PCDF: fraude na Secriança envolvia flanelinha e lanche vencido

Assessores parlamentares e empresários são acusados de montar esquema, na gestão Rollemberg, para desviar R$ 5 milhões

Mirelle Pinheiro
Compartilhar notícia

A segunda fase da Operação Conto do Vigário, deflagrada pela Divisão Especial de Combate à Corrupção (Decor) nesta quarta-feira (22/01/2020), alcançou um assessor parlamentar ligado ao ex-distrital e atual deputado federal Professor Israel Batista (PV). O homem, que não teve o nome divulgado, foi alvo de busca e apreensão nesta manhã.

Foram 16 mandados de busca e apreensão, sendo cinco em residências localizadas na Asa Sul e em Águas Claras, e os demais nas sedes de empresas espalhadas pelo DF. Há suspeita de uso de laranjas e lavagem de dinheiro no esquema, que teria a participação de pelo menos 20 pessoas. A denúncia foi publicada em reportagem do Metrópoles, de 2018.

A Polícia Civil apura fraudes em seis contratos, convênios e termos de fomento firmados entre a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) e os institutos Brasília Para o Bem-Estar do Servidor Público (Ibesp) e Terra Utópica (Itu), no valor de R$ 5 milhões, durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB).

Os contratos, assinados entre 2015 e 2018, foram pagos com emendas parlamentares. A polícia apura se houve irregularidades em outras parcerias feitas com a Secriança. Os projetos atendiam pelo menos 10 escolas do DF.

De acordo com a polícia, o esquema funcionava assim: a emenda saía da Câmara Legislativa, seguia para a Secrianca, onde seria feita a contratação dos institutos. As entidades, por sua vez, chamavam empresas para oferecer os serviços. Há suspeita de que os recursos que deveriam ser empregados nos projetos voltavam, em parte, para servidores que facilitavam a fraude.

“Os institutos eram escolhidos a dedo e usados como fantoche pelo grupo criminoso”, ressaltou o delegado Ricardo Uchoa, da Decor. Além de assessores parlamentares, as investigações têm como alvo empresários.

Primeira fase

Após a divulgação da primeira fase da operação, os investigados tentaram provar que estavam executando os projetos pedagógicos com crianças de escolas públicas. Para isso, alugaram às pressas ônibus, em pouca quantidade, para transportar estudantes para atividades de redação e leitura de histórias.

Bancando as despesas do próprio bolso, os empresários chegaram a oferecer lanches vencidos para os alunos a fim de reduzir os custos. Toda a correria foi para tirar fotos e provar que realmente as atividades foram ofertadas. Um dos investigados chegou a se referir às crianças atendidas como “catarrentas”.

Suposto laranja

A polícia também identificou que o sócio majoritário (obtinha 99% das cotas) de uma das empresas, contratada por R$ 400 mil, era, na verdade, funcionário de limpeza geral em um prédio público de Brasília. No cadastro da PCDF, o homem consta ainda como flanelinha no Setor Comercial Sul.

Ele será intimado para prestar depoimento. A polícia também investiga se ele tinha conhecimento ou se teve o nome usado sem autorização. “Além dessa investigada, ele aparece como sócio em mais 23 empresas, algumas delas foram liquidadas”, explicou o delegado-chefe da Cecor Leonardo de Castro.

Uma outra companhia, que deveria fornecer serviços de tecnologia, recebeu R$ 200 mil e, em seguida, fechou por liquidação. No mês seguinte, abriu com novo nome, oferendo os mesmos serviços. A polícia ainda apura se essa empresa executou o trabalho para o qual foi contratada.

Durante as investigações, a polícia tomou conhecimento de que os empresários investigados se reuniram na sede de uma das companhias, que funciona no Lago Sul, e fizeram, literalmente, uma fogueira para queimar documentos que pudessem comprometê-los.

Há indícios de que a prestação de contas dos empresários foi “maquiada” para disfarçar a fraude. Os relatórios, à época, foram aprovados pelo governo.

Assessor exonerado

Em março de 2018, o Metrópoles mostrou que o Ministério Público do DF (MPDFT) apurava denúncia contra Deoclecio Luiz Alves de Souza, o Didi, assessor do então deputado distrital Professor Israel Batista. Ele é foi um dos investigados na primeira fase operação e teve mandado de busca e apreensão cumprido em sua casa.

Emendas parlamentares de R$ 946 mil e de R$ 977,4 mil, somando pouco mais de R$ 1,9 milhão, não teriam sido executadas como deveriam. Há suspeita de que parte dos recursos que deveriam ter sido aplicados no projeto para trabalhar a inclusão de crianças vítimas de preconceito dentro e fora de sala de aula foi desviada.

Na época, a assessoria do parlamentar informou que Didi, responsável pela escolha do projeto e pela indicação do Instituto Terra Utópica, “não seguiu as normas de fiscalização das emendas propostas pelo mandato” e foi exonerado. Disse ainda ter pedido informações sobre o processo de contratação, mas que não havia recebido os dados. Também na ocasião, Didi negou qualquer irregularidade. A escolha do projeto Sara e Sua Turma, assegurou o ex-servidor, teve “relação estrita com o objetivo do mandato do deputado, que é promover a educação”.

A reportagem aguarda retorno da assessoria do deputado, que já foi procurada.

Sair da versão mobile