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Filósofo sul-coreano reflete sobre o mundo digital

Byung-Chul Han propõe provocações inquietantes em No Enxame: Perspectivas do Digital

atualizado

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Redes sociais
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Sul-coreano radicado na Alemanha, o filósofo Byung-Chul Han (1959) é um dos nomes do momento. Uma amiga querida recomendou e eu embarquei na viagem. Para nossa circunstância histórico-política on-line, a publicação de No Enxame: Perspectivas do Digital (Vozes), agora em novembro, ajuda a tentar entender algumas coisinhas.

Sociedade do Cansaço e Sociedade da Transparência são dois dos títulos lançados anteriormente por aqui. No Enxame traz a noção de “sociedade da indignação”. Han está interessado em pensar a presença da mídia digital nas nossas vidas e como essa nova comunicação nos colocou na crise atual. Para onde quer que se vá, está tudo dominado.

A partir da etimologia de palavras, o filósofo se espalha, se derrama em comportamento, percepção, sensação, pensamento. O tradutor vai dando um jeito de aproximar o português do alemão (única língua na qual é possível filosofar, sabemos com ironia), transposição de significado às vezes facilitada por uma origem latina.

O leitor monta o quebra-cabeça conectado na semântica. E dela sai para configurar conceitos que ajudam a pensar a sociedade contemporânea. Logo de cara, Han explica que respeito é bom e a gente deveria gostar. “O verbo latino spectare, ao qual espetáculo remonta, é um olhar voyeurístico, ao qual falta a consideração distanciada, o respeito (respectare).”

Na esfera pública da comunicação digital, abandonamos o respeito, isto é, eliminamos uma certa distância que permitiria não confundir, por exemplo, público e privado. A conjunção aditiva deveria permanecer. Contudo, onde não há respeito, onde não há distância, existe espetáculo, escândalo. Ocorre a “exposição pornográfica da intimidade e da esfera privada”.

E assim Han chega à importância de nomear, imprescindível para o seu próprio processo filosófico. Ao longo do ensaio, entrega ao leitor entusiasmado respostas sobre o que ele vive ou vê nas redes sociais. É o tipo de reflexão que nos faz sempre suspirar: como não tinha pensado nisso antes dessa maneira tão evidente?

Daí me parece vir a repercussão dos escritos curtos e intensos de Byung-Chul Han entre os jovens que vivem desde sempre dentro desse universo midiático e os demais interessados nas recentes extensões humanas, para lembrar de um pensador retomado aqui, o canadense Marshall McLuhan. Também me trouxe lembranças do modus operandi de Jean Baudrillard. E é claro que há muito de Heidegger no texto.

Mas a coluna não é normalmente sobre ficção? A filosofia pode ser literária. Pode caminhar sobre o fio de uma ambiguidade que propulsiona a mente a ir embora. Sim e sim. O professor de filosofia e estudos culturais na Universidade de Berlim interessa ainda pela conexão com a literatura de Peter Handke, que, além de famoso pelas parcerias cinematográficas com o alemão Wim Wenders, é conhecido pela sua, digamos, desconectividade. Handke aparece como possível grau zero da filosofia de Han.

Filosofia literária, literatura filosófica. Uma boa receita de diálogo para desafiarmos o “enxame digital”, essa aglomeração em que “não habita nenhuma alma [Seele], nenhum espírito [Geist]”. Contingente de pessoas que não formam mais uma massa, simplesmente aglutinam-se de forma efêmera para indignar-se. Qualquer semelhança não será mera coincidência, apenas um lugar-comum.

Não é otimista, portanto, a visão de Byung-Chul Han sobre esse “alguém anônimo” que circula pelos meios. Tampouco é preciso ir longe para ficar assustado com o Homo digitalis e querer largar de vez Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp. Mas algo nos leva a permanecer nessa transitoriedade, abdicando do tempo para o silêncio. O que será?

Estamos suspensos, perdidos no espaço. Somos atualmente doentes neuronais (muito cansados) que não deveriam abrir mão de alguma opacidade – para, assim, sair da neura onipresente sobre nossas cabeças, dentro de nossas cabeças. A liberdade, diz Han a certa altura, foi convertida em coação, pela “relação quase obsessiva, compulsória [zwanghaft] com o aparato digital”.

Qual seria, então, um conselho pertinente, uma vontade para fazer valer? Ora, largar esse celular, esse iPad, esse computador, e ir correndo comprar um livro do Byung-Chul Han. De preferência na livraria ainda aberta, de corpo inteiro e com muito sentimento nostálgico na alma. É um bom primeiro passo.

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