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“Perdoei”, diz mãe com câncer criticada por freira na escola da filha

Após perder os cabelos, Carol Venâncio ouviu de religiosa do Colégio Notre Dame Brasília que sua aparência era “agressiva para a sociedade”

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
carol venâncio duarte
1 de 1 carol venâncio duarte - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Ver os cabelos caindo devido à agressividade dos efeitos colaterais de uma quimioterapia foi a etapa mais difícil do tratamento contra o câncer de Carol Venâncio Duarte, 41 anos. Mas a dor maior veio de onde ela menos esperava: da escola da filha. A menina, de 11 anos, sofreu bullying de colegas por causa da enfermidade da mãe. E, ao procurar a diretora do Colégio Notre Dame Brasília, na 914 Sul, Carol ouvir da freira Loiva Urban a recomendação de usar peruca ou chapéu, pois sua imagem era “agressiva à sociedade”.

O episódio cruel repercutiu nas redes sociais esta semana, por meio de uma postagem feita pela irmã de Carol, Camila Venâncio Duarte, e ganhou projeção após o Metrópoles noticiar o caso, na quarta-feira (1°/8). Nesta quinta (2), Carol pronunciou-se pela primeira vez desde a polêmica. E as palavras faladas por ela contrastam com a aspereza do discurso ouvido na escola da filha.

Do fundo do meu coração, eu já perdoei tudo o que a irmã falou. Eu não sei por quanto tempo estarei aqui. Então, tenho que viver meu dia como se fosse o último e não quero levar rancor de ninguém

Carol Venâncio Duarte

À reportagem, Carol falou ainda sobre o tratamento e as expectativas com a nova escola da filha. A menina ganhou bolsa de estudos parcial oferecida pelo Sigma. Além disso, um grupo de mães do colégio mobilizou-se em apoio à família, arrecadando uniforme e livros.

Com a repercussão negativa do caso, a freira Loiva Urban foi afastada da direção do Notre Dame.

Para Carol, o apoio recebido de familiares, amigos, membros da igreja e até mesmo de desconhecidos tem lhe dado forças para seguir com a luta diária. Apesar do episódio traumático, ela se sente grata por todo o período da filha no Notre Dame.

“Eu sempre gostei muito da escola. É pequenininha, todo mundo conhece minha filha e é muito carinhoso com ela. O que a irmã fez não condiz com o comportamento dos funcionários, porque eles são maravilhosos”, elogiou.

Igo Estrela/Metrópoles
Carol Duarte (à direita), ao lado da irmã, Camila

 

Na primeira vez que precisou enfrentar a doença, em 2014, Carol foi submetida a sessões de quimioterapia por seis meses e teve de fazer cirurgia. O câncer atingiu o intestino, com metástase no fígado. “Eu fiquei dois meses internada, sendo 27 dias na UTI. Cheguei a ficar em coma e fui dada como um caso sem esperanças pelos médicos. Minha irmã chegou a separar a roupa do meu enterro, porque disseram que eu não passaria daquela noite, mas Deus é tão misericordioso que eu estou aqui contando essa história”, narra.

Sem nunca se descuidar do acompanhamento trimestral, houve um agravamento da doença em outubro de 2017, atingindo o fígado e os pulmões. “Não existe mais cura, existe o controle da doença. O tratamento é para sempre”, acrescenta.

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“Mexeu com minha feminilidade”
Quando enfrentou o câncer em 2014, os cabelos permaneceram intactos. Segundo Carol, no entanto, o diagnóstico dessa última vez revelou um estágio de maior gravidade. Como a quimioterapia exigiu medicamentos mais fortes, a perda dos fios foi inevitável.

“Quando caiu meu cabelo, aquilo mexeu muito comigo, porque eu estava preparada para enfrentar tudo de novo: UTI, cirurgia, tudo, menos perder o cabelo. A gente acha que é pouca coisa: ‘Ah, cabelo cresce…’ Mas, para a mulher, mexe muito. Eu não aceitava. Quando comecei a aceitar e sair com a minha carequinha na rua, aconteceu esse episódio. Cutucou a minha ferida no que mais doía em mim. Foi na minha vaidade, na minha feminilidade, foi muito difícil”, lembra.

O medo de faltar à filha é uma aflição que a assola todos os dias e piorou após o comentário cruel da freira. “Segunda e terça, eu não era ninguém. Já basta o medo de saber que daqui a cinco anos eu posso ir embora, que não vou ver minha filha crescer, e a irmã fala um absurdo desses. Tudo muito difícil psicologicamente. Eu acho que, se você não vai abrir a boca para falar algo que acrescente, é melhor ficar calado”, finaliza.

“Meu anjo”
A filha de Carol tinha apenas 8 anos quando começou a acompanhar a saga da mãe na luta contra o câncer. Durante esse período, a menina sofreu bullying de colegas de colégio por causa da doença e pediu diversas vezes para mudar de escola.

“Ela estava chorando e insistindo para eu tirá-la, mas eu estava tentando resolver com a coordenação. Quando fui à diretora e ela me tratou daquele jeito, eu falei: ‘Agora, eu não quero mais minha filha aqui'”, contou.

Enquanto outras crianças brincavam no parquinho, a filha de Carol acompanhava a mãe no hospital. Já na época do primeiro diagnóstico, a menina ajudava a fazer o curativo da traqueostomia e limpava a bolsa de colostomia de Carol. “Ela já sofreu muito para a idade dela e amadureceu na marra. É uma miniadulta”, diz.

Carol trabalhou por 20 anos no Serviço Social do Comércio (Sesc), mas está afastada do emprego e hoje se dedica exclusivamente ao tratamento. Durante a maior parte da carreira, fazia o “meio de campo” do serviço social voltado a idosos.

Formada em marketing, caiu de paraquedas no setor após a saída da assistente social. “Amava o que eu fazia, mas, infelizmente, o grupo foi desfeito depois que eu saí. Os idosos não aceitavam um substituto e diziam que só voltariam para o grupo após o meu retorno.”

Hoje, Carol luta para estabilizar a doença e retomar a atividade profissional.

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