O governo Bolsonaro demorou cinco meses para propor um programa federal de distribuição de absorventes e analisou a proposta às pressas, em apenas quatro dias. A urgência fez com que o parecer jurídico do Ministério da Saúde acontecesse em poucas horas, e os posicionamentos dos ministérios da Justiça e da Educação fossem enviados apenas por e-mail, o que é incomum.
Em outubro do ano passado, Jair Bolsonaro havia vetado um amplo projeto do Congresso que buscava combater a pobreza menstrual. Na época, em uma tentativa de rebater as críticas ao presidente, a então ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, prometeu um programa federal “nos próximos dias”, o que não aconteceu.
Documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação apontam que o projeto do governo só começou a tramitar no Ministério da Saúde em 5 de março deste ano, um sábado. Dali a três dias, o decreto, ainda incompleto, seria anunciado por Bolsonaro no Planalto em uma cerimônia do Dia da Mulher.
A medida duraria pouco tempo: na mesma semana o Congresso derrubaria o veto presidencial e garantiria que 2 milhões a mais de mulheres recebessem o item básico de higiene.
Na segunda-feira (7/3), a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde recebeu um pedido urgente: teria de aprovar a proposta em poucas horas, o que foi atendido. Naquele dia, a sugestão de decreto chegou ao Palácio do Planalto.
O setor jurídico da Presidência, subordinado à Secretaria-Geral, referendou o texto no dia seguinte à noite, terça-feira (8/3), Dia da Mulher. O departamento destacou que a urgência levou o processo a não tramitar nas outras duas pastas envolvidas, o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça.
A solução, atípica, foi colher os posicionamentos por e-mail. É comum que pareceres jurídicos de ministérios passem por várias versões, com recomendações textuais, jurídicas e até políticas, até que cheguem a um consenso.
O Planalto promoveu uma cerimônia do Dia da Mulher pela manhã para anunciar o decreto, que ainda não estava pronto. No discurso, Bolsonaro afirmou que as mulheres estão “praticamente integradas à sociedade”.
O texto recebeu a última assinatura de um funcionário da Presidência às 22h36 daquele dia e foi, enfim, publicado no Diário Oficial. Mesmo com a pressa do governo, o Congresso considerou o texto muito restritivo e sacramentou a distribuição ampla de absorventes pelo SUS.