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Propostas de Bolsonaro emperram na Câmara dos Deputados

Em atrito com deputados, Planalto não consegue aprovar nenhum dos 16 projetos ou MPs apresentados em quase cem dias de governo

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
abertura sessão Câmara dos Deputados
1 de 1 abertura sessão Câmara dos Deputados - Foto: Michael Melo/Metrópoles

As dificuldades na articulação política do governo se refletem no número de proposições de iniciativa do Palácio do Planalto aprovadas pelo Congresso nos quase cem dias de mandato do presidente Jair Bolsonaro: zero. Todos os 16 projetos ou medidas provisórias apresentadas pelo Executivo tramitam em ritmo lento, quase parando, na Câmara dos Deputados.

As pautas vão desde proposta de emenda à Constituição (PEC) que modifica as regras das aposentadoria no país – que só ganhou relator duas semanas após chegar à Casa – à Medida Provisória (MP) 870, que modifica a estrutura dos ministérios e já recebeu 539 emendas. O texto, que prevê, por exemplo, a extinção da pasta do Trabalho, chegou dia 2 de janeiro e não tem sequer relator.

Os deputados federais já impuseram duas derrotas importantes ao Palácio do Planalto, primeiro ao rejeitarem o decreto que ampliava número de servidores aptos a classificar documentos como sigilosos e, depois, ao instituírem o Orçamento impositivo, que engessou a gestão das contas.

A iniciativa foi vista como retaliação dos deputados por não conseguirem indicar nomes para cargos no primeiro e segundo escalões e pelos ataques de Bolsonaro ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em sua defesa, o presidente diz que não vai negociar com base no que chama de “velha política”.

Resiliência
O principal responsável pela articulação política do Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, admite as dificuldades na relação com o Congresso.

“Precisamos, com humildade, paciência e resiliência, chegar ao caminho para o entendimento. Não ganhamos uma folha em branco onde só o Executivo escreve”, disse ele, na terça-feira passada, após reunião com líderes partidários na Câmara. Horas depois da visita, os deputados derrotaram o governo aprovando o Orçamento impositivo.

Colegas de partido do presidente também reconhecem a paralisia no Congresso e apontam o dedo para a reforma da Previdência, um tema que divide a Casa, e para a renovação da Câmara, que este ano ficou em 52%. “Somos, na maioria, deputados de primeiro mandato. Até mesmo os nossos líderes não têm experiência legislativa. Acho que esse processo turbulento começa a decantar e vamos conseguir avançar com as pautas do governo na Casa”, afirmou o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

Cabe ao presidente da Casa encaminhar os projetos para as comissões, e aos presidentes dos colegiados indicarem os relatores que serão responsáveis por opinar sobre o texto e promover alterações. Os relatores podem, até mesmo, desconfigurar por completo um projeto.

Em janeiro, o governo apresentou as 50 metas para os primeiros 100 dias do governo, que serão completados em 11 de abril. Parte dessas propostas precisa passar pelo Legislativo, como o projeto de lei que estabelece medidas para combate ao devedor contumaz (inadimplência substancial e reiterada de tributos). O texto chegou à Câmara no dia 20 de março e, desde então, está na mesa de Maia.

Nem mesmo as medidas provisórias estão tramitando. Levantamento feito pelo Estado aponta que as nove MPs encaminhadas até hoje pelo governo à Câmara não possuem relator. Três delas foram apresentadas ainda em janeiro, como a que reduziu o número de ministérios, de 29 para 22.

Se essa MP caducar, o que significa não ser votada até o dia 3 de junho, o Ministério da Economia, por exemplo, terá de ser todo desmontado. Foi por meio da MP que Bolsonaro reuniu no mesmo guarda-chuva Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, que estão sob o comando do ministro Paulo Guedes.

Outro exemplo é o da MP que libera auxílio emergencial para as vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho, ainda sem relator. O texto chegou à Câmara no dia 13 de março. Estabelece pagamento de R$ 600 para as famílias beneficiárias do programa Bolsa Família na região.

A medida provisória que impede o desconto em folha da contribuição sindical também está parada desde o dia 1.º de março. Não tem nem comissão especial instalada.

As MPs têm força de lei, o que significa que começam a vigorar no dia em que foram publicadas no Diário Oficial da União. Mas podem perder a validade se não forem votadas pelo Congresso num prazo de 120 dias.

Projetos
O governo também enviou à Câmara uma PEC que altera as regras da Previdência e seis projetos de lei. Do pacote, apenas a PEC tem relator definido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o deputado Marcelo Freitas (PSL-RJ).

As demais propostas estão paradas à espera de um relator, incluindo os três projetos apresentados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que preveem medidas de combate ao crime organizado. O pacote de Moro foi encaminhado a um grupo de trabalho que terá 90 dias para discutir as medidas. Só depois ele segue para a tramitação normal.

Assim como Bolsonaro, a ex-presidente Dilma Rousseff também enfrentava um ambiente hostil na Câmara que, à época, era presidida pelo deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso pela Lava Jato. O PT trabalhou na ocasião para eleger um aliado ao comando da Casa, mas perdeu no voto. Bolsonaro também estimulou candidaturas anti-Maia, mas o presidente do seu partido, Luciano Bivar (PE), fechou aliança com o demista.

Dilma apresentou seis medidas provisórias e cinco projetos de lei nos primeiros três meses do governo. Deles, uma MP caducou sem a designação de um relator; em quatro propostas, o nome escolhido só foi definido em abril; duas propostas não entraram em discussão; uma teve o relator conhecido só em 2016.

Maia minimiza bloqueio de emendas
Após dias de trocas de farpas entre governo e Congresso, o presidente da Câmara, começa a semana em aparente trégua com o governo. Ao comentar o bloqueio de quase R$ 3 bilhões em emendas parlamentares anunciado na semana passada, Maia disse que o corte se deve à frustração de receitas e não é uma retaliação aos parlamentares, que aprovaram em tempo recorde uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que engessou ainda mais o Orçamento. “Não (é uma retaliação). É mais uma frustração da arrecadação. Apenas isso”, afirmou Maia.”

Depois de muita discussão pública com o presidente Jair Bolsonaro, Maia se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e eles decidiram liderar a articulação política em torno das pautas da agenda econômica no Congresso. Pelo acerto, Guedes se comprometeu a receber grupos de parlamentares para discutir a reforma da Previdência, enquanto Maia garantiu que vai acelerar a tramitação da proposta.

Saia justa
A promessa de que o contingenciamento não incluiria as emendas parlamentares havia sido feita pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Apesar da tentativa de Maia de colocar panos quentes na discussão, o corte incomodou líderes partidários nos últimos dias.

“É retaliação sim. O governo quer desgastar a imagem do Congresso com a população e está esgarçando ao máximo a corda”, afirmou o líder do Podemos, José Neto (GO).

Líder do Solidariedade, o deputado Augusto Coutinho (PE) disse que o corte de emendas é uma sinalização errada do governo ao Legislativo. “Atos como esse minam a confiança do Parlamento no governo”, disse.

O termômetro para uma agenda positiva na Câmara será sentido nesta terça-feira (2/4), na próxima reunião de líderes, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem. Além do contingenciamento, os parlamentares devem discutir uma agenda paralela ao Executivo para dar mais protagonismo à Casa.

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