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Um dia (de cão) no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal

Durante os 5 primeiros anos, estrangeiros legalmente em Portugal precisam cumprir obrigações – e enfrentar burocracia – para permanecer aqui

atualizado

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IStock
Navigate the bureaucracy
1 de 1 Navigate the bureaucracy - Foto: IStock

Uma vez por ano, pelo menos durante os cinco primeiros anos, eu e todos os estrangeiros legais em Portugal devemos cumprir com a obrigação de nos apresentarmos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para renovar o Título de Residência, a “carteira de identidade” portuguesa que permite que se resida aqui legalmente.

O SEF é a prova de que nem tudo em Portugal funciona a mil maravilhas e atesta também de onde vem a nossa herança burocrática e a tradição de um serviço público de má qualidade.

Fiz o meu agendamento por telefone em agosto do ano passado, com antecedência de dois meses em relação ao vencimento do título. E só consegui agendar para a semana passada. Cinco meses depois! E não adianta chegar na hora que não existe jeitinho. Só com agendamento.

De qualquer forma, é tenso. Por mais que esteja tudo certo, que você tenha verificado três vezes a documentação, sempre há o risco de se pedir um documento extra que não estava na lista do site. Você chega antes do horário marcado, é atendido bem depois, e é certeza de que perderá um período do dia.

Não vai aqui nenhuma crítica aos servidores que, em pequeno número, se esforçam para atender bem. A questão é que há cada vez mais estrangeiros procurando Portugal e a estrutura para atendê-los é a mesma.

Mas o que me interessa aqui é entender um pouco o que as pessoas buscam ali. Alguns brasileiros, uma meia dúzia de chineses e paquistaneses, uns poucos europeus, uma grande maioria de africanos dos países de língua portuguesa.

Percebo um rapaz de Cabo Verde ao meu lado e, pela sua conversa, está em busca de regularizar sua situação em Portugal, mas ainda não conseguiu. Um paquistanês é atendido rapidamente e descobre que lhe faltam documentos. Terá que voltar novamente.

Essa é a realidade do SEF, que precisa lidar também com a imigração nos aeroportos e coibir a entrada dos ilegais. Vez por outra, dezenas de brasileiros são barrados no aeroporto de Lisboa e precisam regressar. Somos os campeões nisso: 74% dos retidos no aeroporto em Lisboa em 2018 eram brasileiros, um crescimento de 24% em relação a 2017, considerando-se o período de janeiro a agosto.

No fundo, é uma tremenda contradição, pois o governo português já declarou inúmeras vezes que precisa de imigrantes. A população de Portugal é envelhecida e a tendência é de que haverá perda de 40% da população ativa do país por volta de 2060, devido à baixa taxa de natalidade. Estima-se que é preciso receber uma média de 75 mil imigrantes por ano, para cobrir esse déficit populacional.

E é incrível conversar com esses brasileiros que conseguem driblar as autoridades, entrar como turistas e começar a se estabelecer aqui. São batalhadores, trabalham além do horário, fazem bicos (atenção! “fazem bico” no sentido brasileiro, porque em português luso a expressão é sinônimo de “sexo oral”).

Estão nos restaurantes, nas obras, atendendo em lojas, fazendo pequenos serviços domésticos. Tudo para conseguir um contrato de trabalho que, depois de uma longa peregrinação de anos, lhes permitirá viver legalmente em Portugal. Estes brasileiros, assim como angolanos, cabo-verdianos, paquistaneses, venezuelanos, entre outras nacionalidades, estão construindo um novo Portugal.

Experimente ir a um jogo do Benfica ou do Porto. Haverá dezenas de brasileiros, que dividem a mesma paixão pelo futebol dos portugueses, envergando orgulhosamente suas “camisolas” do Cruzeiro, Flamengo, Bahia ou do Sport Recife

Outro dia estive com um brasileiro, irmão de uma amiga, que chegou ilegalmente ao país. Deixou mulher e filho no Brasil, entrou pela Espanha, conseguiu rapidamente emprego como pintor, dormiu um tempo num hostel, agora já divide o apartamento com outro brasileiro. Conquistou a confiança do patrão e já recebeu proposta para executar um serviço temporário na Bélgica, recebendo o dobro. Sua única tristeza, obviamente: a família distante, que ele quer trazer logo para cá.

Brasileiros como ele, para os quais não existe tempo ruim, merecem um lugar ao sol de Portugal.

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