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“Ex-mulher de Bolsonaro ficava com 80% do meu salário”, diz homem que trabalhou para família

Marcelo Luiz dos Santos, que trabalhou por 14 anos para o clã Bolsonaro, afirma que Ana Cristina Siqueira Valle chefiava rachadinha na Alerj

atualizado

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Arquivo pessoal
Marcelo Luiz Nogueira dos Santos
1 de 1 Marcelo Luiz Nogueira dos Santos - Foto: Arquivo pessoal

Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, funcionário da família Bolsonaro durante 14 anos, afirma nesta entrevista que Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente, comandou o esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro antes de o ex-policial Fabrício Queiroz ser contratado para a função.

Segundo Marcelo, o esquema era replicado por Ana Cristina no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro. O ex-funcionário da família também declara que a mansão onde Ana Cristina mora atualmente com o filho, Jair Renan, no Lago Sul, em Brasília, foi comprada por ela e registrada em nome de laranjas. A propriedade tem 1.200 m² de área total e 395 m² de área construída, piscina de 50 m², aquecimento solar e quatro suítes.

A defesa de Flávio Bolsonaro afirmou para a coluna que o parlamentar desconhece as afirmações de Marcelo Luiz Nogueira dos Santos. Também disse não saber de supostas irregularidades que possam ter sido praticadas por ex-servidores da Alerj ou possíveis acertos financeiros que, eventualmente, tenham sido firmados entre esses profissionais. A nota ainda afirmou que Flávio sempre seguiu as regras da Assembleia Legislativa e que tem sido vítima de uma campanha de difamação.

Carlos e Jair Renan Bolsonaro foram procurados, mas não responderam. A coluna não conseguiu contato com Ana Cristina Valle. O espaço está aberto para manifestações.

Leia abaixo os primeiros trechos da entrevista de Marcelo à coluna

Como começou sua relação com a família Bolsonaro?

Eu namorava o cabeleireiro dela [Ana Cristina] no Rio. Eu trabalhava numa confecção há sete anos. Fiquei desempregado. Na época, tinha seis meses de auxílio-desemprego para receber. Conversando com ele, falei: “Poxa, Cláudio, estou acostumado a trabalhar. Não consigo ficar em casa”. Sempre trabalhei, desde novo, e não conseguia ficar em casa. Ele disse: “Marcelo, está em época de campanha, tem uma cliente minha que é esposa de um político aí. Quando ela for ao salão, vou perguntar a ela, porque sempre pegam gente para trabalhar nessa época, e não tem vínculo, vai receber seu dinheiro e ainda receber auxílio”. Achei uma boa. Ana Cristina foi ao salão, Cláudio falou com ela, que me mandou ir lá no gabinete do Flávio em Bento Ribeiro. Foi quando a conheci e comecei a trabalhar na campanha. Ela gostou de mim, o Bolsonaro e os garotos gostaram.

Em que ano foi isso?

2002. Foi na primeira campanha do Flávio. Gostaram de mim e fiquei. Foi quando o Flávio foi eleito e tinha de lotar o gabinete. Foi quando ela me procurou e me convidou a trabalhar sugerindo essa questão da rachadinha.

Ela propôs como?

Que eu teria um contracheque no valor tal, mas teria que passar para ela o valor tal, que nem lembro na época quanto era. Minha situação era de uma pessoa desempregada, ganhava pouco na confecção. Eu não iria dispensar. Ia ter conta em banco, todos os meus direitos.

Ela ficava com 80%?

Ficava. E eu trabalhava, hein? Das pessoas que não trabalhavam, que eram só laranjas, ela ficava com praticamente tudo, só dava uma mixaria para usar o nome e a conta da pessoa. Eu ainda ganhava mais ou menos, porque trabalhava. Para o pessoal de Resende, ela só dava um “cala-boca” para usar o nome e a conta, porque eles não trabalhavam. Eu trabalhava, então ganhava um pouco a mais. Não era igual para todo mundo. Cada caso era diferente. Mas vamos colocar nessa faixa, de uns 80%.

Você tem alguma maneira de provar?

Aí não, eu tenho só a palavra mesmo.

Quanto tempo você ficou no gabinete de Flávio Bolsonaro?

No do Flávio, fiquei de janeiro de 2003 a meados de 2007. Peguei dois mandatos dele. Saí de lá no ano da separação.

Qual era sua função?

Ficava no gabinete do Flávio. Às vezes, ficava no gabinete de campanha de Bento Ribeiro. Eram vários serviços. Atendia cliente por telefone, tinha o serviço de correspondência. Cada época variava. Tinha muito trabalho de correspondência. Envelope, informativo, quase o ano inteiro, para colocar selo, etiqueta. O serviço era quase todo esse. Tanto para o Flávio como para o Carlos era assim: quando nos mandavam para lá, era para atender os eleitores que iam ao local, atender telefone. Sempre faziam um rodízio. Quando eles não estavam lá, íamos para o gabinete de campanha em Bento Ribeiro para fazer esse trabalho informativo, para botar para os eleitores. Esse era o forte dele. E também entregávamos na rua. Ele sempre fez questão de entregar as cartas em mãos. Ele nos colocava para a rua. Dividia por área e nos mandava entregar de casa em casa. Queria que procurássemos, conversássemos com o eleitor. Por isso, tem um eleitorado muito fiel. Sempre fez questão de estar presente. O Flávio falava: “Não é para chegar lá, enfiar no correio ou em cima do muro. Chame, veja se ainda está vivo”, até porque tinha muito aposentado e, se tivesse morrido, para tirar do cadastro. Nosso trabalho era esse. Frequentava a casa dele direto. A Ana Cristina não tinha amigos. Ela se apegou a mim, e eu frequentava a casa deles direto.

Você começou a trabalhar com o Jair Renan criança, certo?

Tinha uns 3, 4 anos. E ia para lá direto. A Ana Cristina me chamava, porque o Renan se apegou muito a mim. Era sozinho. Ninguém tinha tempo para ele. Eu sempre fui criança. Quando passei a frequentar a casa dele, brincava com ele, o levava para correr na rua. Foram morar na Barra, em frente à lagoa, o Renan adorava catar guaiamu. Ia com ele. Ele se apegou muito a mim. Quando saía do trabalho, eu ia com eles no carro para a casa deles. Dormia lá, no dia seguinte ia trabalhar de novo. Acabei virando íntimo. Quando Ana Cristina e Jair se separaram, ela teve de dispensar as empregadas que tinha. Ela me chamou para trabalhar com ela, porque eu já tinha saído do gabinete do Flávio. Eu não iria aceitar, mas o Bolsonaro me procurou e me pediu. Ela não tinha tempo, não dava atenção, nunca deu. As empregadas que tomavam conta dele, ela teve de dispensar. Dispensou duas e a que era para ficar não quis. Ficou sem ninguém. Quando Bolsonaro falou comigo, me pediu e eu fui. Ela me pagava um salário e ele me dava um dinheiro por fora.

Em que ano foi isso?

2007, depois da separação. Essa confusão toda foi no mesmo ano.

De lá até hoje, você continuou trabalhando para ela, recebendo salário sem estar lotado em lugar algum?

Sem estar lotado. Tanto que agora vou lutar na Justiça, porque desta vez, agora que fui para Resende e ela voltou da Noruega, trabalhei cinco anos lá sem assinar minha carteira.

Em algum momento ela assinou sua carteira?

Não, em momento nenhum. Quando fui para o apartamento, era provisório, não era para ficar com ela e com o Renan. Eu mesmo disse que não queria assinar a carteira para não ter trabalho. Eu mesmo abri mão nessa época. Mas logo depois, ela decidiu ir para a Noruega e ficou o dito pelo não dito.

No período em que Ana Cristina viveu na Noruega, nos cinco anos que ela ficou lá, você trabalhou com o quê? Viveu de quê?

Trabalhei em cinema, com carteira assinada, em borracharia… Da parte do Jair [Bolsonaro] com trabalho, eu cortei vínculo na época em que eu saí do [gabinete do] Flávio. Quando ela voltou da Noruega, construiu a casa em Resende e me procurou novamente. Como eu ia mudar de cidade e largar minha vida no Rio, aí disse para ela assinar minha carteira. Ela falou que iria assinar, mas me enrolou. Não pagou nem INSS, nem arrecadação de nada. Adoeci em 2018, fiquei três meses no hospital, quase morri. Poderia estar aposentado agora pelo jeito que fiquei. Mas por causa dela, não pude dar entrada em nada. Ela não pagava nada. Não tinha carteira assinada. Quando saí do hospital, ela abriu um MEI para mim e começou a pagar o MEI, em 2019. Ela só pagava o MEI, dizia que iria assinar a carteira, e um dia falou: “Mas se assinar sua carteira, você vai ficar muito caro para mim”. Falei: “Engraçado, você quer ostentar vida de luxo e o funcionário fica caro”. Ela falou que ia resolver, mas nunca resolveu. Eu fiquei quieto, decidi não me estressar, porque esse meu direito é certo e ela é advogada. Deixei para lá e sabia que a hora que colocasse na Justiça era um direito garantido. Fui levando. Ela decidiu ir para Brasília e chegou para mim e disse: “Marcelo, vou para Brasília, queria tanto que você fosse comigo, porque o Renan está lá”. Falei: “Cristina, não quero ir para Brasília nenhuma, me deixe quieto aqui, arrumo emprego aqui, trabalho por aqui mesmo”. Ela ficou me perturbando. Falei: “Cristina, já saí do Rio, vim para Resende, agora me adaptei a Resende, você acha que vou sair de Resende e vou para Brasília sem conhecer nada nem ninguém? Vou ganhar quanto?”. Ela: “Ah, Marcelo, a gente conversa”. Falei: “‘A gente conversa’, não. Por menos de R$ 3 mil, não vou”. Ela falou: “Então, está bom”. Ela chamou o Renan e falou: “Renan, o Marcelo estava falando que, por menos de R$ 3 mil, ele não vai para Brasília. Se você me ajudar, ele pode ir”. O Renan e ela concordaram de me pagar. Fizeram de tudo. Fui para Brasília. Eu sozinho, sem nenhum outro empregado.

Você tem quantos anos?

Cinquenta. E ela não tem mais um pingo de consideração comigo. Eu lavando, passando, cozinhando. Ela comprou aquele casarão lá e eu trabalhando sozinho, trabalhando o mês todo. A mudança chegou, montei a casa toda. Não questionei, até então, sobre outro funcionário. Lógico que mais tarde eu faria isso, porque não daria conta daquela casa sozinho. Quando passou o primeiro mês, que fui pedir meu pagamento, ela veio com R$ 1,3 mil. Porque em Resende, ela me pagava R$ 1,3 mil. Falei: “Você não combinou isso comigo”. Ela me disse: “Marcelo, não posso te dar agora, porque não tenho dinheiro. Tem que esperar”. Falei: “Esperar? Você comprou casa, está reformando casa e eu que tenho de esperar? Está de sacanagem com a minha cara. Você me tirou do Rio, me desfiz das minhas coisas, da minha casa, montei toda a minha casa, acabei dando tudo, para você fazer isso comigo?” Ela: “Você vai ficar morando na minha casa”. Eu disse que não era obrigado a morar na casa dela.

Isso na casa do Lago Sul, onde ela mora?

Lá no Lago Sul. Falei para ela: “Cristina, não sou obrigado a morar na sua casa. Trabalho para ter meu canto e em Brasília tudo é caro. Você pensa que vou ficar na sua casa e ser seu escravo? A escravidão já acabou. Você é racista. Isso é racismo. Você me tirou lá do Rio só porque em Brasília eu não tenho ninguém e não conheço nada? Acha que vou aceitar o que quer fazer comigo? Está muito enganada, minha filha”. E juntei todas as minhas coisas e meti o pé.

Quando foi?

Agora em junho.

Qual sua relação com Jair Renan?

O Jair Renan não está nem aí para nada. Tanto que, quando teve essa confusão com a mãe dele, ele falou para mim: “Marcelo, combinei com a minha mãe. A minha parte eu posso dar”. E ela: “Mas isso é um absurdo, porque estou sem dinheiro”. Quando saí, coloquei minhas coisas no carro do pedreiro que estava trabalhando lá, não sabia nem para onde levar. O Renan me ligou e foi atrás de mim. Ele me perguntou para onde iria. Falei que ainda não sabia e que só queria sair da casa da mãe dele. Ele falou para ir ao apartamento do pai dele e me levou para o imóvel do Bolsonaro no Sudoeste. Fiquei lá um mês, para resolver minhas coisas, mandar para o Rio, conseguir comprar a passagem. Ele me deu suporte, mas ele mesmo disse: “Marcelo, o que você resolver está resolvido”. Ele não se mete.

Após a separação, você manteve contato com Jair Bolsonaro?

Não. Na época em que a Ana Cristina era casada com o Jair, no período em que trabalhei, sim. Dali para frente, quando ela se separou do Jair, saí e fui ficar com ela, por causa do Renan. Fui embora com ela. Passei a não trabalhar mais com ele. Não posso te afirmar, da separação em diante, como ficou a situação. Depois que descobri a história do Queiroz, que não sei como funcionava, não posso opinar. Mas na época dela, posso dizer. Se você fizer as contas do patrimônio dela, não fecha. Fora as coisas que tem no nome de outros.

Em nome de quem?

Ela tem coisas no nome de laranjas.

Sabe quem são os laranjas?

Não sei, só sei que existem. Como na casa atual, de Brasília, que também foi comprada no nome de laranjas.

Como foi isso?

Ela mesma me contou. Participei de tudo, de toda a transação. Ela me contava. Contava para mim e para o Renan. Sei de tudo. [O casal] foi laranja nessa situação. Eles fizeram um contrato de gaveta de compra e venda e registraram como aluguel. Entendeu? Eles têm o contrato de Brasília, de compra e venda, para quando ela acabar de quitar a casa passar para o nome dela, porque queria evitar escândalo.

Ela falou quanto pagou pela casa?

Sei que estava numa história de R$ 2,9 milhões para R$ 3,2 milhões. Não sei sobre o final. Não sei por quanto bateram o martelo.

E ela passa todo mês o dinheiro para eles pagarem o financiamento?

Acho que são R$ 15 mil mensais, mas acredito que ela vai começar a pagar só daqui a seis meses, até ela terminar de fazer a reforma. Era o período para ela poder fazer a reforma lá na casa, entendeu? Eles fizeram esse acordo aí.

E ela deu alguma entrada para comprar a casa?

Deu.

De quanto?

Não sei, mas ela deu uma entrada. Sei que ela deu porque estava com o dinheiro que tinha da venda de um apartamento.

O que você sente hoje em dia em relação à família Bolsonaro?

Em relação a ela. A eles, não, porque foi ela quem ferrou com minha vida. Agora, eu vou te dizer a verdade sobre o motivo para eu ter deixado o gabinete do Flávio.

Leia amanhã a continuação das revelações do ex-funcionário dos Bolsonaros

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