FAB e Exército fecham convênios de R$ 749 mi com ONG citada em desvio

FAB e Exército fecham convênios de R$ 749 milhões com ONG citada em investigação sobre desvio de recursos públicos em obras da Aeronáutica

Paulo Cappelli
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A Força Aérea Brasileira (FAB) e o Exército celebraram convênios, em um total de R$ 749 milhões, com uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) investigada em diferentes esferas. Beneficiada com um termo de parceria de R$ 617,8 milhões com o Exército e com outro de R$ 131,9 milhões com a FAB, ambos em 2021, a Oscip já teve funcionários denunciados pelo Ministério Público Militar por corrupção, é alvo de um inquérito no Ministério Público Federal e já teve contratos questionados em uma auditoria no Tribunal de Contas da União.

O objeto das investigações são convênios celebrados com a FAB. As apurações envolvem a Oscip Organização Brasileira para o Desenvolvimento Científico (CTCEA), que tem atualmente entre seus quadros 23 militares da reserva, sendo 18 da Aeronáutica, quatro do Exército e um da Marinha. Os órgãos de investigação apontam que a CTCEA, com sede no Rio de Janeiro, teria facilidade em obter contratos com a FAB pelos oficiais da reserva que fazem parte seus quadros.

O Tribunal de Contas da União já havia determinado que a Aeronáutica apresentasse em 2017 um plano para substituir as contratações de empregados da Oscip por militares da própria FAB, já que se trata de atividade finalística da Força Aérea.

“Agentes públicos treinados pelo Estado e que, então e por isso, detém conhecimento restrito e imprescindível à atividade estatal, se organizam de modo a não restar alternativa à Administração senão a de contratá-los para prestarem serviços sem competição e segundo condições estabelecidas por eles mesmos. É claro que essa situação que põe a Administração e o interesse público refém de interesses particulares exige das autoridades competentes reação à altura”, apontou o MP do TCU na ocasião.

O tribunal não concordou em aplicar multa aos oficiais da FAB, medida defendida pelo Ministério Público. A corte acolheu a proposta de reformulação apresentada pela Aeronáutica e constatou o cumprimento das adequações solicitadas.

Em 2020, um ano antes da assinatura dos novos convênios com Exército e Aeronáutica, o Ministério Público Militar denunciou três funcionários da CTCEA, sendo dois coronéis da FAB da reserva e um engenheiro civil, por desvio de recursos públicos em obras.

O MPM aponta que o trio participou de fiscalização de obras da Aeronáutica em Minas Gerais e aprovou análises de medição fraudulentas, gerando notas fiscais falsas para serviços que não foram prestados em 2010 e 2011. Os valores desviados chegariam a R$ 10,4 milhões, em valores não corrigidos.

Após receber a denúncia, a Justiça Militar considerou que o processo prescreveu, pois se passaram mais de oito anos dos supostos crimes.

As relações da CTCEA com a FAB também chegaram ao Ministério Público Federal. Em 2018, após uma denúncia anônima, o MPF instaurou um inquérito civil que apura um possível superfaturamento nos contratos da Aeronáutica, em um esquema que teria a conivência de 15 militares. Em agosto de 2022, instado pelo MPF, o Comando da Aeronáutica afirmou que, ao tomar conhecimento da denúncia, sequer havia aberto uma sindicância pela suposta falta de elementos mínimos.

Em agosto, Aeronáutica requereu ao MPF o arquivamento do inquérito, medida não atendida pelos procuradores, que prosseguem com a investigação.

Novos convênios com o governo

Apesar da recomendação do TCU para que a Aeronáutica interrompesse a contratação de terceiros para desempenhar tarefas que cabem a ela, a FAB celebrou novos convênios com a CTCEA. Em dezembro de 2021, a Aeronáutica firmou termo de parceria com a Oscip por R$ 131,9 milhões, sem seleção pública.

Em janeiro do mesmo ano, foi o Exército quem garantiu à Oscip o maior convênio já celebrado com o governo, R$ 617,8 milhões, após uma seleção. A CTCEA participou de chamamento público com outra oscip, a Sagres, e acabou escolhida por preenchimento de critérios.

Segundo o Portal da Transparência do governo federal, o convênio com a Aeronáutica tem vigência até 2026 e tem como objetivo “cooperação para elaboração, desenvolvimento e implementação de novos modelos produtivos e de sistemas alternativos de produção nas áreas de manutenção de equipamentos e sistemas utilizados no controle de tráfego aéreo e na proteção ao voo”. E, também, “suprimento técnico, de capacitação e de impressão de publicações aeronáuticas”.

Procurada, a Aeronáutica não se pronunciou sobre a investigação do MPF envolvendo militares da ativa e a CTCEA, e afirmou, por meio de sua assessoria, que “não houve necessidade de publicação de edital de concursos de projetos para a seleção de Oscip” em 2021, visto que os projetos da Oscip já teriam prestação de contas aprovadas de outros projetos com o mesmo objeto, o que dispensaria a necessidade de uma nova seleção pública.

A Aeronáutica informou ainda que o novo termo de parceria celebrado em 2021 foi aprovado pelos órgãos consultivos da Advocacia-Geral da União. “A Força Aérea Brasileira reitera que os processos licitatórios são transparentes, com estreita observância aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, diz trecho da nota.

A Força Aérea não informou quantos profissionais da CTCEA estariam envolvidos nas tarefas que são objeto desse novo contrato nem comentou a afirmação do MP no TCU sobre a presença de militares da reserva nos quadros da Oscip.

Já o convênio com o Exército, cuja validade vai até 2035, tem como finalidade o “atendimento de necessidades de apoio, planejamento, gestão e fiscalização dos Projetos de Implantação do Programa Estratégico Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron)”.

Sem citar as investigações que já envolveram a CTCEA, o Exército afirmou que “o processo que resultou na assinatura do termo teve início em 2019, com detalhado estudo preliminar, a partir do qual concluiu-se que a celebração de um instrumento de parceria”. E que “foi definido que o modelo de obtenção mais vantajoso seria uma parceria com o Terceiro Setor”, por meio de termo de parceria. O convênio prevê a atuação de 70 funcionários da CTCEA.

Procurada, a CTCEA afirmou que, por ser uma Oscip, sua contratação não é subordinada à Lei das Licitações, mas sim ao disposto no artigo 23 do Decreto no 3.100/99, que trata da realização da concurso de projetos. Sobre os funcionários citados em investigações, a CTCEA afirmou que não recebeu qualquer comunicação oficial sobre os inquéritos e que as comunicações do MPF e do MPM foram dirigidas à Aeronáutica.

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