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O dia em que Dercy Gonçalves ganhou o Candango no Cine Brasília

Em 1993, atriz ganhou a estatueta de coadjuvante por interpretação contida em “Oceano Atlantis”, filme nunca lançado em circuito comercial

atualizado

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Dercy Gonçalves
1 de 1 Dercy Gonçalves - Foto: null

Imagine um filme com Dercy Gonçalves aos 86 anos sem um “puta que pariu”, um “porra” ou um “merda”? Sim, essa obra existe e é considerada uma raridade, jamais lançada comercialmente. Trata-se de “Oceano Atlantis”, de Francisco de Paula, que participou do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 1993 e foi esnobada pela crítica local, mas se tornou um cobiçado filme cult.

O filme deu à atriz o Candango de coadjuvante, prêmio sonhado por produtores e intérpretes. O longa-metragem exibe uma Dercy Gonçalves “diferentona”, de cabelos longos e negros. Em vez dos gestos largos, da gargalhada sonora e dos adoráveis e desejados sem número de palavrões, o silêncio e a interpretação introspectiva imperam na trama.

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Numa cena de dois minutos em que joga xadrez com o amigo Antonio Abujamra, a Rainha do Escracho diz apenas duas frases: “Cavalo no Lago Branco” e “Três Voltas no Paraíso”. Assistindo à cena, a sensação é de que Dercy e Abu — os dois eram íntimos e tinham acabado de fazer um sucesso, “Que Rei Sou Eu?” — estavam loucos para escrachar a sequência surreal. Em outra, ela aparece recebendo flores de garotas, rindo mimicamente e balbuciando: “Obrigada”.

O ano em que Dercy Gonçalves ganhou o Candango no Festival de Brasília foi um dos piores para o cinema nacional. Naquele 1993, deu trabalho para a organização conseguir sete longas-metragens. A indústria cinematográfica tinha sido desmantelada pelo desastroso governo Collor.

A crítica que acompanhou a edição torceu o nariz para “Oceano Atlantis” e o júri quase fez o mesmo com o filme de Francisco de Paula, hoje considerado como cult e raro, participando de mostras idealizadas por curadores exigentes

Dercy chamou atenção de um júri de feras formado por José Joffily, Pedro Jorge de Castro, Denise Bandeira, Francis Hime, Éder Mazini e Joel Barcelos. Não deve ser difícil imaginar o que passou pela cabeça dos jurados. Dercy Gonçalves era uma atriz de improviso. Um dos méritos históricos: ajudou a modernizar o teatro nacional quando rompeu marcas e decorebas no palco.

Para Dercy, não existia a supremacia do texto. Dercy era o próprio texto, vivo e cheio de estilo e graça, no qual a sucessão de palavrões era como se fossem pausas de linguagem

Em “Oceano Atlantis”, Dercy estava introspectiva e cheia de possibilidades numa participação singela. Para alguns mais severos, “uma ponta que não justificava um prêmio do porte do Candango”; para outros, “subutilizada, com potencial de aparecer ainda mais, já que estava sublime”. Na decisão de premiar Dercy, os jurados, talvez, tenham decidido adotar uma estratégia única e histórica no Festival de Brasília. As três atrizes de “Vagas para Moças de Fino Trato”, de Paulo Thiago, dividiram a premiação de melhor atriz: Norma Bengell, Maria Zilda Bethlem e Lucélia Santos.

A estatueta para Dercy, no entanto, ganhou outro contexto afetivo. Naquele ano, Grande Othelo estava aqui na cidade para ser homenageado. De Brasília, seguiria para Paris, onde passou mal e morreu no aeroporto.

Dercy Gonçalves tem uma frase sobre a vida que decifra a sua sabedoria de mulher e artista vitoriosa. “Quem me criou foi o tempo, foi o ar. Ninguém me criou. Aprendi como as galinhas, ciscando, o que não me fazia sofrer eu achava bom”. Talvez, a máxima explique por que a participação da atriz no filme “Oceano Atlantis”, de Francisco de Paula, não tenha registros orais em suas entrevistas e na sua biografia “De Cabo a Rabo”, de Maria Adelaide Amaral.
Quer saber mais curiosidades do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro?

Rodado entre 1989 e 1993, “Oceano Atlantis” é uma interessantíssima mistura de ficção-científica com filme-catástrofe. Olha só o enredo: O Rio de Janeiro não existe mais. Foi inundado pelo mar e a comida acabou. Um mergulhador (Nuno Leal Maia) resolve buscar alimentos no fundo do oceano e encontra descendentes da civilização Atlante. Dercy está lá entre loucos, monjas e até um misterioso tamanduá. O filme ainda ganhou o Prêmio da Crítica do Rio-Cine Festival de 1993.

O Metrópoles construiu uma enciclopédia eletrônica que mapeia os 50 anos de uma das principais mostras do país. É possível navegar por edição, conhecer cada produção participante e os vencedores. Clique aqui para pesquisar.

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