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É difícil deixar de ser rei, mas Lula precisa apostar em novos nomes

Qual foi, Lula? Passa a visão e deixa os cria. É preciso aceitar. Ou o tempo passa por cima – e 2022 é logo ali

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Ex presidente Lula durante reunião PT – Brasília(DF), 13/12/2017
1 de 1 Ex presidente Lula durante reunião PT – Brasília(DF), 13/12/2017 - Foto: null

Joseph Levitch marcou a minha geração e, antes da minha, outras duas gerações.

Judeu nascido em Newark, Nova Jersey, era neto de um rabino e filho de músicos, que tentavam ganhar a vida em pequenos eventos, mas nunca alcançando o sucesso.

Joseph viveu com a vó, que encorajou seu talento, quando criança.
Com os pais sempre longe de casa, frequentava casa dos colegas da escola pra ter alguma atenção nas outras mães. Ganhava um suco de abacaxi de uma vizinha, mãe de um amigo, todas as tardes em que ele cantava pra ela. No fundo, ia pra ter alguém com ele.

Foi uma criança muito, muito solitária. Falava sozinha, criava as próprias histórias.
Mas num dado momento ele entendeu como prender a atenção das pessoas. E isso é um poder.

Corta pra 4 de julho de 1951.
Mais de 5 mil pessoas lotavam a 46th Street, em frente ao Paramount Hotel, onde essa criança, agora um jovem under 30, era um comediante milionário.

Jerry Lewis.
Ele e seu parceiro de trabalho, Dean Martin, jogavam dólares para a multidão, e contavam piadas da janela do hotel, única forma que encontraram para fazer com que as milhares de pessoas saíssem de dentro do teatro depois do show, porque o diretor precisava fechar as portas.

Jerry Lewis se tornou o maior nome da comédia dos Estados Unidos, influenciando atores, diretores, roteiristas e até técnicas de cinema.

Vinte anos depois, Jerry estava falido. O nome era o maior da indústria, mas ele não era mais o mesmo, nem sua comédia, nem os tempos. Os tempos mudaram.

Foi quando um amigo de estúdio disse pra ele: “É difícil deixar de ser rei, Jerry”.

Ontem, eu entrevistei Lula.
O 35º presidente. Preso injustamente num golpe promovido pelo ex-juiz Sergio Moro, e isso aqui ainda não é a minha opinião, minha opinião pessoal é de outra ordem, os leitores reaças desse jornal teriam um chilique espumando pela boca de ódio.

Lula foi um dos maiores políticos que este país já teve no exercício de um mandato.
Eu sou fruto das políticas públicas dos governos populares de Lula, isso também não é uma opinião.

Ocorre que, mesmo tendo profunda admiração pelo Lula e por sua biografia, eu estava ali para fazer uma pergunta. E fiz. Eu não sei se as pessoas ficaram pensando que eu, por ter vindo do morro, ia ficar deslumbrado com o Lula e elogiar tudo que ele fez.

Eu vi o Lula muitas vezes, no Alemão, em Manguinhos, inaugurando Teleférico, obra do PAC, mas é preciso lembrar que foi no governo Lula que o projeto nefasto de UPPs foi criado, pelo ex-governador Sérgio Cabral, hoje preso, para garantir a “segurança” dos jogos olímpicos e da Copa. Custou caro ao povo preto e favelado essa brincadeira.

Eu perguntei se já não era a hora de Lula considerar mediar e liderar uma frente mais que ampla, uma frente de futuro. Apostando em Boulos, Manuela, quadros de mulheres negras – como aliás ele está fazendo com Benedita –, mas também com quadros extra-PT, e dar um passo atrás para que outros possam dar um passo à frente, considerando que ele já foi duas vezes presidente.

A resposta que eu recebi não foi, obviamente, a que muitas pessoas esperavam. Não eu. Lula é a realpolitik encarnada. Ele é um dos gênios da política em língua portuguesa, e na política ocidental.

Lula me disse, um tanto contrariado, que não existe isso de fazer frente ampla e “o maior partido de esquerda” do país não ter um candidato.

E é aí que mora o problema, barra, perigo.

As duas últimas candidaturas do PT para a presidência tiveram o PMDB incubado.
Deu no que deu, e está dando, uma espiral de poço sem fundo que nem Lula nem ninguém consegue conter.

Lula é extremamente importante. Mas Manu e Boulos são o futuro da esquerda, eles, e outras centenas de pessoas que vieram pra política e estão, neste momento, pedindo teu voto pra vereadores ou prefeitos. Alguns dos principais quadros políticos do país estão nascendo em 2020.

Lula pode ajudar a esquerda a se organizar e se unir, minimamente, para uma frente que não apenas retome a democracia e a sanidade mental na política, como faça isso com gente nova, pós episódio do impeachment. Nós, povo brasileiro, precisamos de novos quadros.

Tão aí o Moro e o Huck pagando de Batman e Robin do neofascismo que não me deixa mentir. A geração de Lula tem os códigos e a experiência. Mas precisa abrir esses códigos pra que a História continue. Qual foi, Lula. Passa a visão e deixa os cria.

Os tempos mudam. Nada é pra sempre.
Nem a arte, a comédia, o drama e a política nos pertencem.
Pertencem à multidão.
Pertencem à História.

É difícil deixar de ser rei.
Mas é preciso aceitar.
Ou o tempo passa por cima.

2022 é logo ali.
Se resolvam.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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