Goiânia – No segundo ano da pandemia da Covid-19, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) bateu recorde com pagamento de supersalários a magistrados, chegando ao total de R$ 555 milhões até dezembro, mesmo mês em que pediu crédito ao estado para fechar a folha, inchada por novos penduricalhos. Mesmo sem reajuste oficial, o valor representa salto de 29% em relação a 2019, último ano antes da crise sanitária. A previsão é de aumento de gastos em 2022.
Baseado em dados monitorados e divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levantamento do Metrópoles considera valores pagos a magistrados ativos e inativos, além de pensionistas. Revoltados por estarem três anos sem reajuste, servidores efetivos cogitam paralisação para 2022, mas enfrentam obstáculo no próprio sindicato da categoria, que tem evitado desgaste com a cúpula do TJGO.
Apenas neste mês de dezembro, 46 magistrados do tribunal goiano receberam, cada um, valor bruto maior que R$ 100 mil. No total, 215 juízes tiveram, separadamente, contracheque com cifra superior a R$ 78,4 mil, o dobro do que é pago a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), definido como o teto constitucional, que não incide sobre auxílios.
1/7Inchaço na folha
Em 2020, primeiro ano da pandemia, o Judiciário goiano gastou R$ 476,9 milhões com a folha de pagamento de magistrados; em 2019, R$ 431,3 milhões; e, em 2018, R$ 399,8 milhões. O aumento de gasto com contracheques deles ocorreu no mesmo momento em que o estado proibiu reajuste para servidores por causa da pandemia.
O inchaço da folha de pagamento de juízes foi impulsionado por novos adicionais instituídos pela própria cúpula do TJGO, como a “gratificação por acervo”, criada em fevereiro deste ano, e o salto de até 177% no valor do auxílio-saúde mensal. Este último é pago desde maio do ano passado e recebeu reajuste neste ano, com valor que varia de R$ 1.824 a R$ 3.546, conforme a idade de quem o recebe.
Assim como em outros estados – a exemplo de Alagoas, Mato Grosso do Sul, Roraima, Mato Grosso, além do Distrito Federal –, a “gratificação por acervo”, também chamada de “auxílio-processo”, é um adicional de 20% do salário do magistrado por acúmulo de ações.
Pela gratificação por acervo, os juízes recebem extra de R$ 6 mil a R$ 6,7 mil em caso de substituição ou acúmulo de 2,4 mil ações novas nos últimos três anos. O pagamento tem respaldo do CNJ, que aprovou em setembro do ano passado recomendação de regulamentação, pelos tribunais, do direito à compensação por assunção de acervo.
Mais cargos
Para 2022, a previsão é de ainda mais gastos com a folha de pagamento dos magistrados do Judiciário goiano, que neste mês pediu R$ 45 milhões ao estado para complementar a folha de pagamento de juízes e servidores. O governador Ronaldo Caiado (DEM) deve sancionar nos próximos dias uma lei para criar mais 10 cargos de desembargador do TJGO, depois de o projeto ser aprovado pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) em tramitação de relâmpago.
Apesar de o Judiciário não ter respondido qual é o valor do impacto financeiro com a criação desses novos cargos, o portal da transparência mostra que, em média, um desembargador do TJGO recebe pelo menos R$ 35 mil mensais. Além disso, o tribunal goiano tem abertas 52 vagas para juízes substitutos, que devem ser preenchidas por meio de concurso público em andamento.
Recomposição salarial
Em alguns casos, o valor do subsídio de magistrados pode mais que dobrar, se somados os valores de penduricalhos, como auxílios para saúde, alimentação e creche dos filhos. Além disso, o TJGO bateu recorde, neste ano, com o pagamento de recomposições salariais decorrentes de perdas que juízes alegam ter sofrido na transição do Cruzeiro Real para o Plano Real e que é autorizado pela própria cúpula do tribunal.
No total, de acordo com dados divulgados pelo CNJ e compilados pelo Metrópoles, o TJGO pagou, em 2021, um total de R$ 134,1 milhões apenas de recomposições salariais para 465 magistrados e pensionistas, após articulação da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego). Em 2020, foram R$ 92 milhões e, em 2019, R$ 61,5 milhões com gastos do que é conhecido como unidade real de valor (URV).
Contra supersalários
A Constituição Federal estabelece que a remuneração dos servidores públicos não pode exceder o subsídio mensal dos ministros do STF, no valor de R$ 39.293,32. A regra busca impedir supersalários na administração pública. Em dezembro, o TJGO chegou a pagar R$ 133,5 mil em apenas um contracheque, que ocupa o topo da lista.
Além de pagar auxílios e outras vantagens decorrentes de autorizações que os próprios juízes decidem para si, para readequar o cálculo do subsídio, o TJGO ainda permite que, por ano, duas férias sejam convertidas em dinheiro, a partir de pedido prévio de cada magistrado para a presidência do tribunal, desde que comprove interesse público.
No período da pandemia, via decisão administrativa, o órgão estabeleceu que essa exigência é atendida diretamente por causa da Covid-19.
De acordo com relatório Justiça em Números 2021, produzido pelo CNJ e divulgado no mês passado, o TJGO é o segundo tribunal do país com maior custo mensal (R$ 78,2 mil) com magistrados e servidores, incluindo benefícios, encargos, indenizações, diárias, passagens e outras verbas. Fica atrás só do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).
“Cumpre a legislação”
Em nota ao Metrópoles, o TJGO informou que “cumpre a legislação e normas vigentes e que todos os pagamentos e julgamentos realizados constam do portal da transparência e do Diário da Justiça”.
A Asmego disse, também por meio de nota, que todos os direitos garantidos aos magistrados estão previstos na legislação e normas do CNJ. “O pagamento de férias, 13º salário e quaisquer proventos auferidos ao longo do ano são legítimos e dizem respeito especificamente ao trabalho efetuado por cada magistrado”, diz o texto.
Sindicato dos Servidores
Em nota enviada após a publicação desta reportagem, o Sindicato dos Servidores e Serventuários da Justiça de Goiás (Sindjustiça) informou que “após inúmeras tratativas com o TJ, o Sindicato aguarda resposta da administração à contraproposta apresentada ao grupo de estudos responsável pela alteração do Plano de Cargos e Salários dos Servidores, o que, espera-se, venha corrigir as perdas salariais dos últimos anos”.
O Sindicato informou ainda que “mobilizações, paralisações ou greves em prol dos direitos dos Servidores do Judiciário não estão descartadas em 2022. Entretanto, deixa claro que quem delibera por elas é a categoria em assembleia, e não polêmicas criadas pela mídia”.
Os representantes dos servidores afirmaram ainda que o Sindjustiça “não é um sindicato pelego” e negaram que exista qualquer tipo de orientação com o objetivo de evitar desgastes com a cúpula do TJGO.
Ao ponderar sobre os gastos mencionados na reportagem, o Sindicato ressaltou que “não é responsável pelo que o Tribunal de Justiça faz ou deixa de fazer, sendo esse um assunto para os órgãos de controle e fiscalização”. E acrescentou: “O Sindjustiça age em defesa da categoria dos Servidores e, para isso, avalia e atende a todas as questões legais envolvidas”.