Major da PMDF que espancou esposa integrará programa sobre violência doméstica
Major Eduardo foi preso por agredir, ameaçar e cuspir na esposa. Ele chegou a ser detido, mas recebeu liberdade provisória da Justiça
atualizado
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O major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa dentro da residência onde morava o casal, em Ceilândia, permanece na corporação e foi apresentado ao “programa Refletir da Secretaria de Segurança Pública do DF” (SSP). A informação foi confirmada ao Metrópoles pela própria PMDF.
De acordo com a secretaria, a iniciativa “trata-se de um grupo reflexivo composto exclusivamente por profissionais da segurança pública do DF que respondem ou responderam a processo judicial e/ou administrativo à luz da Lei Maria da Penha”. Ou seja, é uma espécie de programa direcionado a policiais que agrediram suas parceiras ou familiares.
Como uma forma de “punição”, Eduardo Ferreira Coelho, 42 anos, foi “apresentado ao programa Refletir” e encontra-se, atualmente, na “área administrativa da instituição”.
Em 18 de março, data do crime, o major teria espancado e sufocado a companheira com um travesseiro. Além disso, sabendo que a vítima estaria se recuperando de uma cirurgia na coluna, sentou no quadril dela e passou a golpeá-la, bem como a cuspir em seu rosto. A mulher chegou a gritar pedindo para cessar as agressões, mas Eduardo passou a pular sobre a coluna dela “provocando muito mais dor”.

Eduardo Ferreira Coelho, 42 anos, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa Reprodução

O caso aconteceu na residência onde morava o casal, em Ceilândia, em 18 de março Reprodução

Eduardo coelho recebeu liberdade provisória na audiência de custódia e segue na PMDF Reprodução/ Instagram
Segundo a pasta, o programa “é realizado anualmente, por meio de quatro ciclos de oito encontros, sendo um encontro por semana, com duração de 2 horas cada”. Nessas aulas “são trabalhados temas como autorresponsabilização, masculinidades, habilidades relacionais, gênero e violência”. Conforme relatou a secretaria, os integrantes do grupo são encaminhados pelo Poder Judiciário e pelas Corregedorias das forças de segurança do DF, conforme cronograma anual.
A reportagem apurou que, curiosamente, em 2016, Eduardo Coelho escreveu um artigo contra a violência doméstica. No documento, o militar concluiu que o combate ao crime requer uma rede cuja atuação não seja seletiva, discricionária e que seja passível de responsabilização. Sete anos depois, contrariando os próprios argumentos, o major foi detido em flagrante pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher II (Deam) por espancar a companheira.
O ataque foi presenciado pela filha do casal, de 2 anos. Enquanto a criança tentava entender o que estava acontecendo, o PM teria dito a ela que a esposa “havia feito algo muito feio” e que “mulher que faz coisa feia merece apanhar”. Ao mesmo tempo que falava com a bebê, o major continuava as agressões contra a companheira.
Em certo momento, segundo o documento ao qual o Metrópoles teve acesso, o policial teria ameaçado matar a companheira, bem como o filho e o ex-marido dela. O homem teria, também, tentado quebrar os dedos da mão da esposa. Por conta da dor, a mulher passou a gritar desesperadamente, e, para conter o barulho, Eduardo pressionou um travesseiro contra o rosto dela, a sufocando.

O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) Paulo H. Carvalho/Agência Brasil

À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer Hugo Barreto/Metrópoles

Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime Igo Estrela/Metrópoles

Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal Arte/Metrópoles

A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro Reprodução

A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos Imagem Ilustrativa

No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei Arte/Metrópoles

Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica iStock/Imagem ilustrativa

Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher Getty Images

Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada Reprodução

Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista Kat J/Unsplash

Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou moral iweta0077/istock

Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação Divulgação

Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos istock

Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades Hugo Barreto/Metrópoles

Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria Arte/Metrópoles

Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão Daniel Ferreira/Metrópoles

Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil Hugo Barreto/ Metrópoles

No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento Luis Soto/SOPA Images/LightRocket via Getty Images