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O teatro é o berço das revoluções e o Cena Contemporânea, a trincheira

Em tempos obscuros, ocupar os teatros do DF durante o festival equivale a ir às ruas pedir por um país mais justo

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Brasília (DF), 25/02/2018 Balé de Kiev Local:  Teatro da Caixa
1 de 1 Brasília (DF), 25/02/2018 Balé de Kiev Local: Teatro da Caixa - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Ir ao teatro é um gesto político, sempre foi e sempre será. Está em sua gênese. Os homens e mulheres se reúnem para discutirem o tempo do aqui e agora. O teatro de verdade nunca estará a propósito de manter as condições sociais, culturais, políticas e comportamentais de uma sociedade em evolução. É uma arte que tem o ímpeto de romper e questionar o status quo. Não tenha medo de entrar numa sala escura de teatro. Para crescer, é preciso ser confrontado.

Não existe moralismo no palco. Mas é fundamental ter ética. Sem ética não há arte. Se eu escrevo uma peça sobre suicídio (precisamos muito falar sobre esse mal que avança voraz sobre todos nós), tenho que ter o cuidado para não estimulá-lo por meio da narrativa. Preciso criar uma história de tal forma que o espectador em crise perceba que vale a pena viver e lutar contra a depressão. Essa preocupação do ato de criação é ética.

Nelson Rodrigues narrava as contradições da família brasileira, àquela que segurava o terço católico nos domingos e violentava seus entes na calada da noite. Mas o público não saía do teatro querendo reproduzir as ações hipócritas testemunhadas em cena. Como um reflexo, via a vida passar diante de si. Ali, muitos encontraram a chave da liberdade e da denúncia.

Ao longo da história do teatro brasileiro, muitos espetáculos se colocaram em campo de batalha com o sistema que queria destruir o país, como o regime militar. Sofreram censura e toda forma de violência, mas nunca fugiram do papel de, por meio da arte, questionar as plateias sobre a perda de liberdade e o fim da democracia.

Vivemos tempos obscuros, nos quais peças de teatro estão sendo proibidas por abordarem temas tabus ligadas a religiosidade e ao sexo. Em si, essas montagens desejam muito menos chocar e mais refletir sobre esses temas. Querem chamar a atenção, por exemplo, ao massacre aos corpos travestis nas ruas do que atribuir uma sexualidade a um Messias. O teatro se propõe a uma mediação de ideias antes de tudo.

Estamos às vésperas de ter mais uma edição do Cena Contemporânea Festival Internacional de Teatro, em Brasília, capital do poder em crise. Serão 30 espetáculos em teatros da capital e de suas cidades. Permanecer firme na sustentação desse evento já é um ato de resistência, num país que colocou os investimentos em Cultura ao rés do chão.

A parti do dia 21 de agosto, teremos montagens de Brasília, do Brasil e do mundo colocando em dinâmica a condição do ser humano no mundo. Ir a esses teatros equivale a estar nas ruas pedindo por um Brasil melhor. É revolucionário deslocar-se para uma sala de teatro, desligar o aparelho celular, quebrar a rotina viciante e deixar-se levar pelo que transborda no palco.

Estamos vivendo no Brasil um tempo delicado e perigoso, no qual as incertezas parecem mover nosso cotidiano. O teatro é um exercício de força, de respiração, de meditação. Sair do teatro é nunca como entrar no teatro. Entre um e outro movimento, há uma experiência sensorial que nos provoca a deixar de ser um corpo-massa para nos tornamos um corpo-fluído. É o papel da arte. Vamos ao teatro. A revolução começa dentro de nós.

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