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As canções que brotam em Brasília espelham a cidade em carne e osso

Entre Legião Urbana e a frase síntese do samba-enredo “Aquarela do Brasil”, habitam canções que mostram o quão é diverso o mosaico de sons

atualizado

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Dino
1 de 1 Dino - Foto: Reprodução

O acidente brutal que matou mãe e filho na L4 Sul lembrou-me de uma música que ouvi numa das edições do Porão do Rock. De uma banda incrível que não conhecia, chamada Filhos de Mengele. O som punk-rock falava sobre o fascínio dos rachas e denunciava:

Pega todo dia na avenida. Vê se pensa em alguma coisa construtiva. Carros a 100 por hora arriscando milhares de vida. Só vão parar quando a pista manchar

Filhos de Mengele

Filhos de Mengele é uma banda dos anos 1990 de forte influência na cena punk-rock e hardcore da cidade. Lá em Salvador, onde eu estava, sufocada pela alegria da axé music, esse som furioso não chegava.

O Porão do Rock, aliás, foi uma escolinha para esse recém-chegado na cidade no ano de 2001. Ali, conheci outras duas bandas que espelham a Brasília política que nos oprime: DFC e Os Cabeloduro.

Há duas canções que parecem ter sido feitas na medida perfeita para esse vergonhoso momento político: “Congresso Mal Assombrado” e “Foda-se”. DFC (Distrito Federal Caos) e Os Cabeloduro pertencem à cena hardcore brasiliense dos anos 1990. Com eles, levei a lição: havia vida para além de Os Raimundos.

 

 

 

Dos subsolos
Quem chega à cidade e abre os ouvidos aos seus sons descobre que não há mais lugar para o clichê: Brasília, capital do rock. Mas o rock está aqui, nas garagens das 700, nos subsolos das comerciais. Ciclicamente, alguns grupos saem desse underground afetados por uma Brasília distante das homenagens ou das críticas ácidas. Recentemente, Móveis Coloniais de Acaju fez um barulho. Em comum, inspiram-se no que a cidade provoca, como o “tédio” (âmbito que movimentou a criação de Renato Russo).

Encare meus olhos no fundo
Sinta que não te peço perdão
Lembra quando discutimos
Juntos no domingo de manhã?
Lembra quando dizia
Que nada seria monótono
Como uma superquadra
Concreta repetição
Sem mudanças bruscas?

Superquadra

 

 

Com humor, Little Quail fez a divertida “Dezeseis”, hino para quem vem morar em Brasília, sem referência alguma e tenta decifrar o labirinto lógico da cidade planejada.

 

 

É preciso puxar os fios da memória para tecer essa diversidade de sons que compõe Brasília de verdade. Nesse garimpo, há dois “clássicos” (será que uma cidade de 57 anos já tem clássicos?): “O telefone é muito pouco”, de Renato Mattos, e “Juriti”, do pessoal do Liga Tripa.

A primeira tive a honra de ouvir interpretada pelo autor, esse baiano porreta, meu conterrâneo, ao violão. A música traz um pertencimento danado ao pessoal que mora no Gama. Aliás, quando fui à cidade pela primeira vez, cantarolava o refrão.

A segunda conheci num show de bar, na época em que havia shows nesses locais, interpretada por Célia Porto. Naquela noite, as mesas se uniram e cantaram os versos poéticos de “Juriti”.

Rap de primeira
Câmbio Negro colocou a Ceilândia no mapa nacional do rap. Todos seguem fortes nas rimas. Aqui, descobri Dino Black (foto em destaque), o Preto Furioso das Rimas e a Atitude Feminina, grupo que rompe com a hegemonia masculina dos guetos para denunciar a violência.

Atitude Feminina fala de assédio e violência nas periferias do DF, como na forte “Rosas”.

Brasília divertida
Uma vez, fui numa festa de aniversário de uma jornalista quem acabara de me tornar amigo. O endereço: uma boate que ficava em um shopping da cidade. Havia uma banda ao vivo que botava todos na pista para dançar como se estivessem nos anos 1980. De repente, o vocalista pediu um minutinho e falou de uma canção que só o brasiliense sabia. Meus olhos arregalaram-se e, nos primeiros acordes, formou-se um coro, uma multidão só, que pulava, abraçava-se e gritava:

Se eu tivesse um canudinho
Eu chupava você
Pra dentro do meu mundinho
Pra comigo viver
Mas se eu tivesse um canudinho
Eu me enchia de você
E acabava com o vazio
O vazio de viver

A mistura
Brasília misturada já se faz presente. São artistas que nascem de fusões. Judas é uma síntese dessa confluência: moda de viola com elementos da folk music. Bebem nos mestres Roberto Corrêa e Raul Seixas com a mesma facilidade que incorporam sonoridades universais.

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