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Região que conserva Mesa de JK há 60 anos é ameaçada por grileiros

Na Área de Relevante Interesse Ecológico da Granja do Ipê, há pelo menos 22 ocupações clandestinas que colocam em risco o Cerrado no local

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Granja abre
1 de 1 Granja abre - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A natureza exuberante em um cantinho do Riacho Fundo II guarda um pedaço da história de Brasília. A cerca de 35 quilômetros do Congresso Nacional, no meio de árvores nativas do Cerrado, está a Mesa JK, estrutura de cimento usada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek para reuniões em momentos de privacidade e descontração na época da construção da cidade. Localizada na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) da Granja do Ipê, as riquezas histórica e ambiental da região têm sido ameaçadas pela cobiça de grileiros.

Criada por meio do Decreto n° 19.431 de 1998 e protegida por diversas legislações ambientais, a poligonal de 1.143,82 hectares tem 22 imóveis em território onde deveria haver somente espécimes da fauna e flora do bioma característico no Centro-Oeste. Pela estrada de chão, o único sinal visível da invasão são arames que cercam uma extensa área pública de propriedade da União. É pelo alto que se tem a dimensão do estrago produzido no meio ambiente.

Igo Estrela/Metrópoles
Construída há mais de 60 anos no meio do Cerrado, Mesa de JK é ameaçada por grilagem

 

O drone do Metrópoles sobrevoou o local e detectou a construção de casas que colocam em risco importantes cursos d’água, como o Córrego Capão Preto, que passa sob a Mesa de JK. Ele desemboca no Córrego Ipê Coqueiro, que, por sua vez, deságua no Córrego Riacho Fundo, sendo este o último afluente do Lago Paranoá.

Uma das maiores ocupações clandestinas da Arie da Granja do Ipê tem pelo menos 800 metros quadrados. Ela pertence a Ana Maria Cardoso de Moura, mãe de Luiz Franklin, que foi coordenador adjunto da Coordenadoria de Cidades da Casa Civil no governo de Agnelo Queiroz (PT).

Para não chamar atenção dos fiscais, a edificação foi erguida em 6 hectares. O acesso se dá por meio de uma estrada improvisada. No trajeto pela trilha, é possível ver que uma parte da mata foi cortada para abrir espaço aos veículos. Ana Maria e Luiz Franklin têm autorização para ocupar o local como produtores rurais, mas, nos últimos anos, fracionaram parte da gleba e venderam lotes.

A permissão para mãe e filho se instalarem no local foi dada pela ex-superintendente da Secretaria-Geral da União (SPU) Lúcia Carvalho, exonerada em 2013 do cargo justamente por ser apontada pela Polícia Federal como a responsável por um esquema de demarcações clandestinas de terrenos em Vicente Pires. A SPU é a gestora da gleba na Granja do Ipê.

Batalhão
A invasão deveria ter cedido lugar, ainda em 2013, a uma unidade do Batalhão de Polícia Militar (BPMA). Justamente por ser uma área sensível, o projeto da guarnição previa material 100% ecológico, com estrutura suspensa, madeira e bambu. Caberia à SPU determinar a liberação do terreno de Ana Maria, o que não ocorreu até o momento. O projeto acabou ficando pelo meio do caminho.

Outra edificação impressiona pelas dimensões. A entrada do “quintal” da casa de uma mulher identificada como Wilma Mazute tem até portal. Visto de terra firme, o lugar parece contar apenas com uma residência simples, mas, do alto, é possível observar pelo menos seis construções de alvenaria no meio das árvores.

Por se apresentar como produtora rural, Wilma teria direito a plantar lavouras em uma área limitada da unidade de conservação de uso sustentável, mas jamais poderia parcelar e vender lotes na Arie, como vem fazendo nos últimos anos.

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Uma outra invasão foi construída em cima de um sítio arqueológico da região, que, antes da fundação de Brasília, foi habitada por índios. Em 2017, o responsável por ocupar clandestinamente o terreno foi notificado pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema) a desocupar a área. No entanto, Luiz Raimundo Pereira nunca cumpriu a determinação.

Veja a determinação ignorada:

Decisão da Sema by on Scribd

 

De R$ 30 mil a R$ 100 mil
Os grileiros que atuam na área são discretos: evitam falar ao telefone, não instalam placas com anúncio e só negociam pessoalmente e com pessoas indicadas por gente da mais alta confiança.

À reportagem, moradores da região contaram que os lotes em área pública são comercializados por preços que variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil. “É um crime que se perpetua por aqui há muitos anos e o poder público não faz absolutamente nada”, denuncia um morador que reside na parte legal da Granja do Ipê.

Na opinião Luiz Alberto de Campos, que fez pós-doutorado em estruturas ambientais pela Universidade da Politécnica da Catalunha, na Espanha, o que ocorre na Arie da Granja do Ipê denota a falta de compromisso do governo com o meio ambiente e com o futuro da cidade.

Para Campos, “como a demanda por habitação não acompanhou o crescimento da população, áreas públicas começaram a ser invadidas e pontos mais sensíveis, como os protegidos ambientalmente por lei e localizados perto de nascentes, são os mais atingidos”.

“Quem invade não tem água encanada, então normalmente se instala em terrenos perto de mananciais e rios, o que acelera o processo de degradação desses lugares”, complementou o docente, que também integra o Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).

Área histórica
A Arie da Granja do Ipê, onde está a Mesa de JK, fica numa região carregada de simbolismo para a história da capital do país. A 6 quilômetros dali chega-se ao Catetinho, a primeira residência oficial do ex-presidente de Juscelino Kubitschek.

Projetada por Oscar Niemeyer, a casa chegou a abrigar alguns oficias das Forças Armadas durante a ditadura militar do Brasil. O imóvel fica aberto para visitação de terça a domingo, das 9h às 17h.

Resposta
O Metrópoles tentou contato com todos os citados no texto. Luiz Franklin não atendeu as ligações, mas, por WhatsApp, disse que só responderia se a reportagem fosse até a sua residência. Nas mensagens, limitou-se a dizer que o “Ibram [Instituto Brasília Ambiental], Agefis [Agência de Fiscalização] e Associação dos Produtores têm respostas para a imprensa”, mas não explicou quais seriam elas.

Wilma Mazute e Luiz Raimundo não foram localizados.

Em nota, a Superintendência do Patrimônio da União no Distrito Federal informou “não ter recebido nenhuma denúncia de grilagem na área e realiza regularmente fiscalizações nos seus imóveis”. Ainda de acordo com o texto, “identificada qualquer irregularidade, os envolvidos serão autuados e as medidas administrativas e judiciais serão tomadas”.

Também em nota, o Ibram ressaltou que “Superintendência de Fiscalização do Ibram tem realizado ações fiscais pontuais”. O órgão diz ainda que o atual governo está avaliando todo o processo de ocupação da área. “Deve ocorrer uma ação governamental para a definitiva retirada de possíveis ocupantes irregulares do polígono da Granja do Ipê.”

Comitê
Na noite de sexta (1°/3), o GDF criou um comitê de gestão integrada responsável pela prevenção e combate à invasão irregular de terrenos e áreas de interesse ambiental. A formação do grupo deverá ser oficializada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) por meio de um decreto de lei.

A ideia é usar os serviços de inteligência das polícias Civil e Militar para evitar que assentamentos ilegais se espalhem pela cidade. O comitê será coordenado pela Casa Civil e contará com integrantes das secretarias de Segurança; de Habitação; da Agricultura; do Desenvolvimento Social; do Meio Ambiente e de Comunicação; além de PCDF, PMDF, Ibram, Agefis e Agência de Desenvolvimento (Terracap).

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