Com repressão no DF, canis clandestinos migram para o Entorno

Após megaoperação que desmantelou um criadouro irregular, vendedores seguiram para cidades goianas vizinhas e também para a internet

Fernando Caixeta
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As “fábricas de filhote” que atuam no Distrito Federal, explorando cães e gatos para fins de reprodução, têm buscado novas estratégias para driblar as autoridades. Com o endurecimento de ações policiais coordenadas pela Delegacia do Meio Ambiente (Dema), da Polícia Civil, e pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), os criadores clandestinos têm recorrido cada vez mais à internet.

Outra forma de manter o comércio ilegal em operação é levar os animais a cidades do Entorno do DF, onde o controle é mais frouxo. Conforme a delegada adjunta da Dema, Mariana Almeida, a migração dos canis sem autorização para os municípios goianos vizinhos da capital do país contribuiu para que a procura aumentasse na rede mundial de computadores.

Os anúncios são feitos em plataformas digitais de compra e venda, mas também têm crescido a quantidade de publicações em redes sociais, como Instagram e Facebook. Após o primeiro contato com o vendedor, as negociações costumam ocorrer diretamente pelo WhatsApp.

Alguns insistem em desafiar a decisão judicial que proíbe a venda de pets em via pública. Vendedores já foram flagrados em vans no estacionamento público do Gilberto Salomão, no Lago Sul, na Feira do Guará e ao lado do Carrefour Sul.

Em dezembro de 2018, os desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) decidiram, por unanimidade, manter determinação da Vara do Meio Ambiente e pôr fim ao comércio de pets nas ruas do DF.

A comoção em torno do direito dos animais aumentou depois de uma megaoperação que resultou na apreensão de 80 cachorros — de várias raças — e 12 gatos. A ação ocorreu em agosto do ano passado.

O endurecimento de leis e a repressão policial à prática de maus-tratos em “fábricas de filhote” têm levado criadores de cães e gatos de raça a adotarem novas estratégias. O objetivo é continuar com a venda de animais sem perderem a guarda dos pets durante operações das polícias Militar e Civil.

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Cinco pugs conviviam em gaiola com menos de um metro quadrado
O casal que maltratava os animais para a venda de filhotes assinou termo circunstanciado de ocorrência
Polícia chegou ao local após denúncias
Todos os animais vítimas de maus-tratos foram encaminhados para lares temporários
Animais viviam em meio aos próprios dejetos
Criador clandestino mantinha cachorros de todas as raças
Gato vivia em condições insalubres
Buldogues franceses eram criados em gaiola
Cães da raça spitz alemão eram mantidos em gaiolas
Cadela parida foi apreendida em operação em Vicente Pires

A criação de pets ocorria em uma mansão com muros altos, na qual os animais domésticos eram mantidos em condições precárias. Há suspeita de que alguns tenham morrido afogados na piscina do imóvel. O local onde os bichos se encontravam não tinha energia elétrica. Além disso, os cães e gatos ficavam acomodados em jaulas, gaiolas e até gavetas, num ambiente insalubre — chegavam a conviver com os próprios dejetos.

Esforço coordenado

Na apreensão em Vicente Pires, a operação contou com a participação da Dema, do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) e do Centro de Zoonoses.

“Acontece sempre nesse tipo de ambiente: uma casa acima de qualquer suspeita abriga as criações clandestinas. São animais com problemas psicológicos, com sarna, olho machucado. Tinha uma cadela parida em uma gaveta e um yorkshire que parecia estar morto”, diz a diretora da ONG ProAnima, Mara Moscoso.

Segundo Mara, o cinema, a televisão e a cultura pop ajudam a popularizar algumas raças. Afoitas para para adquirir a variedade “da moda”, algumas pessoas acabam comprando animais sem antes se certificarem de comportamento, cuidados e problemas de saúde comuns àquele tipo de cão.

“Tratam como se fosse um artigo de luxo. Um lulu-da-pomerânia, por exemplo, chega a custar R$ 5 mil com um criador certificado. Porém, a pessoa compra por R$ 600, sem saber da procedência daquele filhote, de como os pais são tratados”, opina Mara.

Animais de raça também são vítimas de abandono. Segundo a protetora, o problema acontece muito mais do que se imagina. Quando a história do livro Marley & Eu virou filme, por exemplo, cresceu o interesse por labradores — raça conhecida pelo comportamento agitado e propenso a várias doenças gástricas e ortopédicas.

“Quando vira febre, a pessoa compra simplesmente porque deseja ter o animal. Quer comprar um cão de grande porte para morar numa quitinete. Quando percebe que não dará certo, que o animal ficou agressivo, muitos acabam abandonados”, conta a diretora do ProAnima.

Vender animais de estimação é permitido pela legislação, mas a prática de maus-tratos e submissão e mantê-los em ambientes insalubres é considerado crime. Há movimentação no Congresso Nacional para a proibição total da venda, provocando reação imediata de criadores, que formaram uma Frente Parlamentar em defesa dos canis.

Problemas de saúde

É comum animais oriundos de canis clandestinos apresentarem várias doenças de origem genética. Isso acontece porque, na tentativa de manter a pureza da raça, fazem cruzamentos consanguíneos entre irmãos e entre pais e filhos.

“A maioria dos shitzus tem úlcera nos olhos; poodles carregam problemas de cegueira e pugs têm dificuldades de respirar. Por não quererem arcar com despesas veterinárias – que são muitas –, os donos acabam abandonando esses cães quando se tornam idosos”, conta Mara.

Mesmo em canis clandestinos, é comum que filhotes de animais maltratados venham com certificado de pedigree. No caso de Vicente Pires, todos os pets tinham a credencial de pureza da raça.

Diretora do Projeto Adoção São Francisco, Daniela Nardeli diz que foram encaminhados 235 pets para a entidade em 2018. “A situação é deplorável. Esses animais recebem o mínimo para sobreviver, de modo que os proprietários obtenham o máximo de lucro”, aponta.

“Os filhotes são vendidos rapidamente, enquanto as matrizes são negligenciadas e obrigadas a parir a cada cio. Recentemente, obtivemos uma decisão favorável para a guarda definitiva de vários yorkshires, que eram mantidos em gaiolas”, conta Nardeli.

O processo de adoção dos cães apreendidos em situação de maus-tratos é rigoroso, sobretudo em relação aos de raça, sobre os quais brotam interessados. Conforme a responsável pelo projeto, o objetivo de tanto rigor é evitar que o animal reviva o sofrimento pelo qual passou.

Por isso, logo de cara, os candidatos são orientados sobre a situação e os traumas pelos quais os pets passaram e recebem explicações sobre os cuidados. Há, ainda, visita à casa do adotante e acompanhamento pós-adoção. Antes da entrega, todos são castrados: uma forma de garantir a não utilização daquele animal como fábrica de filhotes.

Investigações

Em 2018, a Dema registrou 15 ocorrências de crueldade e 132 de maus-tratos contra animais. Como nem todos os casos foram comprovados, a delegacia especializada expediu 49 termos circunstanciados de ocorrência.

“Em virtude de inúmeras razões, os criadores do Distrito Federal se transferiram para o Entorno e estamos apurando a atuação desses canis clandestinos na internet. Com a anúncio, o comprador nem vê os pais do filhote. As partes combinam de se encontrar, o vendedor leva o animal, recebe o dinheiro e está concluída a negociação”, diz a delegada.

O policiamento ostensivo registrou aumento no número de denúncias. Em todo o ano de 2018, foram 11 casos. Nos 10 meses de 2019, o BPMA já deflagrou 12 ações para verificar se animais domésticos estavam sendo maltratados.

Adoção

Vítimas de abandono, muitos animais domésticos acabam no Centro de Zoonoses. Quando chegam ao local, aqueles saudáveis recebem tratamento veterinário e seguem para a adoção. Os cães e gatos com saúde precária são submetidos à eutanásia. Muitas cadelas fêmeas precisam parir lá, mas a Zoonoses também acolhe vários cães de raça que são deixados nas ruas por donos negligentes.

Os interessados em adotar um ou mais bichinhos devem ser maiores de 18 anos e assinar um documento de posse. Nele, se comprometem a cuidar bem do pet, realizar exames, aplicar vacinas e administrar vermífugo.

A Secretaria de Saúde tem apelado à “fofura” de cãezinhos e gatinhos para garantir que sejam adotados. A pasta vem realizando campanhas e ensaios fotográficos com os bichinhos e promovendo feiras de adoção.

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