Dia das Crianças: veja histórias de superação do câncer infantil

Nesta data comemorativa, o Metrópoles conta o drama de pequenos que encararam a doença, mas que agora vivem uma infância normal

Ana Karolline Rodrigues
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Com apenas 1 ano e 8 meses, Henry entrou em coma. Assim que completou 3 anos, Letícia perdeu a visão. Aos 4, Ana Letícia precisou ser internada na oncologia. Nestes momentos, medo e desespero definiam o sentimento das famílias dessas crianças, que precisavam lidar com o câncer infantil. O temor surgido com o diagnóstico crescia gradualmente à medida que as sessões de quimioterapia se tornavam mais frequentes. Toda a angústia vivida pelos pequenos, porém, foi superada após uma tão esperada notícia: eles venceram a doença.

Após repetidas idas a hospitais, hoje, a vida dessas famílias não é mais a mesma. Neste Dia das Crianças, o Metrópoles conta histórias desses três pequenos que tiveram de lidar com o mal, mas que agora podem viver uma infância normal.

No Distrito Federal, o Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) — que atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — recebe entre 180 e 200 pacientes menores de 18 anos por ano. Entre esses, está Henry Lacerda de Oliveira, 5 anos.

Cerca de 60 dias antes do diagnóstico de um neuroblastoma, Henry, ainda bebê, já não comia mais direito e tinha vômitos frequentes. “Foi ficando mais quieto, sem vontade de brincar e amarelinho, daí levamos ao hospital. Acharam que eram gases, mas no outro dia ele começou a piorar e o remédio não resolveu. Então, fizemos outra radiografia. Foi quando a médica viu que tinha algo errado”, relata o pai, Elisandro Lacerda Ramos, 30.

O câncer na glândula suprarrenal esquerda foi descoberto em outubro de 2015, em seu último estágio. “Estava no grau 4, que é quando tem vazamento para a medula e acontece metástase. Foi bem desesperador. Em poucos dias, o estado de saúde dele estava grave e ele ficou 25 dias na UTI, em coma”, narra o engenheiro civil.

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Elisandro Lacerda Ramos, pai de Henry, comemora a recuperação do filho
Após se recuperar de um câncer, Henry leva uma vida normal
Elisandro Lacerda Ramos, pai de Henry, comemora a recuperação do filho
Henry tinha apenas 1 ano e 8 meses quando foi diagnosticado com um neuroblastoma.
O câncer foi descoberto em outubro de 2015, em seu último estágio.
Renascimento

Após a descoberta do tumor, Henry fez quimioterapia no Hospital da Criança por um ano. Em dezembro de 2016, depois de conseguir um transplante de medula óssea, o garotinho renasceu.

“Foi um transplante da medula dele mesmo, autólogo. Nós viajamos para Curitiba e o Hospital da Criança que fez esse intercâmbio para a gente, porque na época não tinha esse suporte. Ainda tivemos apoio da Abrace (Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias), que nos deu uns suplementos, que eram muito caros.

“Mesmo pequeno, hoje ele entende o motivo das frequentes idas ao hospital. “Eu lembro do Hospital de Crianças. Todo dia eu ia lá”, relembra Henry.

Antes, ele fazia acompanhamento com médicos uma vez por mês. Após a nova chance de vida, faz exames de três em três meses. “Hoje, ele vive uma vida normal. Vai para a escola, está no nível das outras crianças, gosta de natação, de futebol”, conta Elisandro.

Em comemoração ao Dia das Crianças, o garotinho participou de uma noite do pijama na escola e já fica ansioso para mais brincadeiras. “Na festa do pijama com meus colegas na escola eu vou sozinho. Meu pai vai ficar em casa. Vai ser legal”, diz o menininho.

“Na época, ele tinha restrições. Não saía muito, porque tinha de evitar infecção. Mas, agora, ele sai, brinca, vai para o parquinho. É como se ele tivesse nascido de novo”, comemora o pai.

Perda da visão

Um outro caso atendido pelo HCB foi o de Letícia de Souza Viana (foto em destaque), 8. Em 2013, ela foi diagnosticada com um astrocitoma — tumor no cérebro. Devido à região em que o câncer estava localizado, ela começou a perder a visão com o passar do tempo. Foi aí que as dificuldades se ampliaram para a família da menina.

“Descobrimos assim que ela completou 3 anos. Nós fizemos uma festa surpresa e, 15 dias depois, fizemos alguns exames e soubemos que ela estava perdendo a visão. Aí, procurei o Hospital da Criança”, conta a mãe, Vanessa de Souza, 36.

Por haver risco de morte, os médicos não autorizaram a realização de uma cirurgia. Foi então que Letícia começou a quimioterapia. “No primeiro dia do ano de 2014, ela fez a primeira sessão de químio. Depois de 15 dias, perdeu a visão total”, relembra a comerciante.

No decorrer do tratamento, porém, uma notícia aliviou o drama da família. “O tumor foi reduzindo com o tempo. Algo que era do tamanho de um limão e foi regredindo. Em 2016, tivemos a notícia de que estava do tamanho de um grão de arroz”, diz a mãe.

“O médico me falou que ela iria morrer de qualquer coisa, mas que desse problema ela não morre mais. Quando eu ouvi isso, foi o atestado de cura para mim.”

Para Vanessa, o apoio dos profissionais do Hospital da Criança e da instituição Abrace foi “primordial”. “Eu só levei, mas eles que fizeram acontecer. A químio cura, mas mata a criança ao mesmo tempo. Então, quem dá força é a equipe mesmo, os médicos que fazem o trabalho dedicado”, considera.

“Teve uma época em que ela não estava comendo mais nada e perdeu muito peso. Então, a Abrace nos deu uns suplementos caríssimos. Até a maquininha de braile, para escrever na escola, uma máquina bem cara no mercado, eles deram também”, completa.

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Letícia perdeu a visão aos três anos, quando foi diagnosticada com um astrocitoma - tumor no cérebro.
Ela e a família, então, passaram a frequentar o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), em 2015, onde aprenderam a linguagem do braile.
Adaptação

Quando Letícia perdeu completamente a visão, no entanto, a narrativa da história da família foi interrompida por mais um desafio. “Na época, eu fui bem resistente. Não queria que ela aprendesse o braile, porque tinha na minha cabeça que ela iria voltar a ver. Mas fizeram um acompanhamento de psicólogos comigo no Hospital da Criança e eu entendi”, relata Vanessa.

A família, então, passou a frequentar o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), em 2015, onde pai, mãe e irmã aprenderam a linguagem do braile para se adaptar às necessidades da pequena. “Lá, ela teve o primeiro contato, aprendeu a se adaptar. E, como eles também dão aula para os pais, a gente fez por um ano. Recebe diploma e tudo”, diz.

Futuro

Atualmente, os pais levam Letícia para o hospital apenas uma vez por ano, para acompanhamento. Agora, a alegria da família é refletida no sorriso contagiante da garotinha. “Não só a Letícia passou por um período difícil, como a família inteira. A gente a vê hoje estudando, fazendo esporte, sendo modelo, desfilando. Para a gente é uma história de superação.”

“Ela é muito ativa, planeja o futuro inteiro dela sozinha. Quer casar, ter filhos, e ela mesma já planeja tudo. Mas, agora, ela vive essa fase perfeitamente. A deficiência dela não atrapalha em nada”, destaca a comerciante.

Mesmo pequena, Letícia é independente. À reportagem, conta que frequenta a Vila Olímpica, em Ceilândia, e que pratica vários esportes. “Eu gosto de andar de bicicleta, de nadar, desfilar”, pontua a menininha.

Nos próximos dias, ela começa a fazer aulas de natação e diz sonhar tornar-se, no futuro, atleta paraolímpica. “Minha monitora é cadeirante e atleta, tem cinco medalhas. Eu gosto muito dela, porque gosto de pessoas que eu possa ajudar também”, diz, sorridente.

Para o Dia das Crianças, Letícia já faz planos com a família. “Quero ir ao Parque da Cidade”. “De presente eu estou entre uma boneca e um patins, mas ainda preciso aprender a andar”, comenta, dando risada.

“Tem gente que diz que gosta de deixar para trás, porque é passado. Mas eu não gosto de esquecer, porque isso me faz lembrar o quanto ela é forte.”

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Letícia vai começar a fazer aulas de natação e diz que sonha se tornar, no futuro, uma atleta paraolímpica.
Para a mãe, a vida da garotinha é "uma história de superação".
Leucemia

Diagnosticada com o tipo mais comum de câncer infantil, Ana Letícia Santos, 5 anos, foi mais uma vítima de leucemia. A dura descoberta, em janeiro de 2018, impactou completamente na vida dela e da mãe, Tuany Santos, 28, que deixou o emprego para cuidar da menina.

“Ela começou a ter febre frequente e começou a ficar meio molinha. Achei que era só mal-estar mesmo, mas começaram a aparecer manchas na pele, como sarampo e junto a isso veio o vômito”, lembra Tuany.

“Fomos ao Hospital das Clínicas e a médica disse que achava ser dengue e me encaminhou para o HRAN [Hospital Regional da Asa Norte]. Lá, a médica repetiu o exame, porque achava que tinha algo errado e já internou. No dia seguinte, me falaram que conseguiram uma vaga na oncologia no Hospital da Criança. Então, perguntei qual o motivo de ela iria para lá e me explicaram que suspeitavam de leucemia. No HCB a médica me explicou, conversou comigo e a internou. No dia seguinte, fizemos o exame e depois saiu o resultado: leucemia linfoide aguda”, completa.

A notícia para a mãe “foi um choque”. “A gente se desestabiliza toda, ainda mais porque foi começo de ano. Eu tinha feito um monte de planos, começado um novo trabalho. Agora, mesmo ela estando na manutenção, eu ainda não consegui trabalho, porque quando você fala que tem uma criança em tratamento, acham que você vai faltar”, lamenta.

No Hospital da Criança, Ana Letícia começou o tratamento. Fez quimioterapia mensalmente até outubro do ano passado, quando iniciou a fase de manutenção. “A etapa mais complicada passou. Agora, ela faz químio a cada dois meses”, diz.

Turbantes

Quando começou a perder os cabelos, Ana Letícia pediu a mãe para raspar a cabeça. “Aquilo me fez chorar, fiquei bem mal. Mas ela lidou tão bem, muito melhor do que eu. Foi então que comecei a fazer laços para ela”, conta.

Foi neste momento, então, que Tuany encontrou uma oportunidade de renda. “Uma colega minha falou que era fácil fazer turbantes e me deu um molde. Eu fui vendo vídeos no YouTube e comecei a fazer. Depois, comecei a mostrar para as amigas e passei a vender”, completa.

Neste ano, a garotinha voltou a frequentar a escola e viu os cabelos voltarem a crescer. “Ela adorava os turbantes, até hoje usa ainda. Não sai de casa sem um laço. Se tornou muito mais vaidosa”, destaca. “Eu gosto de usar tiara, laço. Fica bonito”, diz a menininha.

No aniversário de um ano da fase de manutenção do tratamento, mãe e filha veem a vida voltar a ser como antes. Neste primeiro Dia das Crianças, após incessantes sessões de quimioterapia, a alegria da pequena atesta que os seus poucos cinco anos agora serão sucedidos pelos longos anos que a nova vida lhe oferece.

Para comemorar a data, ela vai ao cinema com a mãe e sabe o que quer de presente. “Quero ganhar de Dia das Crianças uma casa da Barbie.”

Apesar dos obstáculos que ainda podem vir, a mãe olha para o futuro com alegria. “Agora, você já respira, né?. Mesmo com os cuidados dá para respirar. A vida voltou a ser como era”, diz, aliviada.

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Ana Letícia foi diagnosticada com leucemia em janeiro de 2018.
A descoberta da doença impactou na vida dela e da mãe, Tuany Santos.
Ela fez quimioterapia mensalmente até outubro do ano passado.
Atualmente, a menininha faz tratamento no Hospital da Criança a cada dois meses.
Neste ano, a garotinha voltou a frequentar a escola e viu os cabelos voltarem a crescer.
Mesmo após os cabelos crescerem, ela não deixa de usar tiaras e lenços.
Casos de câncer infantil

Os casos mais prevalentes de câncer infantil são leucemia, linfoma e tumores do sistema nervoso central. De acordo com o Hospital da Criança de Brasília, da rede pública do DF, a área de oncologia e hematologia realiza mensalmente cerca de 1,1 mil consultas com crianças.

Uma vez que o tratamento e o acompanhamento duram pelo menos cinco anos, o HCB tem 34 leitos de internação para os pacientes. Estes têm taxa de ocupação de 87%.

Conforme a médica oncologista, hematologista e pediatra do HCB, Isis Magalhães, o tratamento do câncer em crianças é diferente, uma vez que há uma diferença biológica. “O câncer é sistêmico, tem um desenvolvimento rápido, mas paradoxalmente é mais sensível à quimioterapia. Porque os medicamentos atuam na divisão celular e como câncer tem muitas células em divisão, é mais sensível”, explica.

Segundo disse ao Metrópoles, existem padrões de tratamento e protocolos para cada tipo de tumor, mas, no geral, a principal arma dos médicos é a quimioterapia. “As causas principais de óbitos são as complicações da químio, como infecções bacterianas ou virais”, aponta.

Para tratar crianças, a médica ressalta a necessidade de um serviço feito por uma equipe multidisciplinar. “Por isso, lutamos tanto em Brasília para conseguir montar um centro específico com aparato de suporte. Existe a necessidade de um diagnóstico preciso para o tratamento de crianças dar certo”, destaca.

Tratamento

Ainda de acordo com Isis, a primeira fase do tratamento em crianças exige uma internação hospitalar e, às vezes, terapia intensiva. “Já a continuação do tratamento pode ser feita ambulatorialmente. A criança vai ao hospital, faz a consulta, recebe a quimioterapia e vai para casa”, pontua.

A oncologista ressalta, entretanto, que aquilo que realmente pode fazer a diferença para a criança é o apoio da família. “A criança precisa de suporte social. Crianças que moram fora contam com casa de apoio mantida por voluntários da Abrace, por exemplo. Isso é uma ação muito importante, porque nos dão essa segurança. Esse suporte social é extremamente importante.”

Apoio

Como forma de e promover apoio a crianças e adolescentes com câncer e hemopatias (doenças do sangue), a instituição Abrace recebe, por ano, cerca de 200 novos pacientes. Dentre esses, cerca de 75 são novos casos de câncer, 45 de hemopatias e cerca de 30 em investigação. Atualmente, são 922 crianças e adolescentes com cadastros ativos na associação.

Todas as crianças e os adolescentes que recebem apoio da instituição são indicadas pela assistência social de hospitais da rede pública do DF e de outros estados do Brasil. Segundo dados da oncologia do HCB — hospital construído pela Abrace em 2008 — a entidade contribuiu nos últimos anos para que o índice de cura da doença no DF aumentasse de 50% para 70%, e para que o índice de abandono do tratamento passasse de 28% para zero.

Conforme a entidade, crianças provenientes de outras regiões do país que buscam tratamento em Brasília representam 40% dos assistidos da Abrace. Os outros 60% são do DF e Entorno que recebem assistência integral domiciliar.

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