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Mostra exibe imagens do deslocamento entre Brasília e Olhos D’Água

A curadoria é de Átila Regiani, Bia Medeiros, Cinara Barbosa, Gisel Carriconde de Azevedo e Krishna Passos

atualizado

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Bernardo Scartezini/Metrópoles
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1 de 1 foto de abre - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Apenas 100km separam Brasília de Olhos D’Água. Mas esse mínimo deslocamento já vale como uma espécie de viagem no tempo, causando um choque imediato entre nossa realidade urbana, cá na planejada capital federal, e o cotidiano rural ainda preservado na pequena cidade goiana.

Certa feita abraçada por hippies candangos desencantados com a civilização capitalista, Olhos D’Água tem recebido atualmente artistas visuais para temporadas de imersão. Visitantes orbitando as atividades do Núcleo de Arte do Centro-Oeste (Naco), uma residência que gira em torno da professora e curadora Renata Azambuja.

Em novembro, o Naco recebeu 20 artistas por uma semana. Todos selecionados pelo projeto Eixo do Fora. A ideia do organizador, Krishna Passos, é promover anualmente o intercâmbio entre artistas de diferentes linguagens e formações, possibilitando contatos durante os processos criativos. Nesta oportunidade, em pleno cerrado goiano, coube ao pernambucano Aslan Cabral a função de forasteiro convidado. Seu papel foi provocar os participantes.

O Eixo do Fora também se estendeu por ações artísticas, palestras e oficinas ao longo das semanas seguintes. E neste momento, para fechar a temporada 2018, o Museu Nacional Honestino Guimarães abriga um salão de arte. Ali o distinto público pode tomar pulso do que aconteceu na distância entre Brasília e Olhos D’Água.

A mostra fica em cartaz até 14 de janeiro, reunindo todos os participantes desta edição do Eixo do Fora. Curadoria de Átila Regiani, Bia Medeiros, Cinara Barbosa, Gisel Carriconde de Azevedo e Krishna Passos. E aqui seguem alguns pontos para a visitação…

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Os cones do Detran se tornaram protagonistas do urbanismo brasiliense à época da Copa da Confederações de 2013. Desde então, milhares desses objetos de plástico, antes só encontráveis em blitzes, pontuam cotidianamente nossas vias, muitas vezes sem necessidade alguma. Mas eis que João Angelini empresta uma dimensão poética a esses queridos instrumentos de sinalização.

Usando a técnica de animação em stop motion, Angelini já tinha feito um vídeo em que um cone do Detran parece mergulhar repetidamente no asfalto, emergindo e submergindo num dos estacionamentos do Parque da Cidade. Pois agora esse cone foi parar em Olhos D’Água. Na mais recente obra da série “Deriva”, o troço desponta na peculiar paisagem interiorana, rasgando os caminhos de pedra na calada da noite.

(Outros trabalhos de João Angelini, inclusive dois vídeos em stop motion, também podem ser vistos neste momento dentro da coletiva “Contraponto”, em cartaz no salão principal do Museu Nacional.)

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Enquanto o vídeo de Angelini é projetado numa sala escura do Museu Nacional, ali perto uma instalação em tecido branco corta o ambiente e deixa escapar o brilho de um monitor. São vídeos de Lucas Sertifa rodados em Olhos D’Água.

E de fato esses trabalhos parecem necessitar de um espaço próprio, atmosfera própria, pois trabalham basicamente com a ideia do tempo – da passagem do tempo. Num ritmo lento, goianamente lento. Bem mais vagaroso do que o cone rebimbante de Angelini. Porque à Sertifa interessa o ritmo das gotas de chuva num telhado, o ritmo do homem que se demora numa mesa de bar. Exercícios para o olhar que se delongam naquele tempo próprio a uma estrada de terra.

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Lívia Brandão percebe ainda uma outra maneira de se marcar um espaço. Assim como os cones do Detran, outra sinalização constante na terra brasiliense é aquela feita por estacas de madeira com faixas de plástico, estacas a furarem o solo e demarcarem terreno – e a anunciarem coisas e pessoas.

Bandeirolas de micro poderes a rasgarem a área pública. Dentro do Museu Nacional, as estacas de Lívia ainda estão bem comportadas, limpinhas e apresentadas como uma escultura de parede. Mas para fora do prédio, as estacas furam o chão e se espalham na margem de grama da praça do museu.

(Gabriel Marx também transbordou para fora do prédio, cobrindo com uma manta a única pilastra de sustentação da rampa de Oscar Niemeyer, emprestando fofura rosada à aspereza do concreto – imagem que abre esta página.)

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O espaço e o deslocamento no espaço também interessam a Raísa Curty. Certa vez, a artista carioca cruzou o litoral nordestino de bicicleta ao lado do parceiro Alê Gabeira. Espírito Santo, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Um caminho aberto ao longo de quase dois anos de Residência Artística Móvel, projeto que atracou no Elefante Centro Cultural em julho passado. Raísa e Alê rodaram por praias, rodovias e estradas de terra.

Desta vez, longe do mar e da areia, entrando no Goiás, Raísa Curty parava de tanto em tanto, sempre que encontrava animais mortos à beira da estrada. Uma “arqueologia” foi surgindo à medida em que ela colecionava as carcaças. E com os ossos dos bichos, a maioria de aves, montou pequenas esculturas. Utilizou-se também de objetos eletrônicos, criando híbridos biomecânicos, dando uma espécie de segunda vida para aqueles corpos.

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Ludmilla Alves, enquanto isso, colecionava cascas de árvore. A espessura de uma árvore servindo como medida biológica para o crescimento da planta – e medida, portanto, para a passagem do tempo. A artista, assim, parece propor uma espécie de calendário.

Apresentada no Museu Nacional como uma instalação de parede, numa estrutura que de certa forma se aproxima da composição pictórica, “Práticas de Noções do Tempo” se abre ao visitante um pouquinho de cada vez, deixando-se apenas entrever, num primeiro momento, mas oferecendo variados desenhos e relevos para quem se permitir prolongar o tempo e ali se deter um pouco mais.

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Numa composição semelhante à de Ludmilla, o pintor Matias Mesquita ocupa o pedaço de parede que lhe coube criando um pequeno universo de fragmentos. Ele deita restos de construção sobre a parede – um pedaço de telha quebrada, um pedaço de tijolo, um pedaço madeira.

Cada uma dessas partes compõe um todo, num encontro de relevos e sombras, num sentido que se amplia quando nos aproximamos o suficiente para percebemos que, sobre pequenos fragmentos de reboco, Mesquita pintou cenas interioranas: um ipê amarelo, um telhado de igreja, um grupo de pessoas conversando.

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Também evidenciando o estado bruto da matéria com que trabalha, o escultor César Becker propõe mais um – tenso – desafio de equilíbrio e estática. Há tempos trabalhando com a terra vermelha própria do solo cerratense, César aqui continua testando a aglomeração de partículas. Porém, desta vez, se trata daquela tão urbana argamassa de água e cimento conhecida popularmente como concreto.

Desafiando a lei da gravidade, numa angulação que não permite milímetro de erro, “Compromisso com a Queda” é uma escultura composta por um bloco de concreto inclinado quase ao impossível – e sustentado apenas por uma pedra bruta.

Que César Becker tinha levado uma bagagem pesada. Alguns sacos de cimento seguiram de caminhonete de Brasília até Olhos D’Água. Ao lado do cimento de César, Adriana Vignoli colocou na caminhonete três estruturas de ferro especialmente moldadas para aquela ocasião.

Para Adriana Vignoli, faltava apenas uma árvore que se apresentasse ideal para receber as estruturas metálicas e formar a paisagem que ela já carregava na cabeça, conforme o croqui que ela já tinha desenhado no caderno. Essa árvore seria encontrada no meio de uma plantação de milho.

A sucupira havia sido poupada da motosserra. Aslan Cabral, Jajá Rolim e Marcela Campos se equilibraram sobre as estruturas metálicas, entre os galhos daquela solitária árvore, aproveitando a primeira luz da manhã. João Angelini registrou a cena.

João Angelini/Metrópoles
Fotografia-instalação-paisagem de Adriana Vignoli: estruturas de metal em árvore de Olhos D’Água

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