As reações acaloradas provocadas pela decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de impedir o uso de recursos do Fundo Constitucional (FCDF) para pagamento de pensões e aposentadorias de servidores vinculados à educação e saúde têm um motivo aparente: a medida criará um verdadeiro caos nas contas públicas locais. O alerta é do próprio Governo do Distrito Federal (GDF), que estudou os impactos imediatos caso a deliberação seja realmente referendada pelo órgão. O rombo pode ultrapassar os R$ 2 bilhões e impedir qualquer possibilidade de reajuste salarial aos servidores públicos locais, além de comprometer investimentos.
Após a decisão do TCU, o governador Ibaneis Rocha (MDB) não poupou críticas ao órgão de controle: “O Tribunal de Contas deveria tomar vergonha na cara e servir para alguma coisa que não seja atrapalhar a vida das pessoas… É um Tribunal que não serve para nada, gasta bilhões e não serve para merda nenhuma”, disparou o emedebista.
Veja a íntegra do discurso do governador:
Documento elaborado pela Subsecretaria do Tesouro da Secretaria de Fazenda, Orçamento, Planejamento e Gestão (SEFP), ao qual o Metrópoles teve acesso, revela a preocupação dos gestores com os cenários criados pela nova realidade imposta para pagamento de servidores aposentados e pensionistas. Na prática, segundo a pasta, o impedimento de se pagar com recursos do FCDF implicaria no não cumprimento dos mínimos constitucionais exigidos de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e em ações e serviços públicos de saúde.
“Isto porque as despesas realizadas com inativos e pensionistas não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em MDE e em ações e serviços públicos de saúde, independentemente dos recursos serem do FCDF ou próprios do DF, e as despesas com servidores ativos quando são custeadas com recursos do FCDF também não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em MDE e em ações e serviços públicos de saúde”, registra trecho da nota.
Em 2017 e 2018, o pagamento de inativos com recursos do FCDF em saúde e educação somou R$ 2,1 bilhões e R$ 2,2 bilhões. Com base nos cálculos de anos anteriores, para o cumprimento dos mínimos constitucionais nas duas áreas, o Distrito Federal investiu, nos respectivos anos, montantes superiores aos mínimos em 1,1 bilhão e 1 bilhão. Para atingir os mínimos previstos para o DF, seria necessário empenhar cerca até R$ 1,173 bilhão a mais dos recursos diretos.
“A título de comprovação da incapacidade do Distrito Federal em suportar o incremento nos gastos para cumprimento dos mínimos constitucionais, citamos a atual classificação ‘C’ de capacidade de pagamento do Distrito Federal, junto à Secretaria do Tesouro Nacional e a disponibilidade deficitária de caixa”, reforça a equipe técnica da pasta. De acordo com o mesmo documento, a disponibilidade bruta total do GDF, incluindo recursos vinculados e não vinculados, é de R$ 1.683.603,00. Contudo, após descontos de restos a pagar e obrigações financeiras – que ultrapassam R$ 2 bilhões – os cofres locais ficam deficitários em R$ 946.276,00.
Além do impacto financeiro, a equipe econômica do governo de Ibaneis Rocha (MDB) acende a luz amarela também pelo fato de o movimento ter “forte impacto” na apuração do índice de pagamento de pessoal no DF, o que também ameaça o equilíbrio das contas públicas no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Antes da decisão do TCU, a Despesa Líquida de Pessoal, em 2018, foi de R$ 9.435.402.642,46. Tendo como base a Receita Corrente Líquida – somatório das receitas tributárias do governo – daquele ano, que foi de R$ 21.708.967.909,42, o valor com gasto com contracheques chegou aos 43,46%. Com a nova realidade, esse mesmo percentual ficaria em 48,86%, tendo como base os dados daquele ano.
Desde que foi sancionada, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites para a despesa com pessoal nos governos Federal, estaduais, do Distrito Federal e dos municípios. O limite prudencial começa em 46,55%; e o teto é quando se chega aos 49%. Até agora, a situação da atual gestão é muito melhor do que se comparada a exercícios anteriores.
Com os cenários previstos com a determinação do TCU, os cálculos baseados nos últimos anos, o limite máximo se aproximaria dos 50%, o que poderia implicar em sanções administrativas e jurídicas contra gestores. Há a previsão até de cassação do mandato como penalidade máxima, em casos mais extremos.
A LRF entende como despesa total com pessoal o somatório dos gastos do ente da Federação com ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de Previdência.
“O cumprimento de eventual decisão que impossibilidade o pagamento de inativos da saúde e da educação com recursos do FCDF acarretará o não cumprimento dos mínimos constitucionais da saúde e educação. Por outro lado, o atingimento desses mínimos constitucionais se torna inviável, pois exigiria aumento de gastos neste momento de fragilidade financeira e elevaria sobremaneira o índice de gastos com pessoal”, conclui o relatório.
O que diz o TCU
Em nota enviada à reportagem, o Tribunal de Contas da União informou que “trata com seriedade, transparência e observância à legislação todos os processos que julga. Exerce com zelo o papel de guardião dos recursos públicos, que lhe é atribuído pela Constituição Federal, e tem convicção de que cumpre o seu dever.”
Suspensão
A suspensão do pagamento foi determinada na noite de quarta-feira (14/08/2019), em processo que analisa prestação de contas do fundo, sob relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues. A decisão do TCU é cautelar (provisória) e deve ser cumprida em até 30 dias. Além disso, a Corte de Contas determinou que o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) apresente um plano de ação para sanear situação que o ministro considerou irregular.
“Vamos recorrer no Supremo, porque essa decisão precisa ser revertida. Os ministros do TCU precisam entender que a cidade não pode ficar sem esses recursos. Este tribunal não serve para merda nenhuma”, frisou o governador nessa quinta-feira (15/08/2019), durante solenidade de lançamento do Portal da Regularização, no Salão Nobre do Palácio do Buriti.
A bancada do Distrito Federal no Congresso Nacional também reagiu à medida e repudiou a decisão do TCU.
“Os deputados e as deputadas entendem que a atual gestão do Governo do Distrito Federal tem se esforçado para cumprir os compromissos com os servidores públicos das áreas de saúde, educação e segurança, no entanto, diante das dificuldades impostas pelo sistema burocrático, ineficiente e distante da real situação governamental, o GDF estará impossibilitado de agir com a liberdade necessária para executar sua obrigação legal de gerir da melhor forma os recursos oriundos do Fundo Constitucional”, diz trecho da nota pública.