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“Episódios recentes colocam em dúvida o que é o certo” ao governo, diz Moro

Moro rebateu declarações do presidente que afirmou que o combate à criminalidade melhorou “como por um passe de mágica”

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Jair Bolsonaro e Sergio Moro
1 de 1 Jair Bolsonaro e Sergio Moro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Pivô no inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou interferir politicamente na Polícia Federal para blindar aliados, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, rebateu enfaticamente neste domingo (02/08) declarações do chefe do Executivo que, via Facebook, afirmou que o desempenho do governo em operações de combate ao crime melhorou com a substituição do ex-juiz na chefia da pasta.

Em entrevista ao Estadão, Moro diz que, enquanto esteve no cargo, faltou apoio do presidente para ajudá-lo a por em prática uma agenda anticrime e anticorrupção.

“Tenho que dizer que não houve um grande apoio do presidente para a maioria dessas iniciativas do Ministério, mas penso que há tempo considerável para que o governo retome algumas dessas bandeiras, como a aprovação da PEC da segunda instância, o que é muito mais efetivo do que a multiplicação de operações policiais de buscas e apreensão”, afirma.

O ex-juiz federal, que ganhou notoriedade por sua atuação no julgamento de processos oriundos da Operação Lava Jato, em Curitiba, abandonou a magistratura para embarcar no Planalto empunhando justamente a bandeira da luta contra a corrupção e do enfrentamento à criminalidade. Ao aceitar o convite, se tornou peça-chave para legitimar a retórica da campanha bolsonarista que prometeu o fim do “toma lá dá cá”.

No entanto, hoje Moro diz que há uma “distância entre o discurso e a prática” do governo. “O que tem sido noticiado pelos jornais nos últimos meses é um progressivo loteamento político de diversos cargos administrativos dentro do governo, com indicações provenientes principalmente do grupo político denominado “centrão”. Na campanha eleitoral, o presidente havia prometido publicamente rejeitar e coibir essa prática”, sustenta.

Enquanto esteve no cargo, o então ministro acumulou reveses, incluindo a desidratação do pacote anticrime formulado por ele e a perda do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Agora que deixou o governo, trazendo a público a pressão do presidente por trocas no comando da PF, recebeu recado de Bolsonaro: “Com a troca de Ministro da Justiça, como por um passe de mágica, várias e diversificadas operações foram executadas”.

Em resposta, Moro diz que “não há passe de mágica” quando o assunto é implementar políticas de Segurança Pública e garantir autonomia para os trabalhos de investigação e destaca que boa parte das operações recentes deflagradas pela Polícia Federal é resultado de apurações da força-tarefa da Operação Lava Jato.

“Essas operações, em regra, são trabalhadas durante meses. Em alguns casos é questão de anos. Muitas das operações deflagradas recentemente tiveram origem em apurações realizadas durante a Operação Lava Jato e no acordo celebrado com a Odebrecht. Então, não há “passe de mágica”, mas um trabalho duro que vinha sendo realizado na minha gestão e que, em boa parte, foi consequência do meu trabalho como juiz federal”, rebate.

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Leia a entrevista completa:

ESTADÃO: O presidente disse neste domingo, 2, no Facebook, que depois que o Sr deixou o Ministério da Justiça a Polícia Federal “como num passe de mágica” fez várias e diversificadas operações. Segundo ele, a PRF triplicou as apreensões de drogas. O Sr concorda com isso?

Sérgio Moro: A Polícia Federal sempre trabalhou com autonomia durante minha gestão, em ações e operações coordenadas com o Ministério Público Federal. Essas operações, em regra, são trabalhadas durante meses. Em alguns casos é questão de anos. Muitas das operações deflagradas recentemente tiveram origem em apurações realizadas durante a Operação Lava Jato e no acordo celebrado com a Odebrecht. Então, não há “passe de mágica”, mas um trabalho duro que vinha sendo realizado na minha gestão e que, em boa parte, foi consequência do meu trabalho como juiz federal. Quanto às apreensões de drogas, enquanto estive à frente do Ministério da Justiça, a PF e a PRF bateram o recorde histórico de apreensão de cocaína. Foram mais de 98 toneladas em 2019.

ESTADÃO: No post que intitulou ‘Combate à corrupção: verdade’, o presidente diz que a PF goza de total liberdade e que ele nunca interferiu em “absolutamente nada”. É verdade?

Sérgio Moro: Há uma apuração no Supremo Tribunal Federal a esse respeito. Sempre defendi que a PF pudesse atuar com absoluta autonomia e independência. Deixei o Ministério da Justiça e Segurança Pública por entender que isso estaria sendo colocado em risco. A Polícia Federal é um órgão de Estado e conta, há bastante tempo, com o reconhecimento da população brasileira. Isso tem que ser preservado.

ESTADÃO: Na mesma publicação, Bolsonaro diz que o maior programa de combate à corrupção foi executado por ele ao não lotear cargos estratégicos, como presidência das estatais, por exemplo. Apesar disso, é fato público que o governo tem no Centrão sua nova base de apoio. O Sr vê coerência nessa aproximação?

Sérgio Moro: O que tem sido noticiado pelos jornais nos últimos meses é um progressivo loteamento político de diversos cargos administrativos dentro do governo, com indicações provenientes principalmente do grupo político denominado “centrão”. Na campanha eleitoral, o presidente havia prometido publicamente rejeitar e coibir essa prática. Mas o que vemos hoje é uma distância entre o discurso e a prática.

ESTADÃO: O presidente também anunciou concurso para mais 2.000 vagas no Ministério da Justiça. Com a PEC do teto de gastos, a despesa adicional com essas contratações é viável na visão do Sr? Elas são necessárias?

Sérgio Moro: Como ministro da Justiça e Segurança Pública, ampliei o número de vagas do concurso corrente da PF de 500 para 1200. Antes de deixar o governo, eu havia encaminhado a proposição de um novo concurso da PF. É certo que, em nenhuma hipótese, deve ser violado o teto de gastos, já que é essencial para a credibilidade da política econômica. Na época, isso foi acertado com o ministro da Economia.

ESTADÃO: Bolsonaro também disse que está há 18 meses sem qualquer denúncia de corrupção e isso tem “incomodado” derrotados em 2018. Apesar disso, o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, é investigado por suposto desvio de salários de funcionários parlamentares, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi indiciado no inquérito sobre candidaturas-laranja no PSL em Minas Gerais, o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten é investigado por advocacia administrativa, o ex-ministro da Educação é alvo do inquérito das fake news… O Sr concorda com a afirmação do presidente?

Sérgio Moro: Acredito na importância de as pessoas em posição de liderança darem o exemplo. Deve sempre existir um compromisso, sem qualquer vacilo, a favor do que é certo e contra o que é errado. As pessoas aprendem com o exemplo e isso, na maioria das vezes, vale muito mais do que diversas ações policiais. A liderança maior tem que partir do presidente da República. Alguns recentes episódios, infelizmente, colocam em dúvida esse compromisso quanto ao que é o certo por parte desse governo.

ESTADÃO: O post de Bolsonaro é claramente dirigido ao Sr, que o acusou de interferir na PF. Esse texto do presidente é um sinal de que o inquérito aberto a partir de sua denúncia no dia 24 de abril, quando renunciou ao cargo de ministro da Justiça, não vai dar em nada? Ou seja: vai acabar em pizza?

Sérgio Moro: Eu deixei o governo e externei as minhas razões de forma clara e transparente, especialmente a discordância quanto aos motivos da tentativa frequente de intervenção na Polícia Federal. Meu propósito foi apenas o de esclarecer o motivo de minha saída e tentar proteger a PF. É importante destacar que partiu do PGR a iniciativa de abrir um inquérito para apurar esse fato. Não fui eu quem solicitou o inquérito. A partir disso, fui obrigado a indicar mensagens e vídeos sobre o fato. Caberá às instituições extraírem as conclusões sobre o que ocorreu. Eu estou absolutamente tranquilo com minhas afirmações sobre a verdade dos fatos.

ESTADÃO: A crise sem precedentes na PGR põe a Lava Jato contra a parede. Acredita que o presidente está por trás dessa ofensiva para atingir os procuradores e o Sr que conduziu a Operação desde o seu início?

Sérgio Moro: Vejo com tristeza esse conflito entre o PGR nomeado pelo presidente da República e o restante do Ministério Público Federal, inclusive as forças-tarefas. Penso que a Operação Lava Jato, que é a maior investigação contra a corrupção da história e que rompeu com a tradição de impunidade de crimes praticados por poderosos, deveria ser valorizada e não atacada. É ainda desalentador assistir a uma aparente pressão sobre procuradores da República que participaram das operações. Entendo ser necessário, acima da discussão sobre a Lava Jato, garantir a independência constitucional da atuação dos procuradores, já que eles não são subordinados funcionalmente ao PGR, mas apenas administrativamente.

ESTADÃO: Quando o presidente se refere a investigações conduzidas ‘por outro Poder’ ele aponta naturalmente para os inquéritos do STF sobre as fake news e os atos anti democráticos. Ele teme que essas investigações o atinjam?

Sérgio Moro: Esse inquérito corre e é conduzido pelo Supremo Tribunal Federal. Eu não participava dessas investigações. Não tenho como dizer se o Presidente teme ou não essas apurações. Mas elas precisam correr sem obstrução e sem tentativas de intimidação.

ESTADÃO: Enquanto esteve no cargo, o Sr sofreu derrotas importantes na agenda anticrime e anticorrupção, como a perda do Coaf e a desidratação do ‘pacote anticrime’. Bolsonaro prejudicou o desempenho do Ministério da Justiça nas operações de combate à criminalidade?

Sérgio Moro: Houve muitos avanços no combate à criminalidade durante minha gestão no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Lançamos programas muito relevantes, como os centros de fusão de combate ao crime, banco de perfis genéticos, programa Vigia de fronteiras, o programa Em frente Brasil de combate à violência urbana, o grupo especial de investigação de desvios de financiamento de ações contra a Covid-19. Apresentamos o projeto de lei anticrime e apoiamos os projetos de lei e a PEC para restabelecer a execução da condenação em segunda instância. Tenho que dizer que não houve um grande apoio do presidente para a maioria dessas iniciativas do Ministério, mas penso que há tempo considerável para que o governo retome algumas dessas bandeiras, como a aprovação da PEC da segunda instância, o que é muito mais efetivo do que a multiplicação de operações policiais de buscas e apreensão.

ESTADÃO: A proposta do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de impor quarentena eleitoral de oito anos para juízes tem o Sr como alvo? Querem sufocar desde já eventual pretensão política do ex juiz da Lava Jato para 2022?

Sérgio Moro: O que há são especulações sobre eventual candidatura em 2022 e eu jamais confirmei algo assim. Estou preocupado, no momento, com a pandemia e em redirecionar minha vida profissional. O prazo de oito anos proposto é um exagero. Basta dizer que é semelhante às penas impostas a criminosos condenados. Então, parece que juízes e promotores estão sendo equiparados a criminosos, tendo seus direitos políticos cassados sem cometer quaisquer ilícitos. Não consigo acreditar que tenham a mim como alvo específico, o que seria ainda mais absurdo.

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