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“Quanto mais cheio de doença, mais difícil ter vaga”, diz médica sobre falta de UTI para idoso no DF

Sem saber que era gravada, especialista relata dificuldades para transferir paciente de 69 anos para uma unidade com suporte hemodinâmico

atualizado

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JP RODRIGUES/ METRÓPOLES
Prédio branco com verde
1 de 1 Prédio branco com verde - Foto: JP RODRIGUES/ METRÓPOLES

A filha de um paciente em estado grave tenta, de forma desesperada, a transferência do pai para uma unidade da rede pública de saúde com suporte hemodinâmico. A técnica é usada para monitorar alterações da pressão arterial. Izaías de Paula Ferreira, 69 anos, está internado há 2 meses e 8 dias no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) e conseguiu, ainda em dezembro, uma liminar para ser tratado em outro local, sem sucesso.

Inconformada com o descumprimento da determinação judicial, Grazielle de Paula Ferreira, 39 anos, gravou uma médica do HRSM (foto em destaque) relatando a dificuldade do sistema que regula os casos mais urgentes. Na sequência, a profissional sugere que o pedido de transferência não seria acolhido pela Secretaria de Saúde, principalmente devido ao quadro do paciente, agravado após o idoso ter sido infectado pela Covid-19, ainda no ano passado.

A doutora não percebeu que o aparelho celular da interlocutora estava ligado e, por isso, a voz e a imagem foram alterados para evitar identificação da médica. Como complicações deixadas pelo Sars-Cov-2, Izaías tem necessidade de hemodiálise pela falência dos rins, apresenta quadro crítico de diabetes e está com apenas 23% do coração em funcionamento, o que explica a necessidade do suporte específico.

“Todos os dias, de acordo com o que a gente escreve, eles [a Regulação] é que fazem esses cálculos. É 1, é 2, qual que é a prioridade. Quando o paciente quanto mais idoso, quanto mais cheio de doença, mais difícil de sair a vaga. Porque, infelizmente, eles acham que a chance desse paciente conseguir sobreviver é baixa. Por isso, todos os dias, eles atualizam [a fila de prioridade]”, afirmou a profissional.

Na sequência, a médica diz que o tratamento feito no HRSM seria para “prolongar a qualidade de vida” do paciente. “A gente precisaria disso também [hemodinâmica] para o coração e isso é feito no HUB [Hospital Universitário de Brasília] e Hospital de Base”, ressalta.

“No HUB, eles falaram que não é para mandar porque eles não vão fazer. Eles já falaram: não precisa mandar para cá mais. Só que aqui a gente não tem hemodinâmica, a gente não tem cirurgião cardiovascular, a gente não consegue tratar o coração dele aqui mais”, desencorajou a especialista.

Assista: 

Falta de estrutura

Como réplica, Grazielle insiste e questiona sobre a vida do pai. “Então aqui não tem mais o que fazer? Aí ele morre aqui?!”, indaga. Como resposta, a médica reforça a falta de estrutura da unidade onde Izaías está internado. “Olha, não é o que estou querendo te dizer. O que estou dizendo é que aqui estamos fazendo tudo o que a gente pode por ele, mas aqui não é o lugar que ele precisa. Ele precisa de uma UTI coronariana ou ir para o HUB”, completa.

Emocionada, a filha pergunta se o pai “pode ir a qualquer momento”. A responsável pelo atendimento reconhece a gravidade do quadro. “Pode. É o que estou te dizendo. A situação dele é muito grave. O coração dele funciona 23%”, registra.

Grazielle é uma dos três filhos de Izaías de Paula Ferreira. Separado, o pai mora com ela no Riacho Fundo. Pelas redes sociais, a organizadora de eventos, que está sem trabalho desde o início da pandemia, desabafou. Ela relata que as próteses dentárias do idoso desapareceram durante a internação, fato que dificulta o pai de se alimentar normalmente. Grazielle também relata demora de “até 3 horas para conseguir medicação contra a dor” para ele.

“Estamos com liminar e não conseguimos transferência, por que? Não tem leito e a preferência é para os mais jovens. E os idosos? Sumiram a ponte dele e quem se responsabiliza? Ele precisa ser tratado na hemodinâmica e não conseguimos vaga. O que ouço aqui [é que] não temos mais o que fazer. Cada dia vejo meu pai piorando e o descaso. Tinha medo de postar e tratarem ele mal aqui no hospital, mais [estou] cansada com tantas coisas erradas”, escreveu.

Veja a documentação sobre o caso:

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O que dizem os envolvidos?

O Metrópoles procurou todas as unidades de saúde citadas na reportagem e também a Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Por nota, a pasta informou que o paciente “está aguardando um procedimento de angioplastia. O procedimento foi inserido em 22/01/2021 no Sistema de Regulação (SISREG) e ainda não está agendada devido à indisponibilidade de vagas. O paciente tem máxima prioridade e será agendado tão logo surja a vaga”.

“A pasta ressalta que o referido paciente já realizou um cateterismo em 17/12/2020 e outros procedimentos e avaliações por especialistas, sempre considerado paciente prioritário devido ao quadro clínico e à internação”, ressaltou a Saúde.

Já o Hospital Universitário de Brasília (HUB) explicou que as vagas do serviço de hemodinâmica são gerenciadas pelo Complexo Regulador da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), que encaminha os pacientes para o HUB.

“Todos os pacientes agendados no HUB pelo Complexo Regulador são atendidos e não há qualquer tipo de recusa. Izaías inclusive realizou um cateterismo no HUB no começo do mês, após ser encaminhado pela secretaria”.

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