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Relatório: GDF negou abrigo para autista que mora em frente à DPU

De acordo com documento, Alexandre Vajman foi recusado em unidade de acolhimento de Águas Claras por ter síndrome de Asperger

atualizado

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Vinícius Santa Rosa/Metrópoles
Alexandre Vajman Ferreira de Mendonça, é autista e luta pelos seus direitos.
1 de 1 Alexandre Vajman Ferreira de Mendonça, é autista e luta pelos seus direitos. - Foto: Vinícius Santa Rosa/Metrópoles

O homem que mora há três meses em frente ao prédio da Defensoria Pública da União (DPU) já teve acolhimento negado por parte do Governo do Distrito Federal (GDF). Portador da síndrome de Asperger, um grau de autismo, Alexandre Vajman Ferreira de Mendonça, 46 anos, não conseguiu ser recebido na Unidade de Atendimento para Adultos e Famílias, localizada no Areal, próximo à Taguatinga.

Em documento de 17 de fevereiro de 2018, consta que o Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) fez solicitação formal para ele ser encaminhado à unidade. No entanto, o pedido foi recusado. De acordo com a justificativa recebida, o local é voltado para receber adultos e famílias independentes e, por não possuir profissionais de saúde para acompanhá-lo, não poderia atendê-lo.

“Caso o mesmo seja acolhido nesta unidade, poderíamos estar colocando sua integridade física em risco, pois não temos como precisar até que ponto ele se adaptaria às condições de acolhimento”, diz um trecho do relatório da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh).

Documento cedido ao Metrópoles

Devido à recusa, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) foi acionado e, após fazer contato com a direção do abrigo e tomar conhecimento das razões para a negativa, por causa do “grau de complexidade” da demanda, encaminhou o caso de Alexandre para a Promotoria de Defesa do Idoso e Portador de Deficiência.

Procurada sobre o tema, a Sedestmidh respondeu que o paciente foi recebido no Centro Pop, na Unidade de Proteção Social (UPS) e na Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias (Unaf) – a qual funciona como unidade de passagem e não presta atendimento médico. “A pasta está levantando informações sobre os atendimentos, para analisar que outros encaminhamentos podem ser dados ao caso”.

Protesto
Com seus cobertores, mantimentos e nove gatos, Alexandre passou a viver, há três meses, em um complexo empresarial localizado no Setor de Autarquias Norte. O local abriga a DPU, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Órgãos de interesse do próprio Alexandre, especialmente a DPU. “Estou aqui lutando pelos meus direitos sociais, que estão sendo todos violados”, afirma o sem-teto, demonstrando um propósito.

Ele diz ter adotado essa atitude como forma de protesto. “Luto contra o sistema e por minhas reivindicações”, alega. O homem chegou a Brasília em dezembro de 2017, vindo de Sorocaba (SP). Desde então, peregrinou pelas rodoviárias Interestadual e do Plano Piloto, além de abrigos em Sobradinho e na Asa Norte. Até, finalmente, instalar-se em frente à DPU. Lá, tem livre acesso às áreas comuns do edifício.

Alexandre conta ter sido abandonado pelos pais e irmãos ainda na infância. Desde então, vive sozinho. Veio para o Distrito Federal, segundo conta, na esperança de conseguir mais qualidade de vida e, sobretudo, dignidade humana.

Ao conversar com o rapaz, é possível notar o seu nível de intelectualidade. Em um papo de meia hora, Alexandre cita artigos da Constituição Federal, além de frases do escritor Charles Bukowski e do cientista Stephen Hawking.

Entre as reivindicações, o diagnóstico e tratamento de seu transtorno, o direito à moradia, ao passe livre no transporte público e, ainda, o sonho de cursar medicina veterinária. Amante dos animais, o rapaz possui tatuagens que remetem ao tema.

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Atualmente, ele vive da solidariedade de pessoas que trabalham no complexo e se sensibilizaram com sua história. Uma delas é Henrique Sebastiann, 31 anos, funcionário de uma lanchonete. “Sempre o via lendo livros e andando pela área. Fui conhecendo a situação e percebi que é um cara inteligente. Sem dúvida existe descaso dos órgãos competentes. Caso contrário, ele não estaria aqui há tanto tempo”, avalia.

Roberta Siqueira, 36, trabalha em um dos órgãos sediados no centro empresarial e diz entender a condição de Alexandre. “Tenho um primo autista e sei da necessidade de diagnóstico e tratamento. Ao notar a situação dele, fica perceptível o descaso”, relata.

Por causa do transtorno, Alexandre move processo junto à DPU para tentar reaver a pensão que diz ter sido tirada.

O outro lado
A DPU afirma que Alexandre Vajman Ferreira de Mendonça é assistido pelo órgão desde 2012, quando morava em São Paulo. Nesse período, foram abertos 14 processos de assistência jurídica em favor dele. Aposentadoria por invalidez e pensão por morte do pai, além de acesso ao Programa Universidade para Todos (Prouni) e ao Minha Casa Minha Vida, são algumas de suas demandas.

Ainda de acordo com a DPU, Alexandre conquistou o direito à aposentadoria por invalidez e à pensão pela morte do pai, mas os benefícios foram suspensos pela Previdência Social em outubro de 2017, após o homem, que sofre de transtornos mentais, ter ficado sem curador.

“A curatela foi decidida pela 3ª Vara de Família e Sucessões de Sorocaba, que precisa definir novo responsável legal por Alexandre”, informou a DPU, acrescentando já ter enviado ofício à Defensoria Pública de São Paulo para que ela resolva rapidamente o caso.

Segundo o órgão, Alexandre teria rejeitado encaminhamento para locais que oferecem assistência social no DF e preferiu ficar em situação de rua.

A Secretaria de Saúde informa que há unidades especializadas em saúde mental à disposição da população do Distrito Federal, como os centros de atenção psicossocial (CAP). As unidades prestam atendimento a todas as faixas etárias para transtornos mentais graves e persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas.

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