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Mestre queijeiro Bruno Cabral dá dicas sobre maturação

O especialista reflete sobre respeito e fidelidade às ideias do produtor e ao preparo do queijo

atualizado

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1 de 1 queijo1 - Foto: Divulgação

Quando estávamos escrevendo e pesquisando sobre cura de queijos, pedimos a opinião de um especialista no tema. Mandamos as perguntas por e-mail e fomos presenteados com uma reflexão aprofundada sobre a atividade de maturar. Bruno Cabral, proprietário da loja Mestre Queijeiro, em São Paulo, não só respondeu às questões, como contou um pouco de sua experiência, sua história e deu dicas preciosas a quem está começando nesse universo. Deliciem-se com o texto abaixo.

Os produtos maturados são os alimentos mais incríveis, complexos, dinâmicos, contraditórios e têm representatividade alimentar e social importantíssima, sem falar na história do ser humano que vem vinculada à arte de maturar. A descoberta do fogo e o desenvolvimento de tecnologias como a refrigeração criaram novas possibilidades, mas esse tipo de alimento segue sendo uma fonte de nutrientes e prazer imprescindível.

Quando fazemos uma análise qualitativa de um queijo, vários fatores são questionados e avaliados. Os principais são: aroma, sabor e textura. Sim, textura. Muitos animais do nosso maravilhoso planeta Terra podem sentir amor, prazer, dor etc. No entanto, os seres humanos vão muito além disso. Nós percebemos essas sensações e podemos analisar por qual motivo gostamos mais ou menos de algum alimento ou de qualquer outra coisa.

Então, voltando à textura, a análise dessa característica é algo que contempla o prazer em comer. Tudo isso porque se alimentar não é mais um ato mecânico, é uma ação prazerosa capaz de despertar milhares de sensações. Ao degustar um pedaço de queijo, você tem que sentir o aroma, o sabor e a textura.

Quando fui para Barcelona trabalhar, recém-formado em gastronomia, achava que queijo era apenas um ingrediente a mais. Estava completamente errado e percebi isso em pouco tempo. Eu tinha a minha disposição a possibilidade de observar mais de 350 tipos de queijos todos os dias e minha antiga chefe foi me mostrando a complexidade que cada peça carregava.

Fiquei três anos nessa loja em Barcelona, observando todos os dias a evolução de centenas de queijos – nesse caso, evolução nem sempre é algo bom. Éramos fornecedores a vários restaurantes famosíssimos da cidade e alguns dos maiores chefs de cozinha vinham constantemente provar as peças conosco.

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Tive o privilégio de conversar com cozinheiros vanguardistas sobre a evolução dos queijos e aprender muito com eles. Levando essa experiência em conta, posso dizer que minha formação técnica e opinião sobre o mundo dos laticínios foi constituída sob os seguintes pilares: Escola de Gastronomia, Escola de Produção de Queijos, trabalho com queijos (maturação e comércio) e diálogo com chefs e especialistas em gastronomia.

Respeito ao queijo
Produzir queijo não é ciência exata, cada um opina diferente ou tem uma experiência única sobre os métodos. Essa comida se adapta à origem, temos a prova aqui no Brasil, onde se faz nas geladas serras gaúchas e no calor tropical da Amazônia. Também sabemos que a produção é viável no deserto, na Mongólia, em países africanos, em lugares gelados… para esse alimento não existe meridiano ou latitude. Se tem leite, tem queijo. Então, por que debatemos tanto sobre maturação? E o que significa a maturação?

 

Existem tantos aspectos para discutir que eu farei apenas observações do ponto de vista comercial, minha praia: a maturação cria novos produtos, podemos ter vários queijos a partir de uma única matriz. O “envelhecimento” acrescenta apresentação, sabor e dá valor às peças. Mas maturar não significa apenas envelhecer. No meu caso, como comerciante, preciso encontrar uma equação que atenda às demandas em vários sentidos. Tenho que trabalhar dentro dos padrões da minha filosofia queijeira, agradar ao paladar do meu cliente e, claro, respeitar o produtor.

Não é todo queijo que eu posso curar para vender. Antes disso, preciso levar em conta vários aspectos. O primeiro diz respeito à origem, onde o estágio final de maturação é fundamental na definição do produto. Já imaginou se o queijo Roquefort for maturado fora das cavernas de Roquefort? Ou o queijo Manchego fora de La Mancha? Não faz sentido.

Além da origem, é preciso respeitar o trabalho e os desejos do produtor. Quem sou eu para modificar as características singulares escolhidas por uma família? É claro que mudanças no queijo podem ser feitas, desde que haja uma conversa com o criador e a permissão dele para que o produto seja transformado e descaracterizado.

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Dicas de ouro para maturar
Depois de todas as questões levantadas anteriormente, vem a química. Muito louco, né? O queijo apto para maturar, ou afinar, como quiser chamar, precisa obrigatoriamente de um local climatizado, onde a temperatura e umidade sejam constantes o ano inteiro – impossível no Brasil sem a ajuda de um motor frigorifico.

Observar, cheirar, tocar e comer faz parte do nosso trabalho. Temos que tentar ser o queijo e sentir ele. A limpeza do local é importantíssima e deve ser periódica. Eu recomendo de 15 em 15 dias e nunca usar cloro ou produtos de limpeza com odores fortes. Eu utilizo apenas detergente neutro e água quente. Em relação à superfície de cura, tenho prateleiras de poliestireno/plástico por exigência sanitária, porém, se for possível, o melhor é madeira, que é um material vivo e interage com o produto.

Conclusão do meu queijo maturado perfeito:
Atenda aos quesitos de qualidade gastronômica (aroma, sabor e textura);
Atenda aos quesitos de respeito ao produtor e origem;
Atenda aos quesitos financeiros (fluxo de caixa);
Atenda aos quesitos profissionais (local apropriado para maturar e profissional para manipular);
Ser autêntico.

Bruno Cabral

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