No fim de semana passado, 221 militares da reserva, dos quais 46 oficiais generais, encaminharam uma petição aos comandantes das Forças Armadas. Nela, o grupo que se autodenomina “Guardiões da Nação” pede que os comandantes se insurjam contra as recentes decisões do TSE, que não só afastou a contestação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, feita pelo PL, como ainda multou o partido de Valdemar Costa Neto em 22,9 milhões de reais, por litigância de má-fé.
Os militares da reserva afirmam que o povo brasileiro está “de mãos atadas” e que, assim, “é natural que busque nas FFAAA, os ‘reais guardiões’ de nossa Constituição, o amparo para suas preocupações e solução para suas angústias, como sua última instância, já que não lhe parece evidente o recurso aos instrumentos de tutela jurisdicional, uma vez que a própria autoridade que deveria prestar essa mesma tutela nega-se a atender esses anseios, inclusive utilizando-se da censura”. Ao final, dizem que é necessário “retornar ao estado de direito e à observância de preceitos constitucionais democráticos fundamentais, como a liberdade de expressão, de ideias e de opiniões; e a garantia de que a vontade do povo, democrática e soberana, seja realizada através de trâmite, com processos transparentes, que possam ser auditados e rastreados em todas as etapas, sejam elas de que tipos foram”.
Na verdade, esses “guardiões da nação” se aproveitam da alopragem dos civis bolsonaristas na frente dos quartéis, bem como do discurso golpista veiculado continuamente por essa gente nas redes sociais, para confundir os cidadãos que têm mais o que fazer e propagar a crença de que vivemos sob ameaça de convulsão social. Não haverá golpe, como não canso de repetir, mas a permanência desse ruído é incômoda. Por isso mesmo, é bem-vinda a informação de que Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar logo o nome do ministro da Defesa, ao qual se subordinam diretamente as Forças Armadas.
O titular da pasta pode vir a ser o ministro aposentado do TCU José Múcio Monteiro. Os militares aprovam o nome, por considerá-lo um conciliador capaz de estabelecer uma boa relação entre a caserna e o seu novo comandante supremo. Se José Múcio Monteiro não for o escolhido, alguém de perfil semelhante o será, ao que tudo indica. É um avanço e tanto a passo de ganso, uma vez que, até poucos dias atrás, falava-se em acomodar no Ministério da Defesa petistas do naipe de Aloizio Mercadante ou Jaques Wagner, como se a pasta fosse apenas repositório de companheiros preteridos a outros cargos. A escolha de um petista desses aumentaria o ruído na frente dos quartéis e também dentro deles. Ainda que militares não tenham de gostar e tenham apenas de obedecer, mal-estares adicionais são supérfluos.
Eu gostaria, contudo, de meter o bedelho para dizer que o Poder Judiciário também pode contribuir para baixar a estridência, enfrentando com serenidade essa insignificante minoria golpista (e os de araque, como Valdemar Costa Neto). A democracia brasileira não precisa ser tutelada com mão de ferro por juízes personalistas — ela já se mostrou forte o suficiente para resistir às vivandeiras que vão bulir com os granadeiros nos bivaques. Os excessos nas reações do Poder Judiciário ajudam a difundir a impressão de que o Brasil está realmente às vésperas de uma ruptura institucional, como querem fazer acreditar militares da reserva e os aloprados civis bolsonaristas. Não está. Na minha modesta opinião, aliás, nunca esteve.
Quem zela pela Constituição precisa agir sem dar margem a quaisquer questionamentos de que ela está sendo descumprida nas suas cláusulas pétreas. Sem dar pretextos a quem deseja, de fato, torná-la letra morta.
Ninguém deve transigir com a ilegalidade, mas está na hora de o Poder Judiciário ser menos transbordante e mais conciliador.