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Advogados da Terracap cobram R$ 741 mil em honorários da estatal

Montante deveria ser pago por grupos derrotados pelos defensores em ações judiciais, mas um acordo fez a conta sobrar para a empresa pública

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
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1 de 1 terracap - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Com vencimentos que chegam a ultrapassar a casa dos R$ 70 mil mensais, advogados da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) cobram da própria empresa R$ 741.660,73 em honorários. Tudo em meio ao aperto financeiro vivido pela estatal, a qual chegou a pedir empréstimo de R$ 35 milhões a bancos no começo do ano.

Conforme previsto por lei federal e legislação distrital, os profissionais têm direito ao recebimento de percentuais nas causas em que são declarados vencedores. Chamadas de sucumbências, essas parcelas variam de 10% a 20% do valor da ação – fica a cargo do juiz estipular o percentual. As cifras são pagas pelas partes derrotadas nas ações.

No entanto, um dos casos chama atenção. Numa ação judicial contra empresas de engenharia, os defensores da Terracap saíram vitoriosos, mas, por meio um acordo, as empreiteiras não precisaram quitar os honorários de sucumbência. A conta sobrou para a estatal.

Isso porque, no fim de 2017, a Associação dos Advogados da Terracap (Adter) promoveu um tratado de paz com os grupos. O pacto foi selado com a anuência da diretoria do órgão público. Envolvidas em 12 processos distintos, a estatal, representada pela associação, e as empresas toparam encerrá-los em comum acordo.

No documento, a Terracap declarou quitados sete imóveis adquiridos pelas companhias de engenharia no bairro Noroeste e, como contrapartida, recebeu de volta outros três. Ficou combinado também que cada um pagaria os encargos de suas respectivas partes. Os da Terracap foram fixados em R$ 741 mil.

A reportagem solicitou à Terracap todos os honorários sucumbenciais pagos nas causas em que foi derrotada no ano de 2017, mas, até a última atualização deste texto, o montante não havia sido informado. No entanto, conforme a estatal esclareceu, as empresas lhe deviam prestações de alguns imóveis.

O acordo teria consistido na devolução, para a Terracap, de três apartamentos adquiridos pelas empreiteiras. Os valores que já haviam sido pagos por eles foram usados para quitar o saldo devedor dos demais.

Questionada, a Associação dos Advogados da Terracap não disponibilizou as importâncias embolsadas com as causas ganhas em favor da estatal. “São ações que ela [Terracap] ganhou e perdeu. Dentro dessas 12, duas tinham fixado em juízo o montante de R$ 741 mil. Essas ações seriam objeto de execução da associação contra a parte que perdeu. A Terracap fez um estudo financeiro e viu que poderia economizar. Não posso afirmar com precisão, mas era certeza que iria pagar mais [de sucumbência] para a outra parte”, afirmou Bernardo Barcellos, tesoureiro da Adter.

A associação alegou, ainda, ter pactuado com a Diretoria Financeira (Difin) da Terracap que o montante seria parcelado em 10 vezes, com o primeiro pagamento previsto para fevereiro. Segundo a Adter, o dinheiro não caiu na conta.

Distorções
Embora previsto na Lei Federal nº 8.906/1994 e reforçado pela Lei Distrital nº 5.369/2014, o pagamento de honorários de sucumbência é contestado quando destinado a profissionais da administração pública. Um dos contrários é Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Afinal, os servidores foram contratados para essa finalidade. Se perdem as causas, pagam do próprio bolso a sucumbência? Além disso, esses honorários geram distorções entre as remunerações, ainda que pagos pela iniciativa privada. Sou contra essa remuneração a servidor público, direta ou indireta, por cumprir as suas obrigações

Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas

Professor de direito do Estado da Universidade de São Paulo (USP), Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto também vê problemas com o benefício. “Na advocacia privada, se você não tem clientes, ninguém te paga. Se você perde causas importantes, corre o risco de ser demitido. Essas categorias já têm salários bons e estabilidade, independentemente do êxito nas causas. Transferiu-se o bônus do setor privado, mas sem qualquer tipo de ônus [para os advogados do setor público]”.

O professor faz, no entanto, um ponderamento e propõe um cálculo: subtrair as importâncias que a União ou o Estado perdeu em ações dos valores ganhos e, depois, “repartir o bolo”.

MPDFT questiona benesse
Do outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional DF (OAB-DF) defende os seus pares. Segundo argumenta, todas as empresas públicas e estatais devem se adequar ao que fixa o novo Código de Processo Civil quanto ao pagamento de estipêndios advocatícios. De acordo com a entidade, os honorários de sucumbência são essenciais para a plena performance dos advogados.

“Entendemos que os honorários de sucumbência sempre pertencem aos advogados, inclusive das estatais. Oficiamos todas as estatais para que cumpram essa regra e já conquistamos esse direito em diversas empresas”, argumenta Juliano Costa Couto, presidente da OAB-DF.

Em 2014, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando o pagamento de honorários a advogados públicos do DF. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por sua vez, considerou ser legal a lei distrital questionada na ação. O MPDFT recorreu, então, ao Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2016. O recurso foi negado pelo STF, e o entendimento do TJDFT, mantido.

Remuneração
Há na Terracap mais de sete mil ações judiciais, sendo 2,5 mil correspondentes a causas de cobranças feitas pela própria empresa a devedores. O quadro jurídico da companhia conta com 33 profissionais, todos submetidos a concurso público. Até servidores inativos têm direito aos honorários. A benesse é decrescente aos aposentados e paga nos primeiros cinco anos após o desligamento. Depois desse prazo, o ex-servidores perdem o direito.

Em janeiro de 2018, a remuneração dos advogados da Terracap variou entre R$ 11.172,58 e R$ 43.866,98. Em dezembro do ano passado, ninguém ficou abaixo da casa dos R$ 20 mil, tendo um profissional alcançado a cifra de R$ 73.792,14, mais do que o triplo do salário recebido pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB), na casa dos R$ 23 mil.

A estatal alega não se enquadrar nas regras do teto constitucional porque é entidade de natureza pública e se sustenta com os próprios recursos. Assim, muitos servidores ganham mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 33.763).

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