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Há uma mulher negra caída sobre o esterco do asfalto. E eu com isso?

Em tempos de negação aos Direitos Humanos, ajudar uma alma pode ser uma salvação

atualizado

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maggio
1 de 1 maggio - Foto: iStock

Há semanas, um robô, pois não acredito que possa ser um humano de carne, osso e sentimentos, mandou-me uma imagem pelas redes sociais: a foto de um pré-candidato à presidência do Brasil segurando uma camiseta: “Diretos Humanos: esterco da vagabundagem”. Em anexo, havia uma legenda:

Escreve uma coluna com esse tema, vagabundo

Pois bem. Chegou esse momento.

Há menos de 24 horas, vi uma jovem mulher negra caída no meio do asfalto em Samambaia Norte. Os carros precisavam desviar do corpo dessa pessoa, hoje viciada em crack, abandonada nas ruas, sem identidade, acumulando no corpo marcas que, talvez, nunca se apagarão.

Soube por um homem que a observava inerte: essa garota, na faixa dos vinte e pouco anos, tem filhos e filhas lindos, feitos com homens que, talvez, ela nem imagine quem seja. Esses machos a violentaram na rua ou trocaram sexo por R$ 2 – usados na manutenção do vício. Essas crianças são criadas pela avó.

Quando vi essa jovem mulher negra caída no meio do asfalto estava ao lado do ator Jones de Abreu. Seguíamos para uma padaria a fim de tomar um café. Sem falar uma palavra, nos olhamos e decidimos ir até ela. Pedimos permissão para que pudéssemos carregá-la até o meio-fio. A moça balançou a cabeça positivamente. Eu a peguei pelos tornozelos. Ele, pelos braços. Oferecemos algo pra comer. Mas ela, fora de si, clamava por R$ 2.

As pessoas que ignoravam aquela jovem mulher negra caída no meio do asfalto pararam para ver nosso ato. O fato de tirarmos o corpo da garota viva e drogada da rua chamou mais atenção dos passantes do que o risco iminente de ela ser esmagada por um automóvel.

O que fazer com essa garota? Como ajudá-la? Passamos bastante tempo nos perguntando. Uma impotência nos tomou conta. Não existe como tirá-la dessa situação de rua sem que ela deseje. Mas a vontade desse ser humano está corroído pelo vício? É uma pessoa visivelmente doente, não tem condição alguma de desejar algo da vida.

Outro dia, ela estava de calcinha e sutiã vagando por uma feirinha da cidade

Quem me avisa é outro transeunte que parece querer alertar estarmos diante de uma causa impossível.

Quero muito usar essa coluna do Metrópoles, provocada pela mensagem citada acima, para amplificar o pedido de socorro àquela vida, caída no asfalto, onde comumente são depositadas fezes de animais que puxam carroças. Sob o sol, os excrementos tornam-se estercos. Sobre esses estercos, há uma vida humana sem perspectiva alguma.

Uma mulher em condição de rua é terrivelmente aviltante. Sabemos o quão será violentada por ser mulher e moradora de rua. Será que não há esperanças para essa vida? Não existem pessoas capazes de se mobilizar e tentar oferecer outro destino a essa garota?

Estamos diante de um mundo que se desmorona minuto a minuto. A imagem das crianças enjauladas por Donald Trump evoca as trevas da humanidade. Os brasileiros que transformam mulheres em órgãos sexuais na Rússia indicam: caminhamos rumo ao abismo.

Desse asfalto-esterco de Samambaia, pode renascer algum fio de esperança.

Alguém pode ajudar essa jovem mulher negra caída no asfalto de Samambaia? Uma entidade, uma clínica, uma alma humana

Estamos falando de Direitos Humanos, de esterco como fertilidade. O tempo corre para a morte e, sobre o esterco, nascem campos verdes, florescem vidas, prospera a terra e põe-se fim à fome. Jamais brotará a vagabundagem.

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