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Em um mundo tão cruel, precisamos ter mais cuidado com o outro

A vida de ninguém deve ser tratada como objeto para diversão ou saciedade da ansiedade

atualizado

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Coração é terra em que ninguém manda, dizem. Imagine então o coração dos outros. Querer definir o que se passa por dentro, como andar, o que querer. Tarefa impossível.

Mas este não deve ser um argumento de isenção. Carregamos uma parcela de responsabilidade de tudo que se passa ali, naquele território tão estranho. Mas nem sempre nos encarregamos disso.

Inclusive, responsabilidade afetiva é um tema em voga, uma verdadeira necessidade para um mundo tão repleto de repostas rasas, no qual todos se tratam de forma tão cruel.

É o grande chamado à empatia: tentar observar a realidade com os olhos do outro e, nesse exercício, ampliar a nossa capacidade de interpretação da realidade para além do que nos é óbvio.

Por exemplo: alguém manifesta um interesse por você que vai além de sua disponibilidade para a recíproca. A vaidade pode convidar à nutrição de uma relação falida em sua origem, só para combater a solidão ou para polir desejos egoicos. Ou você pode assumir apenas uma postura cuidadosa e preservar o outro do contato que – certamente – fará mais mal do que bem.

Outro exemplo: calar ou refrear o ato, antes de expor vulnerabilidades alheias, para validar seu ponto de vista ou saciar curiosidades insignificantes. O outro tem o direito de ter suas feridas preservadas do olhar de quem nada poderá fazer por elas.

A vida de ninguém deve ser tratada como objeto para diversão ou saciedade da ansiedade. O uso descartável e oportuno do outro não é uma novidade em si. Mas, ao que parece, o paradigma contemporâneo propicia isso. O tempo está mais ligeiro, e tudo pode tomar proporções inalcançáveis.

Ser responsável é uma ação ecológica que depende de uma espécie de educação ética. Princípio fundamental: faça com o outro o que gostaria que lhe fizessem. Citado nos discursos religiosos e filosóficos, mas facilmente embarreirado pela nossa prontidão ao mais fácil, prazeroso e influente – ou seja, que conota mais poder.

O peso do dano só se dá quando o jogo se inverte: nos momentos em que, de alguma forma, percebemo-nos manipulados ou menosprezados. É injustiça, dizemos logo, quase sempre para defender de um ataque que, ainda há pouco, praticávamos.

O olhar cuidadoso custa muito pouco, diante dos benefícios que pode oferecer. O maior deles é contribuir para um mundo mais fácil para todos, uma vez que ele nos poupa principalmente da ilusão, da formulação de uma realidade inviável de se realizar.

Cuide, ainda que de longe. Ou, se não se sentir capaz de nada oferecer, ofereça nada. Nesses momentos, a rigidez delicada de seu silêncio e de sua ausência pode ser a melhor forma de clarificar suas intenções.

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