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Brasília, a capital que fechou as portas para o morador das cidades

Barreiras financeira e de mobilidade impedem que famílias pobres aproveitem o lazer e a qualidade do Plano Piloto

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
eixao do lazer
1 de 1 eixao do lazer - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Numa feirinha da QS 406 de Samambaia, seu João encosta o carrinho de mão cheio de caixinhas de caqui. Ali, tenta transformar o investimento que fez nas frutas numa mesa mais farta para a mulher e três filhos (dois garotos de 6 e 9 anos e um menininha de 2). Ele precisa esticar a renda da ajudante de cozinha. Necessita pagar o aluguel de uma casinha de fundos, manter a garotada na escola e assegurar a sobrevivência de todos.

A mulher, dona Dora, ajuda no que pode. Faz brigadeiros para vender na porta da escola, na igreja e, quando aperta, de porta em porta. Seu João, a mulher e suas três crias nunca foram ao Plano Piloto. Moram em Samambaia há três anos, mas sequer conhecem a Catedral, os palácios do poder, os museus…

Não faltaram sonhos nem vontade. Quando chegaram ao Distrito Federal, pensaram em fazer um passeio de domingo, mas logo desistiram. Só de metrô gastariam R$ 20. Alguém deu a dica de um lanche na Rodoviária, depois de caminhar pela Esplanada: pastéis e caldos de cana na Viçosa. Seu João teria que tirar do bolso mais R$ 20. É muito dinheiro para um único dia.

Cinquenta e oito anos depois de sua inauguração, o Plano Piloto continua a ser uma cidade de muralhas invisíveis. Se seu João, dona Dora e seus três filhos tivessem chegado aqui para a construção, teriam sidos jogados nos acampamentos desumanos da Novacap. Enquanto as crianças dos servidores de alta classe cresciam felizes nos sonhos das superquadras, os filhos desses candangos se divertiam na escassez do barro vermelho.

Há um perverso interesse em manter as famílias pobres do DF fora do Plano Piloto. A barreira financeira é estratégia e a mobilidade, o instrumento. Até para uma família de classe baixa, encher o tanque para ir e voltar ao centro é proibitivo, com a gasolina avançando dia a dia. Usar a bicicleta pode ser interpretado como uma tentativa de suicídio, já que as estradas são para os carros.

Como seria interessante que os moradores das cidades do DF viessem ao Eixão do Lazer, uma conquista da cidadania de uma Brasília dominada por milhões de carros.

Em Samambaia, os automóveis não saem das pistas para que os filhos de seu João e dona Dora possam correr livres

Há cidades e cidades dentro do Distrito Federal. O Plano Piloto é uma ilha de qualidade de vida. E não adianta instalar, ao longo do DF, os mesmos equipamentos de ginásticas dos Pontos de Encontro para dar uma ideia de equidade. As diferenças são históricas e abissais. Infelizmente, não há enfrentamento político para quebrá-las.

Há um compromisso histórico que a Brasília do Plano Piloto não consegue cumprir: ser de todos brasileiros. Na prática, tem sido a capital dos cidadãos que usufruem de Índice de Desenvolvimento Humano elevadíssimo. Não é a capital de seu João, dona Dora e dos três filhos. Não é a capital dos mais pobres, dos que não têm como se deslocarem, dos que não conseguem se divertir aos domingos, dos que sequer não têm o direito de conhecê-la.

Aos domingos, sobretudo, Brasília torna-se a capital de uma minoria. É quando a Rodoviária do Plano Piloto cessa de gente negra, mestiça, pobre e trabalhadora e as áreas verdes enchem-se de uma gente feliz para estender as toalhas do piquenique com pão de amêndoas e geleia importada. Precisamos misturar os prazeres. Há ainda os que temem a galinha com farofa da família ao lado.

Os muros precisam cair. Caíram em muitas partes do mundo. Os de Brasília já estão cheios de fissuras

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