As lições contra homofobia no “meio voto” de Celso de Mello

O discurso do ministro do STF sinaliza importante posicionamento em relação à violência sofrida por LGBTs

Ítalo Damasceno
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O Supremo Tribunal Federal (STF) está em processo de votação pela criminalização da LGBTfobia. O objetivo das ações que estão sendo julgadas é a equiparação dessas formas de violência ao racismo. O Ministro Celso de Mello chegou apenas à leitura de metade do seu voto, mas o debate já foi aclamado por outros ministros como histórico!

O Judiciário, há vários anos, é o Poder que mais tem garantido os direitos dos LGBTs no Brasil. O Executivo era vacilante (antes de se tornar negativo) e o Legislativo se colocava inteiramente inerte. Decisões do STF permitiram a união civil, sucessões, adoção, Previdência etc. Ou seja, orientou situações que o Congresso recusa-se a predizer.

Quando o decano Celso de Mello avisou que estava chegando à página 40 e, portanto, próximo à “metade do seu voto”, ele sugeriu pular direto para a decisão, o que outros ministros não permitiram, devido à importância do discurso. Ele remontou todo o histórico de opressão a gays, lésbicas, travestis e transexuais ao longo da história jurídica brasileira.

Lembrou que, no tempo das colônias, o crime de sodomia recebia a mesma penalidade do de lesa-majestade – pior atentado ao código penal da época. Gays recebiam a mesma pena dos inconfidentes: esquartejados, condenados à fogueira, tinham seus bens confiscados e a punição chegava até seus descendentes.

Histórica também foi a leitura feita pelo ministro de uma série de graves crimes, anunciados ruidosamente pela mídia, sofrida por LGBTs e por pessoas confundidas com LGBTs (pais abraçados a seus filhos, irmãos de mãos dadas etc). Sem esquecer que, no dia anterior, aconteceu a fala na tribuna de um advogado gay, uma lésbica e uma trans, provavelmente a primeira a ocupar espaço na corte.

Mas, infelizmente, o mundo não para enquanto o ministro lê seu voto. Durante a ansiedade deste momento, o Unicorns Brazil, grupo poliesportivo LGBTQI, no dia 11 de janeiro sofreu homofobia no local onde treinam e o qual pagam rigorosamente todo mês. O clube não tomou nenhuma providência. Dias depois, em um jogo contra o time Thunders, um grupo de sócios do lugar gritaram, ante a presença de uma pessoa trans no campo, que “veado tem que morrer” e “aqui não é lugar para isso”.

Mais uma vez, ao notificar o clube, requerendo a identificação dos sócios que proferiram as ameaças, “o conselho, que tem o irônico nome de ‘Conselho de Justiça e Sindicância’, afirmou que ‘não poderia garantir a segurança dos jogadores do Unicorns’ e sugeriu nossa saída ‘para nossa própria segurança’, e que o clube garantiria a segurança apenas dos sócios”, segundo relato na página oficial do time. O texto completo pode ser visto aqui.

Nos enche de esperança e orgulho o voto do Ministro Celso de Mello porque esse texto vai ficar registrado, indo parar nos livros de direito. Servirá inclusive para basear outras decisões em instâncias menores. Mas não podemos esquecer que, neste intervalo de uma semana de adiamento, a impunidade segue valendo no país.

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