Rafael Coutinho, filho de Laerte, dá curso sobre narrativa em HQs

Rafael Coutinho é um homem muito ocupado. Cada vez mais versátil, ele se envolve em inúmeros projetos que contemplem a sua disposição para as artes gráficas e os quadrinhos. Filho de Laerte, mas andando em um compasso completamente diferente da visão do pai para esta forma de arte, ele é talvez o mais importante quadrinista brasileiro […]

Ciro Marcondes
Compartilhar notícia

Rafael Coutinho é um homem muito ocupado. Cada vez mais versátil, ele se envolve em inúmeros projetos que contemplem a sua disposição para as artes gráficas e os quadrinhos. Filho de Laerte, mas andando em um compasso completamente diferente da visão do pai para esta forma de arte, ele é talvez o mais importante quadrinista brasileiro de sua geração.

“Cachalote”

Seus três trabalhos principais refletem suas diferentes facetas e preocupações. “Cachalote”, que ele fez com o escritor gaúcho Daniel Galera, mostra o entrecruzamento de vários personagens e suas vidas ingratas/vazias, em uma narrativa tocante, afeita a detalhes. “O Beijo Adolescente”, uma obra in progress que já teve três volumes, é uma metáfora para a força da mentalidade dos jovens na cultura contemporânea. Psicodelicamente colorida, essa HQ mostra uma realidade onde os adolescentes ganham super-poderes transmissíveis por meio do beijo.

Sua obra em quadrinhos mais recente é “Mensur”, um colossal romance gráfico que levou sete anos para ser produzido. De volta ao preto-e-branco hiper detalhista e fortemente expressivo, aqui adentramos no mundo oculto de uma agressiva luta de espadas alemã que chega ao Brasil e se espalha sordidamente numa sociedade secreta. Coutinho aproveita esse mote para fazer uma clínica radiografia da sociedade brasileira e da individualidade masculina. É o seu trabalho mais impressionante.

“O Beijo Adolescente”

O quadrinista desembarca em Brasília para nada menos que três eventos. No dia 17/6, participa da Feira Dente de Publicações, no Conic, e lança “Modo Avião”, livro que ele publica junto ao escritor J.P. Cuenca e ao cantor Lucas Santtana. No dia seguinte, ele vai para a Feira do Livro, no Pátio Brasil, para lançar “Mensur” e participar de um bate-papo. Na segunda-feira (19), Coutinho, junto ao quadrinista brasiliense Gabriel Góes, ministra no Espaço Cult (215 Sul) o primeiro encontro da “Oficina de Desenho e Narrativa para Quadrinhos”.


Fiz quatro perguntas para Rafael Coutinho. Não deixe de vê-lo em Brasília por estes dias!
1 – Seu novo livro, “Mensur”, levou sete anos para ser finalizado. Ele trata da obsessão, de um homem perdido, por um culto secreto a lutas de espadas. Você diria que sua obsessão com o livro acabou se transferindo para o personagem? Como foi o processo de elaborar uma obra tão longamente?

Não sei exatamente quem transferiu pra quem. Penso também que o livro de certa forma me estimulou a entrar nessa frequência. Foram longos anos convivendo com essas histórias, personagens, seria como resumir uma relação afetiva, um casamento, algo do tipo. Houve momentos em que estive muito desconectado do projeto, outros que trabalhei de forma mecânica, e muitos em que conversei com esses personagens e enredo sobre mim, encarando questões minhas também, muito pessoais. Escrever um livro não é uma coisa muito matemática, mas precisa resultar em algo coeso, com uma orientação clara.

Me entreguei a um processo muito mais sensível e amalgamado com a vida, as coisas, nesse livro. O livro sofreu mudanças dramáticas dentro do que eu vivia e pensava, de como eu entendia os dramas dos personagens. Tive que aprender a não odiar os aspectos horríveis que me incomodavam na história, de certa forma aprender com o pior dela, deixar de lado meu julgamento moral, porque em muitos momentos caí na pergunta: “se estou escrevendo e humanizando esse personagem ou atitude violenta, machista, será que estou chancelando ela?” Essa barreira entre realidade e ficção é complicada, porque mesmo que eu saiba que se trata de uma ficção, eu escolhi o tema, eu mergulhei nele, e não posso me render ao desejo de corrigir os erros do mundo e acabar com um livro didático e moralista.

2 – Seu curso “Oficina de desenho e narrativa para quadrinhos” tem como proposta “desbravar juntos novas formas de se entender histórias em quadrinhos”. Pensando nesse sentido, você acha que as HQs podem revelar novas formas de aprender? Podem ser uma pedagogia?
Com certeza, o potencial da linguagem ainda é muito pouco explorado. Tenho visto e participado de processos de criação de quadrinhos mais distantes dos cânones massificados, e é maravilhoso ver o que se pode fazer de uma forma narrativa por pessoas que nunca tiveram ou tiveram pouco contato com a linguagem na vida. Pra te ser sincero, são as produções que mais me tocam. Um quadrinho mais cotidiano. O objetivo é dar ferramenta e opções pra que o fazer artístico seja mais próximo da realidade das pessoas, que desenham às 22h, às 23h, cansadas, com pouco tempo para leitura, para elas. E fazê-las entender que não existe mais o jeito correto de fazer, o desenho bonito, desconstruindo a estética vigente, aceitando o que elas têm pra oferecer e percebendo o incrível valor que aquilo tem.


3 – Nos quadrinhos de Laerte há uma predileção por temas metafóricos e traço simples, mas efetivo. Os seus quadrinhos, de certa forma, parecem fazer de tudo o contrário: têm traço e temas mais realistas. Você diria que é uma coincidência ou realmente há no artista uma maneira especial de lidar com a arte do pai?
Tenho uma relação muito próxima com ela, somos amigos, nos vemos semanalmente, falamos no telefone desde sempre, trocamos figurinhas. Deve figurar aí no meio um monte de mecanismos dos quais não tenho nenhum controle ou ideia, e confesso que prefiro não saber demais sobre isso. Adoro o trabalho dela, me instiga e me dá altos cliques, mas não respondo conscientemente contra ou a favor.
4 – O que os alunos da “Oficina de desenho e narrativa em quadrinhos” podem esperar do curso, no sentido de aprimorar suas técnicas narrativas?
É um mergulho dentro do potencial de cada um. Tentamos mostrar múltiplas formas de fazer disso uma ferramenta fundamental, maravilhosa, passar pra eles nossa paixão pelo quadrinho realmente autoral. Aquele que é resultado da singularidade de cada um. Mostramos muitos exemplos, livros, dividimos com eles essa experiência linda que é contar uma história, por mais maluca, estranha, fora dos padrões que ela pareça. Todo mundo é o melhor quadrinista do mundo, ao meu ver.

Serviço:
“Oficina de Desenho e Narrativa para Quadrinhos”, com Rafael Coutinho e Gabriel Góes
Dias 19 a 23 de junho – Segunda a sexta das 19h às 22h
Local: Espaço Cult (215 Sul)
Matrículas no site.
Mais informações: (61) 3321-6665 // (61) 99961-2534 (whatsapp)
Valor: R$ 390,00

 

Compartilhar notícia
Sair da versão mobile