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Benefício a juiz de primeira instância supera o de tribunal superior

Levantamento mostra que juízes e desembargadores ganham em média R$ 5 mil em “penduricalhos” ante R$ 2,3 mil pagos no STJ e STM, em Brasília

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
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1 de 1 200917DF_stf-001 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Magistrados estaduais recebem mais “penduricalhos” do que juízes auxiliares e ministros de tribunais superiores, em Brasília. De auxílio-moradia a “auxílio-livro”, essas indenizações nos contracheques de juízes e desembargadores dos Tribunais de Justiça (TJs) chegam a ir além do dobro pago a integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Superior Tribunal Militar (STM). Em média, a diferença no fim do mês é de R$ 5 mil, ante R$ 2,3 mil nas Cortes superiores.

Levantamento feito pelo Estadão Dados, com base nas informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), comparou os ganhos extras nos vencimentos de servidores de tribunais superiores com os de foros estaduais. Enquanto, no segundo caso, os auxílios representavam um ganho médio de até 18% em relação ao salário básico, o valor fica por volta de 8% para os ministros e juízes das instâncias superiores (veja o quadro nesta página).

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) não informou os dados de forma precisa. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) foram desconsiderados do cálculo. O TSE é composto por integrantes com mandatos (não vitalícios), e há ministros que nem sequer recebem vencimentos. O STF, apesar de a presidente Cármen Lúcia chefiar o CNJ, não repassa dados porque, segundo sua assessoria, “não integra o rol de tribunais submetidos ao controle administrativo e financeiro” do órgão.

O país tem 16 mil juízes e desembargadores, e os dois tribunais analisados somam 141 magistrados. O presidente da Associação de Magistrados do Brasil (AMB), Jayme de Oliveira, defende a legalidade dos auxílios e diz que a causa da desigualdade entre as instâncias é uma marca da Federação. “Cada Estado tem suas peculiaridades e particularidades, tem de se respeitar isso dentro do regime federativo. Essas verbas são legítimas e devem permanecer”, disse.

Oliveira argumenta que ministros recebem outras vantagens. “Nos tribunais superiores, eles têm direito à moradia direta, apartamento funcional e demais ajudas de custo.” Tribunais superiores garantem carro e motorista aos ministros.

Desrespeito à Constituição
No entanto, para o ministro aposentado do STF Eros Grau, o motivo das discrepâncias nos vencimentos é o desrespeito à Constituição. “Eu sou ministro aposentado e recebo uma quinta parte do que hoje ganha um juiz por aí. Isso é uma barbárie.” Eros deixou o Supremo em 2010 e, hoje, atua como advogado. Segundo o site do STF, seu vencimento líquido é de R$ 22,5 mil.

O que existe é o que está escrito na Constituição: ou se cumpre ou é a desordem

Eros Grau, ministro aposentado do STF

Na semana passada, o ministro do STF Luiz Fux liberou para o plenário o julgamento de uma ação sobre auxílio-moradia a juízes federais que estava parada em seu gabinete desde 2014. A iniciativa de Fux ocorreu um dia após a reportagem publicar o impacto anual dos “penduricalhos” pelo país, cerca de R$ 890 milhões.

A consequência desses auxílios é direta no contracheque dos magistrados. Tanto nos TJs como no STJ e STM, há juízes com rendimentos superiores ao teto constitucional – fixado hoje no salário básico dos ministros do Supremo, de R$ 33.763,00. Isso porque estão inclusos direitos eventuais e indenizações diversas. Apesar de não constarem casos mais extremos nas Cortes de recursos, a proporção de ministros que recebem acima do teto é de mais da metade – 95 do total de 141 –, contra um terço dos magistrados estaduais.

TJs e tribunais superiores, em Brasília, defendem a legalidade dos auxílios e das demais indenizações, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura e resoluções do CNJ.

Sem precisão
As planilhas entregues pelo TST ao CNJ na semana passada não têm precisão. Os subsídios, descontos e direitos eventuais estão preenchidos, mas, na área dos auxílios, padronizada como “indenizações”, consta que nenhum dos 37 ministros recebeu qualquer tipo de benefício.

O CNJ informou ter publicado as planilhas como foram recebidas. A assessoria de imprensa do TST alega que, quando os documentos chegaram, os contracheques eram referentes ao 13º salário, e auxílios e vencimentos de dezembro ainda serão encaminhados ao CNJ. Nenhum outro tribunal, estadual ou superior, enviou dados separados.

Generosidade
“Os dados publicados sobre a remuneração nos tribunais brasileiros são impressionantes, especialmente em tempos de austeridade, com reformas [da Previdência e trabalhista] a afetar milhões de brasileiros”, destaca Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e da PUC-SP.

De acordo com ele, os números mostram que é “excessiva” a quantidade de juízes ganhando acima dos subsídios dos ministros do STF, teto fixado pela Constituição em 2003, ou seja, há 14 anos. “Naquela época, acreditou-se que o novo regime de subsídios – que substituía o de vencimentos – acabaria com os ‘penduricalhos’ de algumas carreiras, proibindo abonos, verba de representação, adicionais. Esclareça-se que não se proíbe o pagamento de férias, 13º salário ou indenizações fundamentadas, mas, sim, de auxílios-alimentação, escolar, para mudanças, duvidosas indenizações retroativas, algo que totaliza R$ 890 milhões por ano”, lembra.

Para Conci, quando se trata de fixar remuneração, “há generosidade demais na interpretação do direito pelos tribunais – é verdade que mais acentuada nos estados –, o que afeta, claramente, sua legitimidade aos olhos de servidores e cidadãos comuns, restando acreditar que a função de controlar esses gastos excessivos será cumprida pelo CNJ e STF”.

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