -, das empresas Intensicare, Hospital Ortopédico e Medicina Especializada (Home), Oxtal e Instituto do Coração do DF e. ainda, do atual secretário de Saúde, Humberto Fonseca.

O Instituto de Cardiologia do DF afirmou, em nota, que é uma entidade sem fins lucrativos que trabalha com casos de alta complexidade cardíaca. Segundo o ICDF, o processo de auditoria é feito pela Secretaria de Saúde dentro do prazo legal e todos os questionamentos feitos pelo Ministério Público de Contas foram respondidos pelo instituto.

Também por meio de nota, o Hospital Santa Marta confirmou que tem créditos pendentes com a Secretaria de Saúde, referentes a contratos de 2015. O hospital diz ainda que todos os pedidos de pagamento foram feitos de forma legal e que repudia qualquer suposição de busca por favorecimento.

Nesta terça-feira (11), a Intensecare disse, também por nota, que não foi informada da inclusão de seu nome em nenhum processos de investigação, incluindo a Operação Drácon, e nem foi intimada pelo MPC de qualquer irregularidade. A Intensecare diz ainda que o pagamento a ela foi feito pelo Fundo de Saúde e oficializado. Ela termina dizendo que os médico contratados por ela estavam a três meses sem receber e ameaçavam uma greve.

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