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“Brasil: Uma Biografia” é livro essencial para entender nosso país

A obra, escrita por Heloísa Starling e Lilia Schwarcz, recupera detalhes essenciais da história do nosso país

atualizado

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Brazilian senior holding the flag in Sao Paulo
1 de 1 Brazilian senior holding the flag in Sao Paulo - Foto: iStock

Semana passada, falamos sobre livros para perder o medo de Matemática. Hoje, a coluna é sobre uma biografia diferente, que ajuda a perder o medo de História. Trata-se de “Brasil: Uma Biografia”, escrito pela historiadora Heloísa Starling e pela antropóloga Lilia Schwarcz.

Ganhei um exemplar de presente de aniversário no ano retrasado e, desde então, costumo sugerir sua leitura para todos que me pedem indicação de livros para entender um pouco do que somos como país. Não é uma obra teórica, com teses sobre os fatos. É, como o nome diz, uma biografia: uma narrativa fundamentada no cotidiano, em episódios aparentemente corriqueiros.

E, para isso, é importante que a obra tenha sido uma colaboração entre uma historiadora e uma antropóloga: porque os pequenos fatos também são apresentados para a compreensão da narrativa. Dividida em dezoito capítulos, a “biografia” pode ser lida como o reverso de uma epopeia: nada é grandioso ou espetacular. Tudo é descrito a partir do olhar “rés-ao-chão”, com o pé enfiado no barro.

As grandes navegações, por exemplo, não são compreendidas apenas por uma conjunção de grandes vetores históricos, mas também pelos pequenos detalhes, como o salário de Pedro Álvares Cabral. Você já tinha parado para pensar sobre como esse fator tão “pequeno” pode ter sido crucial? Pois é, em uma biografia, o detalhe conta.

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O livro começa com os acontecimentos pré-nascimento do menino Brasil, nesse caso, o ambiente que gerou as grandes navegações. A organização social dos nativos é apresentada com uma linguagem clara, sem romantismo ou ufanismo.

Uma passagem interessante é sobre a instalação da imprensa no país, com todos os perrengues burocráticos — é fácil imaginar que houve, mas é interessante ler o relato. A imprensa nasceu juntamente com a censura e o fato de o jornal mais antigo do Brasil ser editado, na época, em Londres não chega a ser uma surpresa.

A Guerra do Paraguai também é apresentada a partir de dados concretos, que nos dão outro ponto de vista, muito diferente daquele apresentado nos livros de História — e retira muito do orgulho dessa “vitória”. O custo para o erário, por exemplo, equivaleu a 11 vezes o orçamento anual da Administração Pública. Sem dúvida, um equívoco.

E a participação do Brasil na Segunda Guerra? Ficamos sabendo nos relatos que, no imaginário popular, “era mais fácil a cobra fumar do que o Brasil entrar no confronto”. E a cobra fumou.

Muito antes de Collor ou das votações de realities shows, vemos que as eleições no Brasil já eram definidas a partir da beleza do candidato — abertamente. Na campanha do Brigadeiro Eduardo Gomes, por exemplo, em 1945, circulava o jingle: “Vote no Brigadeiro, ele é bonito e é solteiro!”.

Outra passagem interessante, pela contradição extrema, é a descrição do aparecimento do “queremismo”, o movimento de apoio a Getúlio Vargas concomitante com a derrocada do Estado Novo, isto é, do Governo que liderava. Hoje, parece simples, mas, pelos relatos, vemos que isso era uma surpresa e, na época, um fenômeno muito difícil de explicar.

Os movimentos da dupla Geisel-Golbery, para a abertura política do país, são abordados em perspectiva, da mesma forma que a movimentação da sociedade civil em prol da abertura política. O autoritarismo não é apresentado como elemento isolado, tampouco como o resultado inescapável de uma situação prévia.

A biografia, que tem 500 páginas, mais 165 de notas, cronologia e índice, termina no fim do Governo Itamar, com algumas considerações breves sobre o período posterior. A medida é salutar: uma obra desse gênero requer distanciamento histórico e os anos contemporâneos ainda são matéria-prima de reportagem jornalística e objeto de escrutínio.

Ironicamente, o livro é finalizado em janeiro de 2015, e mandado para a gráfica em março, a tempo de citar em sua última nota, os protestos daquele ano, mas antes da erupção dos protestos de junho – talvez o evento mais importante para a biografia do menino Brasil nesses anos que testemunhamos. Divirta-se!

Desencontro de Gerações
Cabula aula o rapaz
em prol do rap que o embala
de sol a boate

Ludibria a avó que o cria
a milho e grãos que bastem
a imaginá-lo

Estabelecido na praça
sem ser camelô

Namorando madame
sem ser gigolô

Dando cartas
sem ser crupiê

Subindo degraus
sem ser carregador

Margarida Patriota, Laminário (7 letras, 2017)

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