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Saiba quem é Sérgio Moriconi. É de se orgulhar e de ficar indignado

Jornalista, sociólogo, cineasta, professor de cinema, Moriconi foi exonerado do cargo de programador do Cine Brasília, o que gerou protestos

atualizado

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Jp Rodrigues/Metrópoles
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1 de 1 sergiomoriconi - Foto: Jp Rodrigues/Metrópoles

Sérgio Moriconi é brasiliense desde criancinha. Veio do Rio de Janeiro em 1960 com a família. O tio de Sérgio, Atahualpa Schmitz da Silva Prego, havia chegado cinco anos antes. Foi um dos primeiros engenheiros a ocupar o clarão vermelho que se abria no quadrado desenhado dentro de Goiás. O pai, Italo Moriconi, montou uma cerâmica na Papuda (hoje São Sebastião) para fabricar os tijolos que ergueram a cidade. Depois, foi designer de mobiliário e montou uma fábrica de móveis em Sobradinho.

Sérgio Moriconi pertence, portanto, à primeira geração de pequenos brasileiros que se fizeram gente na nova capital do Brasil. Ele é candango, pioneiro, brasiliense. Serginho, e nem sou assim amiga, mas me sinto à vontade para falar em nome dos demais, Serginho traz em si o sentido de pertencimento à cidade-maquete.

Programador do Cine Brasília exonerado do cargo pelo novo governo do DF, Moriconi é da geração que tem a cidade nas veias: estudou no Jardim de Infância 21 de Abril, na Escola Classe 114 Sul, no Caseb e na UnB. Tem coisa mais brasiliense? “E continuou aqui, atuando nos espaços públicos”, lembra a crítica de arte Graça Ramos. Sempre buscando, criando e nos oferecendo um lugar que não fosse apenas arquitetura e urbanismo.

Tão logo se soube da inacreditável e inexplicável exoneração de Sérgio Moriconi, a cidade que o conhece, que frequenta o Cine Brasília, que sabe o valor de cada um de nossos lugares de identidade, de nossas pessoas, de nossa claudicante mas valente resistência cultural, tão logo a cidade soube, abriu-se um abaixo-assinado para se tentar reverter a exoneração. Muita gente saiu de casa no meio do sábado e do domingo só para deixar seu nome na lista dos inconformados.

Não se trata nem mesmo de uma exoneração por motivos ideológicos. Sérgio Moriconi se dedica inteira e exaustivamente ao cinema desde que foi aluno de Vladimir Carvalho na UnB nos anos 1970. É a política do aparelhamento que tanto se diz combater.

O Cine Brasília estava esquecido quando Serginho chegou para tomar conta da programação. Não é fácil cuidar de uma sala-monumento – obra de Oscar Niemeyer, com projeto estrutural de Joaquim Cardozo, intervenções de Athos Bulcão e poltronas originais de Sérgio Rodrigues. Não é um cinema para dar lucro, o que deve causar arrepios em quem não imagina que alguma atividade sobre a Terra possa ser exercida sem que seja para produzir money/money/money. É um cinema para fazer pensar.

Jornalista, sociólogo, cineasta, professor de cinema, curador de importantes mostras nacionais e internacionais, autor do premiado Athos, curta-metragem em homenagem ao artista plástico que humanizou as obras de Niemeyer, corroteirista de alguns longas, Sérgio Moriconi é ainda mais: tem bom trânsito no meio dos distribuidores de filmes (atividade que parece bem complicada) e nas embaixadas, o que lhe permitiu exibir filmes que o circuito comercial jamais exibiria (money/money/money).

Sérgio não tinha horário fixo nem deixava o paletó na cadeira – difícil imaginar Moriconi de terno. Se preciso, e muitas vezes foi preciso, buscava ele mesmo as cópias dos filmes no aeroporto. Achava um jeito de adaptá-los, se necessário, para as especificidades técnicas do Cine Brasília, tirando dinheiro do bolso (money não é a coisa mais importante pra um monte de gente, por incrível que pareça).

“O que move Serginho não é o cargo, é a paixão pelo cinema”, diz o arquiteto José Carlos Coutinho, possivelmente o mais ativo frequentador do Cine Brasília. Monumento da arquitetura moderna, patrimônio histórico, o Brasília “nunca vai conversar com o mercado, é muito grande, depende de política pública”, diz Guilherme Reis, ex-secretário de Cultura. “O Cine Brasília estava às traças quando Sérgio chegou. Ele trouxe o público de volta à sala. É muito difícil encontrar em Brasília alguém com a competência do Sérgio para a função. Esse povo é maluco! Chega a ser surreal essa exoneração, pra não dizer estapafúrdia”, indigna-se Vladimir Carvalho, nosso genial documentarista.

Dito tudo isso, ainda faltou uma coisa. Sérgio Moriconi tem uma encantadora e verdadeira modéstia. Ninguém diz que ele é quem é, sabe o que sabe e faz o que faz. Nem ele mesmo. E a cidade ainda perde um cara desses. Não será fácil, não.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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