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Estudo aponta que emendas parlamentares não são só moeda de troca

Pesquisador vê “cruzada contra emendas parlamentares” e defende que, ao promover benfeitorias locais, elas podem trazer retorno social

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
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1 de 1 19_02_2021_17_13_09 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Um estudo recém-publicado na Revista Brasileira de Ciência Política mostra que, apesar da visão negativa sobre as emendas parlamentares perante a opinião pública, e em que pesem as necessidades de aprimoramento, elas são importante instrumento de promoção de políticas públicas.

Intitulado “O mito da ineficiência alocativa das emendas parlamentares”, o estudo foi produzido por Dayson Pereira Bezerra de Almeida, consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, e aponta que a distribuição dos recursos pelos parlamentares pode ter benefícios, contribuindo para que eleitores tenham suas demandas locais atendidas e se sintam mais bem representados.

As emendas parlamentares são recursos indicados por deputados e senadores no Orçamento da União para obras e projetos em redutos eleitorais. A prática vem sendo demonizada como se ela fosse sempre reprovável, mesmo que hoje sua execução seja impositiva.

A imprensa comumente aponta as emendas como moeda de troca entre o presidente da República e parlamentares em momentos decisivos para o Palácio do Planalto.

“Em algumas ocasiões vemos uma espécie de cruzada contra emendas parlamentares, que seriam moralmente reprováveis, quase pecaminosas — o que não me parece salutar”, disse o autor do estudo ao Metrópoles. Para ele, essa narrativa desconsidera que os gastos decididos pelo Executivo sofrem, muitas vezes, dos mesmos problemas associados às emendas, tais como corrupção, obras paralisadas e ausência de critérios técnicos. Ou seja: “Não são mazelas restritas ao gasto de origem parlamentar”.

Recentemente, a liberação de emendas parlamentares às vésperas das eleições para as presidências da Câmara e do Senado suscitou discussões sobre barganhas entre parlamentares e o governo — a famosa inferência de troca de votos por verba pública.

Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, em janeiro de 2021, mês anterior ao das decisões internas no Legislativo, o governo federal liberou R$ 504 milhões a parlamentares em emendas.

Para Dayson Almeida, a utilização das emendas nada mais é do que um tradicional instrumento para promoção da governabilidade, isto é, para a garantia das condições necessárias ao exercício do poder de governar.

“Em determinados momentos, o Executivo recorre à prática com maior intensidade, para garantir apoio às suas iniciativas, ou bloquear a agenda oposicionista. Essa dinâmica não é nova e compõe a lógica do presidencialismo de coalizão”, explicou o consultor legislativo.

Desde 2015, uma emenda à Constituição estipulou que o pagamento das emendas parlamentares individuais é obrigatório. No entanto, é o Executivo quem define o momento da liberação da verba.

Além disso, o governo pode indicar impedimentos técnicos ou contingenciamento dos recursos das emendas, o que permite que o Executivo ainda mantenha um papel relevante na decisão de executar, ou não, as emendas individuais.

Origem da desconfiança

O estudo lembra que as emendas possuem esse estigma negativo por serem comumente associadas a casos de corrupção recentes, como os escândalos dos anões do orçamento e da máfia das sanguessugas.

O episódio conhecido como “os anões do orçamento” foi um esquema desvendado em 1993, no qual políticos manipulavam emendas parlamentes com o objetivo de desviar dinheiro público através de entidades sociais fantasmas ou com a ajuda de empreiteiras.

A abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso derrubou o então presidente da Câmara na ocasião, Ibsen Pinheiro (PMDB), e outros deputados que acabaram cassados ou preferiram renunciar.

Em seguida, a máfia das sanguessugas, que estourou em 2006, desvendou uma quadrilha que tinha como objetivo desviar dinheiro público destinado à compra de ambulâncias. A quadrilha negociava com assessores de parlamentares a liberação de emendas individuais ao Orçamento da União para que fossem destinadas a municípios específicos.

Além dessas associações, há ainda preocupações com a qualidade do gasto público, argumentos que apontam violação à separação dos Poderes e até prejuízos e quebra de isonomia na competição eleitoral. “São críticas válidas que merecem reflexão e podem levar ao aperfeiçoamento do instrumento”, avaliou o pesquisador.

Para ele, para determinar se o custo-benefício da execução de determinada emenda se justifica ou não, é preciso examinar cada caso. “Há, sem dúvidas, pontos positivos e negativos relacionados à prática”, assinalou.

Dayson observa que a parcela do orçamento federal destinada à promoção de benfeitorias locais traz maior retorno social se o representante eleito souber conduzir o processo de decisão. Ele avaliou ser natural que parlamentares valorizem esse instrumento e priorizem suas bases eleitorais, atendendo a demandas de caráter local.

“Por outro lado, olhando para esse fenômeno sob a ótica da democracia representativa, em que se espera que representantes deem voz aos anseios dos eleitores, as emendas materializam essa esperada sensibilidade dos eleitos em relação às preferências dos votantes”, pontuou.

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