metropoles.com

Filhos, vocês foram desejados, mas as coisas não ficaram mais fáceis

Virar mãe é se perder, é deixar morrer aquela pessoa que existia antes, para dar espaço para uma nova pessoa. E eu me senti muito triste ao me despedir de mim mesma

atualizado

Compartilhar notícia

Arquivo Pessoal
Carolina Vicentin Miguel e Solano
1 de 1 Carolina Vicentin Miguel e Solano - Foto: Arquivo Pessoal

Filhos, vocês roubaram a minha identidade. Se, quando estavam dentro de mim, eu me sentia incrível e poderosa, ao saírem, vocês deixaram um vazio não apenas físico, mas existencial. Quem é aquela ali no espelho, descabelada, olhos vermelhos de choro e de cansaço? Onde foi parar o meu tempo? O que é que eu fiz com a minha vida?

Não se sintam ofendidos, por favor. Vocês dois foram planejados e desejados, mas isso não deixou as coisas mais fáceis. Miguel, devo dizer que, com você, foi ainda mais complicado: no seu primeiro mês de vida, eu chorava praticamente todos os dias. “Era só o que faltava você ter depressão pós-parto!”, chegou a dizer o pai de vocês, em um acesso de indelicadeza.

E eu até o entendo; realmente não fazia sentido eu estar tão triste. O parto havia sido lindo, você, Miguel, era saudável e, pasmem!, não sofria com cólicas. Eu deveria estar plena e realizada.

Mas, filhos, virar mãe é justamente isso, é não fazer sentido. É se perder, é deixar morrer aquela pessoa que existia antes, para dar espaço para uma nova pessoa. E eu me senti muito triste ao me despedir de mim mesma.

Com você, Solano, a coisa foi mais suave – está aí, inclusive, uma das vantagens de ser o caçula. Embora você tenha que dividir tudo desde sempre, não precisou lidar com a minha adaptação ao papel de mãe. Na verdade, eu sofri um pouquinho, sim, mas foi com a despedida do filho único (mas isso é assunto para outra história).

Se essa conversa toda ficou pesada demais, meninos, agora vem a parte boa. Passada toda a turbulência que a chegada de vocês trouxe, eu aprendi uma série de coisas novas. Eu me descobri mais forte, mais tolerante, mais flexível. Eu renasci um pouquinho. Querem ver?

A mãe do Miguel e do Solano, jornalista, conheceu um novo jeito de trabalhar a profissão, com mais qualidade e mais tempo livre. E, por causa disso, acabou voltando a estudar, o que é sempre uma coisa legal.

A mãe do Miguel e do Solano lê tudo o que encontra pela frente sobre desenvolvimento infantil, espantada que fica com o funcionamento do cérebro de vocês. Ela também ficou mais atenta aos rótulos dos produtos no mercado e à qualidade das frutas e verduras que compra.

A mãe do Miguel e do Solano virou ativista pelo direito das mulheres. Se antes de vocês nascerem, já era feminista, hoje briga para que outras mães tenham seus direitos respeitados. Ela também tenta fazer o melhor para que vocês entendam que meninas e meninos são iguais e podem ser o que quiserem.

A mãe do Miguel e do Solano aprendeu a ser mais prática; hoje, consegue acordar e arrumar vocês para sair em cerca de duas horas. Se isso parece pouco, devo dizer que, antes de vocês nascerem, ela levava mais ou menos esse tempo para sair de casa…

A mãe do Miguel e do Solano desenvolveu dotes musicais, decorou todas as baladinhas infantis e inventou – junto ao pai de vocês – composições únicas. Embora não vá à academia, a mãe do Miguel e do Solano empurra carrinho de bebê e motoca pelas ruas de Brasília, querem coisa melhor para malhar o braço?

Arquivo Pessoal

A mãe do Miguel e do Solano aprendeu a cozinhar feijão e fritar pastel. Está desenvolvendo incríveis técnicas de negociação. Se vocês, algum dia, acharem complicado gerenciar uma equipe, pensem como é dialogar com quatro crianças que desejam o mesmo brinquedo.

A mãe do Miguel e do Solano ficou amiga de outras mães e vai à casa dos vizinhos com uma frequência que certamente não aconteceria se vocês não existissem. A mãe do Miguel e do Solano ajuda a organizar festa junina da quadra, dia de pintura, corrida de carrinhos, barcos e naves espaciais.

Como vocês podem ver, Miguel e Solano, ser mãe me caiu bem.

Compartilhar notícia