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Infância apenas para alguns: uma triste realidade

Quem nasceu no lugar “errado” e com a cor “errada” não tem presunção de inocência ou chance de viver com tolerância e respeito?

atualizado

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African boy STOP sign with his hands, isolated on white
1 de 1 African boy STOP sign with his hands, isolated on white - Foto: iStock

Domingo em São Paulo. Um pequeno bloco de Carnaval faz seu ensaio no Largo da Batata, na região de Pinheiros. Gente fantasiada, som de metais, clima tranquilo, até que começa uma confusão. Uma mulher grita, aponta para um menino negro e o acusa de ter dado uma pedrada na bicicleta que ela alugara. O objetivo seria roubar a bike.

O homem que acompanha a mulher, de 1,90m de altura, pega o garoto com força pelo braço. “Vai dizer que você não estava roubando? Você é um bandido de merda, é isso que você é!”, ele berra, quase partindo para cima do menino, de uns 9 ou 10 anos. A criança chora, pede para ser solta, mas é esmagada pela acusação, pela violência física do gesto.

A poucos metros dali, um grupo de policiais assiste à cena sem esboçar reação. Algumas pessoas do bloco, chocadas com o comportamento do homem, vão até um dos agentes, que pergunta: “O menino é o que seu?”. Pelo visto, ameaçar e agredir um menor de idade só é crime se a criança em questão for da nossa família. E branca, claro.

“Vocês não sabem do que esses moleques são capazes”, diz outro policial. “Queria ver se fosse com você”, emenda a mulher, suposta vítima da tentativa de furto.

A frase dela ecoa em mim, ao lembrar das lágrimas nos olhos do garoto. Dava para ver medo e raiva. E também um tipo de humilhação pela qual meus filhos nunca vão passar. Eu queria ter tirado o menino de lá. Dito que não importa o que eventualmente ele tenha feito de errado, ninguém pode tratá-lo daquela maneira. Há uma lei e vivemos em uma sociedade civilizada. Ou não?

Para meninos negros como aquele, não. Às favas com os direitos da infância. Quem nasceu no lugar “errado” e com a cor “errada” não tem presunção de inocência, chance de aprender a partir do respeito e da tolerância. Vale apenas a lei daquele que pode mais. Que tipo de coisas nossa sociedade está ensinando para essas crianças quando as tratamos assim? Como é que esse garoto não vai crescer com raiva, acreditando ser a violência a melhor resposta?

Nós, nas nossas bolhas de maternidade/paternidade ativa e consciente, ficamos nos chicoteando quando, por ventura, descontamos nos filhos as nossas próprias frustrações. Estudos recentes em psicologia e pedagogia também ressaltam a importância do afeto na criação de meninos e meninas. Mas isso vira um blá-blá-blá quase utópico quando nos deparamos com a realidade de tantas crianças no país imersas na desigualdade e no preconceito.

A morte pesa menos quando não são nossos os filhos assassinados, mas não é só isso. A vida também. Infelizmente, a infância não é para todo mundo.

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