Janot vice de Aécio? Ex-PGR narra propostas que recebeu do tucano

O livro Nada Menos que Tudo relata a oferta de cargos ao ex-PGR por parte de políticos, alguns investigados pela Lava Jato

Luciana Lima
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As memórias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, relatadas no livro Nada Menos que Tudo, remontam fatos da história recente do Brasil e falam, entre muitos assuntos, de bastidores do poder no período pós-impeachment de Dilma Rousseff. Nesta época, o então senador Aécio Neves (PSDB-MG) (hoje deputado federal) ainda cultivava a esperança de que se elegeria presidente da República em 2018 e, se apresentando como “virtualmente presidente”, chegou a chamar Janot para ser seu ministro da Justiça ou candidato a vice-presidente na chapa tucana que esperava encabeçar.

Na publicação, assinada pelos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evellin, Janot conta, entre os louros e as dificuldades de ocupar o cargo de PGR, como aconteceu a abordagem do tucano que, segundo ele, também cultivava o receio de que as delações da Lava Jato o atingissem, como de fato ocorreu e acabou jogando por terra, ou ao menos adiando, os sonhos presidenciais do mineiro.

“A terceira rodada de sondagens, estas mais incisivas, partiu do senador Aécio Neves. No início de 2017, quando as delações dos executivos da Odebrecht começavam a deixar o mundo político de cabelo em pé, Neves me procurou justamente para falar sobre o assunto. Como outros políticos, queria saber quais eram as acusações que existiam contra ele e dizer, claro, que tudo não passava de manobras de adversários. Depois do discurso inicial, ele, muito senhor de si, me convidou para ser o ministro da Justiça em seu futuro governo. Ele estava certo de que ganharia as eleições presidenciais do ano seguinte, e desde então já estava formando equipe”, relata o procurador.

“Virtualmente presidente”
Em situações anteriores, Janot conta que havia recusado dois convites de Aécio no governo de Minas Gerais, um deles para ser secretário de Defesa Social. “O senador se lembrava dessa história toda, e partiu para o ataque. “Sou virtualmente presidente da República e gostaria de convidá-lo para ser meu ministro da Justiça. Tentei trabalhar com você outras vezes e não deu certo. Mas, agora, vamos ver se a gente une forças pelo Brasil”, teria dito, segundo o ex-PGR.

Janot pondera no livro que a frase: “Sou virtualmente presidente da República”, dita pelo senador na época, “soa estranha” nos dias de hoje, mas que, naquele período, era natural. “Com o antigo adversário, o PT, carcomido, Neves tinha fortes chances de se eleger presidente, mas acabou sendo arrastado pelo mesmo furacão que levaria ele e muitos outros políticos influentes para o fim da fila”, ponderou o procurador, referindo-se às delações dos diretores da JBS, que apontaram o então presidente nacional do PSDB, num luxuoso hotel de São Paulo, pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista, um dos donos da empresa.

“Era como se um estudante pedisse ao pai um dinheiro extra para levar a namorada ao cinema no fim de semana”, diz Janot, no livro. No diálogo, Aécio ainda diz que o dinheiro tem que ser entregue a alguém que possa ser eliminado antes de fazer a delação. “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”.

“Com mais de 50 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2014, Aécio Neves seria o candidato natural do PSDB à Presidência da República em 2018 e, segundo os analistas políticos, o provável presidente do país a partir de janeiro de 2019”, pondera a publicação.

“Dotes culinários”
Janot relata que uma semana depois de ter recusado ser ministro da Justiça, Aécio voltou ao seu gabinete com a proposta para que ele fosse candidato a vice na chapa tucana.

“De todo modo, uma semana depois de receber um não, Aécio Neves voltou à Procuradoria-Geral com uma proposta que, no entendimento dele, seria irrecusável. “Me desculpe, procurador, mas realmente o que eu lhe ofereci era muito pouco. Você é procurador-geral da República, não vai ter interesse em ser ministro da Justiça. Então eu tenho uma outra proposta: você podia ser vice-presidente. Você escolhe o partido da base que você quiser. Eu te coloco nesse partido e você sai candidato a vice na minha chapa”, disse, ainda com a ideia fixa de que seria o próximo presidente da República”, relata a publicação.

Janot, além de recusar, diz ter estranhado o argumento usado pelo tucano. “Antes que eu perguntasse o que faria como vice-presidente da República, ele se apressou em explicar. “Todos sabemos que você cozinha muito bem. Isso vai virar notícia no mundo. É o vice-presidente da República do Brasil convidando, por exemplo, embaixadores, representantes de governos estrangeiros para jantares no Jaburu, jantares preparados pelo próprio anfitrião. O vice-presidente vai à cozinha, faz o jantar. Isso vai ter uma repercussão muito positiva!”, ele disse, exultante, conta o ex-procurador.

“Aí eu tive que apelar para a brincadeira. “Eu adoro cozinhar. Sempre que posso me arrisco na cozinha. Mas acho que tenho outros pressupostos, outro tipo de formação que me permitiria, se fosse o caso, exercer a vice-presidência. Tenho uma formação técnica, intelectual e política. Poderia ser vice por causa dessa formação, e não por meus dotes culinários”, respondeu.

Em seguida, conta Janot, vieram as “hecatombes” que tiraram Aécio do páreo na corrida presidencial.

Outros convites
O livro ainda relata sondagens feitas ao ex-procurador, tanto no governo de Dilma Rousseff, como no governo de Michel Temer. Em 2015, o então ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Cardozo, teria dito em uma conversa que Janot “ficaria muito bem no STF”. “Como tínhamos essa proximidade, pude dizer com toda franqueza que não tinha interesse algum em ser ministro”, relata Janot.

“A segunda vez que me acenaram com a toga de ministro foi no governo do ex-presidente Michel Temer. Recebi vários sinais. No mais explícito deles, o subsecretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, foi até minha casa conversar comigo sobre o assunto”, contou. Janot ainda relata ter sido sondado pelo então ministro da Casa Civil de Temer, Alexandre Padilha.

Convite a Moro
Janot conta ter recusado todos os convites com a convicção de não ter aceitado “mudar de lado”. “Agradeci as generosas abordagens, mas recusei todas elas. Eu tinha perfeita noção do meu papel e não queria criar laços excessivos que comprometessem a minha liberdade de movimento, e muito menos mudar de lado, como alguns fizeram e ainda fazem. Comigo, não!”

No livro, ele aponta a aceitação do convite feito pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) por parte do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como um relato antagônico à postura que tomou na época.

“Em 2018, o filme se repetiria com outros personagens e com um final ligeiramente diferente. O juiz Sergio Moro aceitou o convite do candidato Jair Bolsonaro e, depois da vitória do ex-deputado nas eleições presidenciais, assumiu o Ministério da Justiça. Nem tudo é tão imprevisível na política”, observa, no livro.

Plano para matar
A expectativa em torno da publicação ganhou corpo após Janot ter admitido em entrevistas ter ido armado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para matar o ministro Gilmar Mendes e depois cometer suicídio. As confissões do ex-PGR provocaram reação na Corte. Ele teve seu porte de arma suspenso e está proibido de se aproximar de qualquer ministro do STF.

O plano para matar Mendes não chega a ser detalhado na publicação, mas as desavenças com o ministro ficam evidentes em trechos da publicação nos quais Janot refere-se ao ministro como “o mais errático entre os magistrados”.

Em alguns trechos, o ex-procurador aponta posições consideradas por ele contraditórias na postura de Mendes. “Uma hora era um punitivista de primeira grandeza, a ponto de proclamar o fim da lenda urbana da impunidade dos poderosos; num outro momento, levantava a voz para perorar contra um suposto Estado policial, contra a sanha investigatória do Ministério Público, e por aí vai”.

“Uma oscilação que, a rigor, passava ao largo do ordenamento jurídico. É desnecessário dizer que, de todos os ministros, Gilmar Mendes é, de longe, o crítico mais virulento da Lava Jato. É de longe também o ministro que mais tomou medidas contrárias a investigações derivadas do caso”, relata.

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