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Baixo preço de medicamento contra sífilis desestimula fabricação

Valor barato da penicilina afasta interesse da indústria, mas Ministério da Saúde garante abastecimento

atualizado

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Não é fácil a luta contra a crise epidêmica da sífilis. Paralelo ao crescente número de registros da doença no Brasil e no mundo, nos últimos anos, o mercado se viu desabastecido da principal droga utilizada no combate à doença.

A situação fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitir, em 2016, um alerta alterando as recomendações para o tratamento da enfermidade. A questão é que a penicilina, que já foi considerada um remédio milagroso, está escassa em todo o planeta. O motivo? O antibiótico não é lucrativo e poucas empresas o fabricam.

Os poucos laboratórios que produzem o remédio o fabricam em pequena quantidade. Além da curta margem de lucro, o medicamento não tem patente. Uma tentativa de solução foi, então, apelar para outro antibiótico, a azitromicina, porém, a substância vem demonstrando ineficiência contra algumas cepas da bactéria da sífilis.

Falta do medicamento
A falta de penicilina tem outras causas. Uma delas é a dependência de países a um pequeno número de fabricantes globais. Poucas empresas no mundo produzem o ingrediente ativo do antibiótico. Elas mantêm a produção de penicilina em níveis baixos, pois o medicamento oferece pouca rentabilidade.

Há, ainda, uma questão produtiva. Em busca de menores custos, as empresas farmacêuticas fragmentaram a produção da penicilina e de outros medicamentos baratos. Dessa forma, os laboratórios passaram a comprar o ingrediente farmacêutico ativo de outras empresas, a maioria na China e na Índia, para formularem o medicamento final. Porém, tal fragmentação torna a cadeia frágil e deixa o abastecimento global instável.

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A falta de penicilina tem outras causas, como a dependência de países a um pequeno número de fabricantes globais

 

Nesse contexto, se um fabricante do ingrediente farmacêutico ativo sai do mercado, afeta as empresas que produzem o remédio, o que pode gerar atrasos na produção e afetar a disponibilidade mundial.

Milhões de pessoas em todo o mundo dependem desse produto. Aproximadamente 33 milhões de pessoas sofrem de cardiopatia reumática crônica – enfermidade que utiliza o medicamento como tratamento – e precisam de injeções mensais de penicilina para evitar a morte. A OMS estima que uma dose única de penicilina benzatina por paciente poderia ter salvado mais de 53 mil bebês, que morreram de sífilis contraída no útero da mãe em 2012, em 30 países.

“A bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis, não apresenta resistência à penicilina. O tratamento é o mesmo desde do início da era dos antibióticos. Algumas pessoas podem ter alergia à penicilina, mas, mesmo nesses casos, o tratamento é seguro”, explica a médica sanitarista Adele Benzaken, especialista em doenças sexualmente transmissíveis.

Em 2017, de acordo com a especialista, foram destinados R$ 13,5 milhões para a aquisição de 2,5 milhões de ampolas de penicilina benzatina para tratamento de sífilis adquirida e sífilis em gestantes (bem como parcerias sexuais).

“Além disso, com esse recurso, foram adquiridas 450 mil ampolas da penicilina cristalina para tratamento de crianças com sífilis congênita. A princípio, a quantidade garante o abastecimento da rede pública até 2019″, diz a especialista.

Ampliação do acesso
Em 2015, o país viu faltar penicilina nas prateleiras. Para piorar, era proibida a aplicação do medicamento pela equipe de enfermagem de unidades de saúde que não estivessem equipadas para evitar um choque anafilático. Se o posto de saúde não tivesse material para entubação, por exemplo, não poderia medicar pacientes de sífilis. E se um enfermeiro resolvesse administrar penicilina, poderia ser responsabilizado.

A situação fez com que Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicasse uma nota técnica revisando a recomendação e afirmando que os profissionais da área estavam aptos a administrar a medicação mediante prescrição médica ou de enfermagem. “A enfermagem tem um papel fundamental no controle da sífilis. Os riscos do não tratamento superam, e muito, o de ocorrências adversas”, afirmou o conselheiro federal Vencelau Pantoja.

Apesar de a compra ser de responsabilidade de estados e municípios, o Ministério da Saúde passou, em 2016, a centralizar as aquisições dos produtos para garantir o acesso da população aos medicamentos, uma vez que os entes federativos isoladamente estavam com dificuldades em adquirir o remédio. Entre 2016 e setembro de 2017, foram entregues 2.175.000 frascos-ampola de penicilina benzatina e e 216.300 frascos-ampola de penicilina cristalina para tratamento da sífilis congênita.

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