DF: nenhum PM foi punido em denúncias de abusos nas escolas militarizadas

Desde 2019, corporação abriu 4 apurações sobre casos do tipo em escolas militares. Três foram arquivadas, e uma se arrasta há mais de 1 ano

Alan Rios
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Apesar dos registros de casos de violência, assédio e excessos por parte de policiais em diferentes escolas militares do Distrito Federal, até o momento, os casos não resultaram em qualquer punição pela corporação, mesmo após investigações de condutas indevidas. É o que mostram dados obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Desde que o DF lançou o projeto de gestão compartilhada das escolas, com as secretarias de Educação e Segurança Pública, há três anos, a Polícia Militar iniciou quatro apurações de condutas desviantes de policiais. Três delas, uma de 2019 e duas de 2022, acabaram arquivadas.

A quarta, aberta em novembro de 2021, ainda não teve conclusão. A investigação tem previsão de terminar em janeiro, mais de um ano depois do fato.

A PMDF não detalhou os atos cometidos pelos policiais envolvidos em cada um dos casos, mas algumas situações chegaram ao conhecimento da população do Distrito Federal, principalmente relacionadas a abuso de autoridade contra estudantes.

Casos

As ações questionáveis dos militares começaram no primeiro ano do projeto. Em abril de 2019, um policial derrubou um aluno no chão e o imobilizou, durante confusão no Centro Educacional (CED) 7 de Ceilândia. O caso foi registrado na Delegacia da Criança e do Adolescente de Ceilândia (DCA 2).

Dois meses depois, em junho de 2019, um sargento trocou mensagens de teor sexual com uma estudante. Prints das conversas mostram quando o policial manda um “beijo no cantinho da boca” da adolescente. Em protesto à época, estudantes do colégio denunciaram casos de assédio semelhantes, que teriam sido praticados por outros PMs lotados na escola.

Apesar dos dois casos daquele ano, a Polícia Militar do Distrito Federal só fez uma apuração de conduta indevida em 2019 — instaurada em maio e arquivada, segundo dados da própria corporação.

Em 2020, quando a pandemia fechou as escolas durante boa parte do ano, não houve novos registros de situações controversas, mas elas voltaram a acontecer em 2021.

Em outubro daquele ano, por exemplo, estudantes denunciaram uma tentativa de censura de trabalhos no Colégio Cívico Militar CED 1 da Estrutural, à época do Dia da Consciência Negra.

Nas atividades, os alunos expuseram artes com críticas à violência policial contra a comunidade negra e debateram o tema. Os estudantes relataram que a PM reagiu de forma agressiva e ordenou a retirada dos murais. Após a repercussão do caso, a corporação negou os fatos, mas reclamou da exposição das obras “sobre o tema abordado, uma vez que não condiz com a realidade”.

Em 2022, o Centro Educacional (CED) 1, na Cidade Estrutural, teve mais de um episódio de conflito entre PMs e estudantes. No começo de maio, um oficial foi filmado ameaçando um aluno dentro da escola: “Te arrebento, moleque!”.

No fim daquele mês, um adolescente levou um jato de spray de pimenta no rosto e acabou algemado depois de policiais militares apartarem uma briga.

A vice-diretora do colégio foi afastada por criticar veementemente um PM, em áudio enviado via WhatsApp. Ela xingou um oficial e o chamou de “tenente cagão”, após uma série de desentendimentos entre o corpo pedagógico e os militares da instituição.

“Denúncias ignoradas”

Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Rede Nacional de Pesquisa em Militarização da Educação, vê com preocupação casos de violências em um local de acolhimento, especialmente quando não levam à responsabilização.

“Isso é uma coisa muito séria. Temos denúncias de várias violências contra as estudantes, professores, e quem termina apurando é a própria polícia. São vários casos em que essas denúncias são ignoradas, não investigadas ou inocentadas. Isso precisa ser feito por outra instância. Não pode ser analisado pela própria corporação.”

A professora avalia que a instituição militar trabalha a partir de conceitos como manutenção da obediência, hierarquia e ordem, enquanto a escola prioriza diálogo, orientação, entre outros pontos pedagógicos. “Os princípios que regem a área de segurança não são os princípios que regem a área da educação. Não vejo qualquer outra saída para nossas escolas que não seja a desmilitarização”, defende.

Em relação ao suposto aumento da sensação de segurança nessas escolas, um levantamento do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) revelou o contrário. Dados da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) mostraram que a média diária de atos infracionais registrados nesses colégios passou de um conflito a cada 48 horas, em 2019, para uma ocorrência a cada dia, em 2022.

Futuro

Atualmente, 13 colégios têm gestão compartilhada entre as secretarias de Educação e Segurança Pública no DF: seis com apoio da Polícia Militar e cinco com o Corpo de Bombeiros. Outras quatro escolas têm parceria com o Governo Federal e contam com efetivo das Forças Armadas. Cerca de 15 mil alunos estudam nessas instituições.

O GDF planeja ter 40 colégios cívico-militares até o fim de 2026. Em âmbito federal, integrantes da equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticam o modelo e debatem a revogação do decreto de Jair Bolsonaro (PL) que instituiu o programa nacional que cria essas escolas.

Uma pesquisa exclusiva Metrópoles/Ideia, de agosto último, mostra que menos da metade dos brasilienses apoiam a presença de militares na gestão escolar. O projeto é avaliado como positivo para 46,6% dos moradores da capital federal.

Também neste ano, o MPDFT emitiu despacho revogando a nota técnica que considerava legal a implementação do projeto distrital Escola de Gestão Compartilhada. Os atuais titulares da Proeduc acompanham o enunciado do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), segundo o qual o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares fere princípios constitucionais da reserva legal e da gestão democrática do ensino público.

Posicionamentos

O Metrópoles procurou a Secretaria de Segurança Pública, a Secretaria de Educação e a Polícia Militar do Distrito Federal na última quarta-feira (14/12), para pedir posicionamento sobre os dados que tratam da suposta impunidade dos investigados por condutas indevidas em escolas.

A pasta da Segurança repassou a demanda diretamente para a PMDF, e a Educação não se pronunciou por não fazer parte das apurações. Até a mais recente atualização desta reportagem, a Polícia Militar não havia enviado retorno. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.

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