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“A pandemia mudou a maneira como os clientes pensam”, diz presidente do BRB

Em entrevista ao Metrópoles, Paulo Henrique Costa avalia impacto da crise e dá dicas para empreendedores que querem solicitar empréstimos

Vinícius Santa Rosa/Metrópoles
Paulo Henrique Costa, presidente do BRB
1 de 1 Paulo Henrique Costa, presidente do BRB - Foto: Vinícius Santa Rosa/Metrópoles

atualizado

O presidente do Banco de Brasília (BRB), Paulo Henrique Costa, disse ao Metrópoles que os empreendedores precisam entender os próprios negócios a partir da mudança provocada pela pandemia do novo coronavírus.

Em entrevista ao portal, Costa deu dicas para as empresas que estão em busca de empréstimos, como a avaliação do tipo de crédito e a projeção de retomada das atividades para que o valor e o prazo sejam compatíveis com o retorno ao trabalho.

No caso de algumas linhas de crédito, é preciso apresentar um plano de negócio para aprovação do projeto. O presidente do BRB pontuou que esse documento deve conter dados sobre a fonte das receitas, incluir os empréstimos antigos, novos e considerar as modificações nas relações de consumo.

“Quando a gente fala no ramo de restaurante, a participação da entrega a domicílio vai continuar sendo relevante no cenário de retomada. Tantas escolas que têm condições de ensinar a distância vão ter outra dinâmica e os estudantes passarão a assistir aulas em casa, mesmo depois da descoberta da vacina e do tratamento. A pandemia mudou a maneira como os clientes pensam os produtos e serviços e esse plano de negócio precisa refletir o que o empreendedor acredita em relação a esse novo cenário e não somente ao anterior”, assinalou.

Segundo Costa, o BRB tem analisado os parâmetros para concessão de crédito a partir dos requisitos presentes antes da pandemia. “A gente entende que todo mundo sofreu. Se era um bom pagador antes, é natural que, em uma situação como essa, também venha a enfrentar dificuldades”, frisou.

O Supera-DF, programa do BRB que oferece soluções para pessoas jurídicas e físicas a fim de minimizar os impactos econômicos provocados pela crise do novo coronavírus, aprovou R$ 2,793 bilhões entre março e junho.

Do total de recursos distribuídos no âmbito do programa, R$ 1,453 bilhão é referente a novos limites e R$ 1,340 bilhão foi direcionado para repactuações de crédito, ou seja, no caso de clientes que pediram uma pausa nos empréstimos já concedidos. A iniciativa foi prorrogada até 30 de setembro deste ano.

“Quando lançamos o programa, o nosso objetivo era de movimentar R$ 1 bilhão, mas movimentamos quase três vezes o previsto inicialmente”, disse Costa.

Confira a entrevista com o presidente do BRB:

Com a atual crise causada pela pandemia, tomar um empréstimo se tornou a principal alternativa para empreendedores lidarem com a situação. Quais os principais cuidados que se deve ter ao fazer um empréstimo?

O principal cuidado é procurar entender qual é o tipo e o custo do empréstimo e, principalmente, ter uma visão clara de como o negócio estará, ou como pretende que esteja, na retomada da economia, de maneira que o valor e o prazo sejam compatíveis com o retorno do negócio. Isso para que o empreendedor tenha condição de pagar e o empréstimo não vire um problema e um desafio maiores do que próprio desafio que a crise impôs.

Quais são os segmentos que mais têm procurado crédito nos últimos meses, desde o início da crise?

Os setores que mais nos procuraram foram de comércio e serviços e da construção civil, por razões diferentes. Quando o setor da construção civil começou a apresentar um crescimento importante em Brasília, principalmente porque as obras continuaram durante esse período da pandemia, os compradores perceberam as condições vantajosas de tomar um empréstimo agora. Então, quem pode, tem procurado outro imóvel, maior e melhor.

E o setor de comércio e serviços, principalmente, em função do impacto da pandemia, da diminuição do consumo e da não realização dos eventos em função do isolamento social. Esses também são os segmentos que a gente atendeu mais. Entre março e junho, período do Supera-DF, fomos procurados por 6.993 empresas, das quais 5.387 demandaram crédito e resolveram avançar nos negócios. Dessas, a gente conseguiu atender 3.844 empresas. O Supera-DF aprovou, em créditos e repactuações de operações de crédito, R$ 2,793 bilhões. Do total, R$ 1,453 bilhão é referente a novos limites de crédito aprovados e R$ 1,340 bilhão foi para repactuações de crédito, ou seja, clientes que vieram aqui e pediram pausa nos empréstimos.

O valor total superou o esperado. Quando lançamos o programa, o nosso objetivo era de movimentar R$ 1 bilhão, mas movimentamos quase três vezes o previsto inicialmente. Inclusive, resolvemos prorrogar o Supera-DF até 30 de setembro de 2020, mantendo as mesmas condições que lançamos em março.

Quais as faixas de valores de pedidos de empréstimos mais comuns?

Os valores solicitados foram, em média, de R$ 452 mil. Esse número varia muito quando a gente olha o tamanho da empresa. Então, no caso das pequenas empresas, o valor solicitado foi, em média, de R$ 208 mil. A média das microempresas chegou em R$ 57 mil. Nas grandes empresas, a média do empréstimo ficou em R$ 5,6 milhões.

Quando é aconselhável tomar crédito para pagar salários de funcionários? Seria uma estratégia aconselhável para evitar que o capital de giro fique comprometido com folha de pagamento?

É uma boa estratégia, desde que tenha condição de retomar o seu negócio quando a pandemia passar. Cada empresário precisa entender o seu negócio e saber como recompor esse capital de giro. Cada um precisa analisar seu estoque, a característica do seu negócio, o tempo esperado para a retomada e usar esse recurso de uma maneira adequada, considerando toda a fundamentação legal e as possibilidades que existem. As demissões têm custo elevado tanto para o empresário quanto em relação ao impacto social, que é muito grande. Então, sempre que possível, outras medidas devem ser adotadas. E a legislação permite isso: readequação de jornada e de salário.

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Atualmente, as condições estão mais vantajosas para a tomada de novas linhas de crédito do que em outros momentos?

Sim, principalmente aqui no BRB. Nós aproveitamos a redução da taxa Selic e o nosso próprio papel de banco público para oferecer taxas bastante competitivas e, em sua grande maioria, melhores do que a concorrência. Por exemplo, a gente tem taxa de juros a partir de 0,80% para capital de giro e 0,92% para produtos de investimento. A maioria dos empresários tomou esses créditos em outros momentos com taxas mais altas.

Quais fatores influenciam na concessão de uma linha de crédito para um empreendedor? Score, impostos e certidões negativas em dia?

O que o empreendedor tem que ter em mente é a capacidade de pagamento dele, ou seja, se o tamanho do empréstimo e o prazo da parcela que vai pagar cabem dentro do perfil do seu negócio. Ele tem que imaginar o negócio antes da pandemia, lembrar desses números, pegar demonstrações contábeis e contar como isso vai ficar depois.

No nosso caso, a gente também passou a fazer análise com base nas restrições considerando o que já existia antes da pandemia. Então, nós não estamos considerando as restrições recentes no processo de decisão de crédito. A gente entende que todo mundo sofreu em função da pandemia. Se era um bom pagador antes, é natural que, em uma situação como essa, também venha a enfrentar dificuldades. Então, nós estamos tomando nossa decisão de crédito com base nesses parâmetros anteriores e entendendo o momento atual.

Boa parte dos empréstimos que a gente tem concedido é até para regularizar essas pendências que surgiram durante a pandemia. Quando a gente fala de capital de giro, inclui conta de água, de energia, aluguel, pagamento de salário e de títulos que já tinha se comprometido antes da pandemia e precisa sanar.

Dependendo da finalidade do crédito, alguns bancos podem pedir um plano de negócio para verificar a viabilidade do projeto. O que deve constar neste documento?

O plano de negócio precisa ter várias coisas. A primeira delas é a projeção do volume de venda de produtos ou serviços que aquela empresa negocia. É uma estimativa de valores desses produtos e serviços, fazendo, assim, uma projeção das receitas. Os empreendedores precisam considerar todas as despesas que vão incluir no pedido, inclusive, com empréstimos assumidos anteriormente e os novos. É muito comum os empreendedores chegarem no banco e não olharem o impacto desses empréstimos novos no fluxo de caixa. Muitas vezes, a gente senta com eles e mostra que o empréstimo solicitado agora não cabe naquele fluxo de caixa. Então, o principal elemento é entender o seu negócio, projetar adequadamente de onde virão as receitas do caixa e os compromissos com os empréstimos assumidos antes e os novos. Um cuidado que se precisa ter é com a projeção do prazo de retorno. Ainda há muitas incertezas em relação ao cenário econômico.

É importante que o empresário estude as perspectivas de retomada do seu ramo de atuação e estratégias que ajudem na recuperação de receita?

É importante entender o seu negócio não só com base na experiência anterior, mas como a pandemia mudou a natureza do comércio. Quando a gente fala no ramo de restaurante, a participação da entrega a domicílio vai continuar sendo relevante no cenário de retomada. Tantas escolas que têm condições de ensinar a distância vão ter outra dinâmica e os estudantes passarão a assistir aulas em casa, mesmo depois da descoberta da vacina e do tratamento. A pandemia mudou a maneira como os clientes pensam os produtos e serviços e esse plano de negócio precisa refletir o que o empreendedor acredita em relação a esse novo cenário e não somente ao anterior.

É importante ter em mente quais garantias se pode apresentar no momento de solicitação de crédito?

Sempre. Essa é uma outra coisa extremamente importante no processo de concessão e de fechamento da operação de crédito porque isso considera o tamanho do empréstimo, o grau de estabilidade ou de certeza que aquele tipo de negócio carrega. Por exemplo, uma loja de fast food continua com drive-thru funcionando, vai ter um impacto menor no fluxo de caixa e terá, inclusive, estabilidade na projeção das vendas maior do que um restaurante que serve apenas no seu salão. Ou, por exemplo, uma indústria que não foi tão afetada na pandemia, como a indústria de gêneros alimentícios e de bebidas, tem uma estabilidade na sua projeção de receita e de fluxo de caixa bem maior. Então, quando o cliente tem essa característica, a nossa decisão de crédito, muitas vezes, envolve trazer garantias desses recebíveis, aí a gente está falando de cartão de crédito, de contratos, de duplicatas com base nessa projeção do fluxo de caixa. O prazo da garantia que envolve o fluxo de caixa é diferente do prazo da operação de crédito. Por exemplo, às vezes chega um fornecedor do Distrito Federal ou de uma empresa maior, que tem contrato de dois anos, mas quer operação de crédito de quatro anos. Para cobrir essa incerteza em relação aos dois anos finais da operação de crédito, é natural se buscar garantias reais.

Solicitar a antecipação de recebíveis pode ser uma alternativa para sanar rapidamente problemas de caixa?

Pode. É uma alternativa que, de fato, tem um grau de simplicidade e de custo que pode ser bastante positivo. Naquela linha que a gente comentou sobre o que a empresa deve considerar, uma delas é a questão do custo. E a antecipação de recebíveis das maquininhas termina sendo uma operação simples e, muitas vezes, barata.

Quais os cuidados que se deve ter para evitar a inadimplência ou o aumento das dívidas futuras? A realização de um plano de pagamento aos credores é prudente?

O principal cuidado para se evitar a inadimplência é ter uma clareza dos impactos no setor, ter uma boa projeção dos seus negócios e considerar, de uma maneira realista, outros elementos de receita e de despesa, os empréstimos que já existem e os novos.

Se o empreendedor tiver mais de uma dívida, como ele deve se organizar para quitá-las e manter sadia a situação da empresa?

A quantidade de dívidas, por si, não é um problema. É importante que o empreendedor tenha clareza em relação ao valor das dívidas e ao custo. Então, uma parte importante das operações de crédito que a gente tem no BRB envolve portabilidade, ou seja, empreendedores entenderam que as novas operações que nós estamos oferecendo são mais baratas do que as que tinham antes, e, a partir disso, trouxeram as dívidas antigas, diminuindo a parcela e custo do financiamento. Então, de novo, o problema não é ter as operações. A questão é verificar se essas operações estão compatíveis com a sua capacidade de pagamento.

Existe uma linha de crédito específica para quem está pensando em investimento? Aquisição de equipamentos, contratação de profissionais?

Sim. As linhas de crédito são bem diferentes quando a gente imagina a linha de capital de giro e a linha de investimento. A linha de investimento, normalmente, é mais longa e tem prazo de carência maior e prazo para pagar também maior. Então, no nosso caso, as linhas de investimento chegam a ter dois anos de carência e 96 meses para pagar, enquanto uma linha de capital de giro, normalmente, tem até um ano de carência e até 48 meses para pagar.

Agricultores também foram, mesmo que em uma escala menor, impactados pela crise. E com relação ao crédito rural, também é solução para pequenos, médio ou grandes agricultores neste momento?

Sim, existem as linhas de crédito agrícola, que são de extrema importância e seguem o calendário anual das safras. O BRB tem se posicionado com taxas muito competitivas, em especial, no setor da agricultura familiar, no qual as taxas, ao ano, chegam a 2%, ou seja, são muito baixas.