Sem presença de João de Deus, centro espiritual tem futuro incerto

O que será da Casa Dom Inácio de Loyola sem João Teixeira de Faria, o João de Deus? Além das cirurgias espirituais, o centro promove correntes de oração e banhos de cristal, realizados por funcionários ligados ao líder religioso. Para seguidores, as “entidades” continuam se manifestando – mesmo sem a “presença física” do médium – e, por isso, o espaço segue aberto. No entanto, o espaço tem funcionado com cerca de um terço do movimento normal.

A perspectiva é de que fiéis sigam viajando para Abadiânia, mas em uma proporção menor e talvez mais regional do que a atual, estima André Ricardo de Souza, professor de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Talvez dê para comparar com o que ocorreu em Uberaba depois que Chico Xavier morreu (em 2002). Outros psicógrafos surgiram e atraem pessoas. Tem fluxo, mas é bem menor”, diz ele, que também é coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política da instituição de ensino.

O docente ressalta que João de Deus mistura elementos do espiritismo com o catolicismo, de modo a exibir imagens de santos e ter um deles como a principal entidade que incorpora – Santo Inácio de Loyola, que dá nome à casa. “Há muitos casos desse tipo hoje, independentemente da identificação com o espiritismo kardecista, que transita entre religiões.”

O educador lembra que um dos primeiros grandes expoentes dessa trajetória foi José Arigó, que, nos anos 1950 e 1960, chamou atenção internacional e atendeu até as filhas do presidente Juscelino Kubitschek. “Depois dele, outros também apareceram, como o Dr. Fritz, que enfrentou acusações de charlatanismo. Muitos morreram de forma trágica, em acidente de automóvel ou assassinados.”

Em Franca
Na cidade de Franca (interior de SP), um dos principais expoentes é João Berbel, do Instituto Medicina do Além (Ima), que oferece atendimentos, tratamentos e medicamentos gratuitamente. Ele ainda realiza cirurgias espirituais, mas deixou de fazer incisões nos anos 1990, quando a prática passou a ser mais criticada. Souza afirma que o procedimento é “controverso”. “É bem menos usado, até porque é algo problemático. Se, por um lado, as pessoas ficam curiosas, é um espetáculo, por outro, gera receio, medo”, pontua.

No fim da vida, Chico Xavier teria deixado de se submeter a uma cirurgia do tipo, mesmo após recomendação. “O espiritismo, enquanto religião, rejeita isso categoricamente”, ressalta. “Mas, como o João de Deus não tinha compromisso com espiritismo, continua com as incisões, que chamam a atenção, dão repercussão. Ele tem essa coisa da celebridade, dos artistas até internacionais, de uma grande espetacularização. Em torno dele se formou toda uma estrutura comercial.”

Permanência
Uma jovem de 23 anos que afirma ter sido abusada por João de Deus contou ao Estado ser contrária ao fechamento do centro. A mulher frequenta o local há 10 anos e diz ter sido abusada em 2015. “Esse trabalho ajudou muita gente, curou várias pessoas, porque quem curava era a entidade. Todos esses espíritos de luz, e não ele. Ele servia de instrumento”, diz. “Lamento que a história da casa tenha sido manchada por um escândalo. Mas acredito que vai continuar funcionando: a casa não deixará de ser um lugar abençoado, a espiritualidade tem meios de continuar esse trabalho sem ele.”