Análise: Bolsonaro quer guinada do STF para atender evangélicos

Constituição não faz restrições religiosas a ministros do Supremo, mas o Estado é laico e as convicções pessoais estão submetidas à ordem jurídica

Eumano Silva
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Nos primeiros meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) gastou boa parte do tempo em conflito com o Congresso Nacional. Pautas como a reforma da Previdência e o pacote anticrime provocaram atritos e negociações entre o Planalto e o Parlamento. Nessa sexta-feira (31/05/2019), os interesses do capitão se voltaram para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Em discurso na Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil, em Goiânia, Bolsonaro abordou a possibilidade de indicação de alguém com perfil religioso para a Corte. “Será que não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico?”, indagou.

A questão foi levantada pelo presidente ao fazer referência ao julgamento do STF sobre a criminalização da homofobia. Na sua opinião, ao discutir esse assunto, o Supremo atua como legislador – papel atribuído ao Legislativo pela Constituição.

O movimento de viés religioso demonstra que Bolsonaro tem a intenção de atender aos interesses dos evangélicos no Judiciário. Na disputa presidencial de 2018, ele foi o preferido desse segmento do eleitorado.

A pauta relacionada à homofobia desagrada essa parcela dos brasileiros. Pastores evangélicos conservadores querem ter o direito de tratar do assunto nas igrejas sem que sejam acusados de discriminação. O julgamento no Supremo foi suspenso no dia 23 de maio, depois dos votos de seis ministros – todos favoráveis à equiparação do comportamento homofóbico com racismo.

De fato, dos 11 integrantes do STF, nenhum se declara evangélico. Levantamento feito pelo Estadão indicou que Luiz Fux e Luís Roberto Barroso são judeus, Rosa Weber e Celso de Mello não se manifestaram sobre suas preferências religiosas e os outros sete são católicos.

As declarações do presidente incomodaram alguns integrantes do Supremo. Alexandre de Moraes considera normal a indicação de um ministro alinhado com as ideias de Bolsonaro, mas discorda da interpretação de que o STF estaria legislando ao julgar a criminalização da homofobia. Na sua opinião, nesse caso, o tribunal age dentro da prerrogativa de defesa dos direitos das minorias.

O ministro Marco Aurélio Mello apontou o que considera o perfil ideal para o Supremo. “O importante é termos juízes que defendam a ordem jurídica e a Constituição. O Estado é laico. O Supremo é Estado”, disse o magistrado ao ser questionado sobre o discurso de Bolsonaro.

Presidente do STF, o ministro Dias Toffoli também fez referência indireta ao pronunciamento do chefe do Executivo federal. Defendeu o julgamento da criminalização da homofobia e destacou que não há espaço para “paixões, ideologias e vontades” no Supremo.

De acordo com a Constituição, os 11 ministros devem ser “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Cumpridos esses pré-requisitos, o texto legal não faz qualquer restrição religiosa – ou mesmo política.

Logo, Bolsonaro tem todo direito de querer nomear um integrante evangélico para a Suprema Corte. Assim como pode, também, indicar alguém que pratique qualquer outra religião, seja de matriz africana, asiática ou, ainda, um ateu ou ateia.

Como o Estado é laico, porém, seria indevida a nomeação de um magistrado que, no STF, priorizasse as convicções religiosas em detrimento da legislação constitucional. A supremacia de crenças em relação ao conhecimento científico, por exemplo, empurraria o país no rumo da desinformação e do obscurantismo.

No momento atual do Brasil, além dos atributos exigidos pela Carta Magna, espera-se que os futuros nomeados tenham uma boa dose de equilíbrio e apego às jurisprudências. Nesses quesitos, o STF tem sido mais um fator de desestabilização do país. Não é esse o papel de uma Suprema Corte.

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