metropoles.com

Empresa que trocou teste de Covid-19 por de Hepatite C foi contratada pela Saúde do DF

Especializada em brinquedo, Luna Park preencheu proposta com erro de registro na Anvisa e, mesmo assim, aquisição de kits foi exitosa

atualizado

Compartilhar notícia

Hugo Barreto/Metrópoles
Teste para Covid-19
1 de 1 Teste para Covid-19 - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Na proposta de venda de 100 mil exames de detecção do novo coronavírus para a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, a Luna Park Importação, Exportação e Comércio Atacadista de Brinquedos Temáticos informou registro já cancelado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que se refere a exames específicos para diagnosticar Hepatite C. Ao Metrópoles, a empresa alegou que tudo não passou de um erro de digitação (veja no final da reportagem).

A Luna foi contratada como fornecedora pela pasta e é uma das investigadas na Operação Falso Negativo. Nesta sexta-feira (25/9), a Justiça aceitou denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra 15 investigados no âmbito da operação, tornando-os réus. A decisão é da 5ª Vara Criminal.

No documento que resultou na efetivação do negócio, a Luna menciona que teria a disponibilidade de 100 mil unidades do teste IgG/IgM para Sars-Cov-2, sendo que 10 mil deles com o registro equivocado e, ainda, sem validade. A empresa havia encaminhado proposta contendo especificação de teste “HCV RAPID TEST BIOEASY” destinado à detecção do vírus da Hepatite C.

“Isto é, totalmente destoante do objeto do certame, o que era evidente motivo para desclassificar a empresa”, explica trecho dos autos que tramitam na 5ª Vara Criminal. Contudo, a desclassificação da fornecedora não aconteceu.

De acordo com a ação cautelar, o “erro” foi uma alternativa para despistar das autoridades de fiscalização o objetivo de direcionar a compra dos testes para a Luna Park.

Veja documentos:

0
Contradições

“A conclusão, por ora, é a de que, seja em razão da existência de tratativas que estavam sendo ajustadas nos bastidores, ou mesmo da mera tentativa de despistar o inequívoco direcionamento do certame a esta empresa, certo é que, em momento posterior e que será melhor detalhado adiante, Jorge Chamon [então diretor do Laboratório Central do DF] declara apta a mesmíssima proposta que havia sido rejeitada ao fundamento da cotação de produto destinado à detecção da Hepatite C, e isso, repise-se: sem apresentar absolutamente nenhuma justificativa ‘oficial’ para o manifesto comportamento ‘aparentemente’ contraditório”, reforça a peça.

“As provas colacionadas aos autos, em especial as trocas de mensagens pelo aplicativo WhatsApp, comprovaram que a rapidez, com a qual o procedimento foi iniciado e finalizado, se deveu unicamente aos atos coordenados dos integrantes da ORCRIM [organização criminosa] que, seguindo os comandos do [então] secretário de Saúde, montaram cuidadosamente as peças do processo administrativo para, assim, forjarem uma suposta observância à lei e ocultar que não haveria nenhuma concorrência e sequer atendimento ao interesse público, uma vez que o próprio secretário de Saúde, por meio de ajustes  extraprocessuais ábditos, já havia escolhido previamente como vencedora a empresa de brinquedos temáticos – enfatize-se: justamente a empresa que apresentou o maior valor, qual seja, Luna Park Brinquedos”, completa trecho da ação.

Especializada no comércio de brinquedos, a Luna Park apresentou um orçamento para fornecer os milhares de kits para Covid-19 com preço unitário fixado em R$ 180, o que já apresentaria superfaturamento. No total, o valor indicado para a Luna Park-Importação foi de R$ 3,6 milhões.

“O valor foi 146,57% superior ao menor valor apresentado em todas as dispensas de licitação, qual seja: R$ 73,00”, reforça o documento. O prazo para a entrega foi de apenas um dia, segundo os investigadores da Falso Negativo.

0
O que diz a Luna Park?

Procurada pelo Metrópoles, a defesa da empresa Luna Park informou que a troca de registros na proposta inicial apresentada foi um erro de digitação. “Pegaram a proposta de outra compra, de um produto que era para teste de hepatite e, depois, nos autos, há uma correção e que fala que foi um erro material, mas que os testes entregues foram para Covid-19”.

De acordo com o advogado Alexandre da Cruz dos Santos Neto, a celeridade no processo se deu porque a sua cliente era uma das únicas com disponibilidade de venda dos testes de Covid-19 no Brasil. Segundo ele, foi a primeira vez que a empresa participou de uma dispensa de licitação, então não tinham conhecimento da documentação ara testes de IgM/IgG.  “A empresa tinha [o produto] porque manteve contrato com a China e, por isso, conseguiu a importação”, argumenta.

O defensor desconstrói a tese apresentada na denúncia, uma vez que a empresa até hoje não recebeu os valores devidos, mesmo tendo vídeos para comprovar a entrega da encomenda milionária. “Solicitamos que uma gravação fosse feita para justamente comprovar a entrega do material. Oras, se existe esse direcionamento alegado pelo MP, por que até hoje temos entrado com petições na secretaria para que nos pague o que deve?”, provoca.

O que diz a Secretaria de Saúde?

Também acionada pela reportagem, a Secretaria de Saúde informou que “autorizou a realização de despesa mediante dispensa de licitação referente à aquisição emergencial de testes rápidos para detecção qualitativa específica de IgG e IgM da Covid-19, para atender as necessidades da Secretaria de Saúde”.

Ainda conforme o texto, “a compra ocorreu em favor da empresa Luna Park-Importação, Exportação e Comércio Atacadista de Brinquedos Temáticos Eirelli, com um contrato de valor global de R$ 3.600.000,00, conforme especificado no Projeto Básico dos autos”.

Ainda segundo a pasta, “todos os testes adquiridos no referido processo foram encaminhados para as unidades da rede de saúde que, na época, realizaram a testagem no Distrito Federal. A pasta reforça que, até o momento, não existe nenhuma manifestação da área técnica que confirme a má qualidade dos testes, que foram recebidos, aprovados e distribuídos, conforme sempre ocorre”.

“Por fim, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informa que está à disposição do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios MPDFT), colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos”.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?